A máfia da blogosfera
24
Ago 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 00:29link do post | comentar | ver comentários (4)

O Samuel de Paiva Pires voltou à carga com a questão monárquica. Se é certo – francamente, ó Samuel! – que muito do que escreveu já foi escrito no passado mês de Janeiro e por mim respondido, há que responder de novo, que eu cá não sou de deixar as pessoas a falar sozinhas.

Em primeiro lugar, Samuel, a questão da democraticidade da república em oposição à falta de democracia na monarquia não se prende exactamente com a possibilidade de votar para Chefe de Estado, mas sim com o acesso ao cargo. Isto é, não é o acto de votar que faz da república melhor, é o facto de se poder ser votado. É esta a questão igualitária de que não abdico. E eu não quero ser Presidente da República. Quem quiser que se candidate e acho que o sr. Duarte Pio não tem acesso vedado à candidatura – é só recolher assinaturazinhas.
Quanto à questão da legitimidade, penso que já te respondi no passado de forma razoável, de qualquer modo: o que Weber disse não é necessariamente verdade. Apenas porque Max Weber decidiu criar «tipos» de legitimidade não se segue que esses «tipos» sejam acertados ou os únicos a existir. Nem tão-pouco significa que tenham todos o mesmo grau de importância. De qualquer modo, partamos do pressuposto que, sim senhor, o Max Weber até acertou. A legitimidade carismática não pode ser, de todo, atribuída apenas a reis pelo facto de haver alguns que representam religiões. Isabel II, e todos os seus antecessores desde Henrique VIII, é uma líder religiosa. So what? O D. Carlos não era. O aspecto transcendental só interessa a quem se interessa por ele. Que importa a um ateu ou agnóstico que o possível monarca tenha o toque divino? A legitimidade tradicional/histórica é por ti atribuída ao Rei porque segundo o que dizes «repousa» nele o peso da história. Com o respeito que sabes que nutro por ti, digo-te que acho isto um disparate. Um rei tanto tem o peso da história como eu ou tu. É esta «coisa» demasiado «religiosa», quase dogmática – matéria de fé – que me faz confusão na argumentação monárquica. Isto são «verdades» que não podem ser nem verificadas nem falsificadas. O que é o «peso da história»? O que é o aspecto «transcendental» dos monarcas? São coisas atribuídas aos monarcas simplesmente porque sim. E inegáveis por definição e por isso tão convincentes para quem já está convencido. Quanto à questão legal, ambos os regimes detêm essa legitimidade desde que a lei os preveja – o que me interessa é, precisamente, a razoabilidade da lei que os prevê.
Já o teu argumento de que as monarquias são mais democráticas é o típico post hoc propter hoc. A lógica é a seguinte: aqueles países são mais «democráticos» - aspas porque a avaliação da democraticidade de um país é algo muito relativo – e como são monarquias, então uma coisa é causa da outra. Isto é uma falácia muito comum e que, como tal, tem de ser desmontada. O que eu preciso, Samuel, é que me esclareças sobre a possível relação causal que aqui encontras. Se ma provares, dar-te-ei razão.
Por fim, deixa-me dizer-te que é fraco, fraquinho dizer que uma pessoa não «pode» ser Chefe de Estado no nosso país. O que tu estás realmente a escrever é: «não basta querer para ser» e aí concordo contigo. É óbvio que uma pessoa que se proponha a chefiar um Estado tem de ter a confiança da população e é natural no nosso quadro que sejam personagens já reconhecidas e que venham, claro, dos partidos – porque, infelizmente, a política ainda não se faz fora destes. O que é importante que se diga é que enquanto a um proponente a chefe de Estado é exigida a confiança do povo, a um herdeiro do trono não é. E isto não é admissível.
E não é propriamente uma questão de preferência pela legitimidade em relação à utilidade que está aqui em causa, Samuel. Eu não acho que as suas se excluam mutuamente. Pessoalmente acredito mesmo que ambas se revelam mais satisfatórias num regime republicano que num regime monárquico. Dizes-me que Portugal republicano não é uma grande nação. Eu digo-te que Portugal não é uma grande nação desde o século XVII – e já lá vão quatro séculos, três de monarquia. Alguma coisa há-de haver mais que a «simples» questão do tipo de regime.
 

(volto agora para as férias.)


26
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 11:18link do post | comentar | ver comentários (40)

No seguimento deste post alguns comentadores responderam, simplesmente, que o direito à saúde é uma questão de facto. Existe, ponto. O argumento maior era a consagração da saúde pública na Constituição. A discussão trouxe-me a este post.

Existem dois tipos de direitos: direitos morais e direitos legais (dentro dos legais podem incluir-se os contratuais). Muitas vezes, um direito moral é um direito legal. No entanto, todos percebemos que nem sempre é assim (por exemplo o direito das mulheres a votar não estava consagrado na lei no passado). E também é facilmente compreensível que um direito legal nem sempre é criado com base num direito moral (é o caso do direito à saúde).
Peguemos no exemplo das mulheres que não votavam. Muitas pessoas à data defendiam que se tratava de um direito extremamente elementar: a possibilidade de pessoas adultas se poderem pronunciar sobre o seu futuro. O facto de não ser um direito legal era apenas um impedimento a que o direito moral se concretizasse. Situações semelhantes, em que o direito moral não é transposto para o legal, aconteciam com os escravos ou, actualmente, com os homossexuais.
Agora pensemos no direito à saúde. Será que antes de estar consagrado na lei que havia direito ao acesso a cuidados de saúde, este direito era um direito? Será que uma pessoa doente, antes de estar na lei esta imposição, tinha o direito de obrigar outros a financiar os seus tratamentos? Não. Não existe esta obrigação moral. Mesmo no actual sistema o leitor compreenderá que se uma pessoa lhe vier pedir dinheiro e o leitor escolher dar, não está a cumprir uma obrigação mas sim a agir de forma completamente livre. Do mesmo modo, se alguém lhe pedir dinheiro e o leitor não der, não estará a desrespeitar um direito e a não cumprir uma obrigação.
O direito legal à saúde vem no seguimento de uma discussão, que me escuso a avaliar, sobre os benefícios para o colectivo. Mas é apenas isto: um direito legal. É muito pouco plausível que se trate de um direito moral (que implica uma obrigação moral para terceiros). O mesmo acontece com todos os outros direitos legais: Educação, Segurança, Justiça, Trabalho ou até mesmo o direito a prestações sociais.
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25
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 01:10link do post | comentar | ver comentários (21)

 

[Via António Costa Amaral]

 

Apesar de não ser este o principal motivo pelo qual sou contra o salário mínimo imposto pelo Estado, não deixa de ser um argumento muito forte.

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24
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 09:59link do post | comentar | ver comentários (2)

A questão do casamento homossexual apenas permite ganhar uma nova perspectiva sobre a questão dos privilégios dos casados. No entanto, a injustiça revela-se noutras matérias.

Quando falamos em impostos e em serviços públicos, temos de ter sempre presente uma coisa: todos beneficiamos, em teoria, por igual, pelo que, se houver alguém a pagar menos, então está a ser indirectamente subsidiado pelos outros. Os outros estão a pagar a parte que aquela pessoa não paga. Geralmente, os teóricos destas coisas chamam a isto «estímulo» ou «incentivo».

Significa isto que, por exemplo, um indivíduo, seja do sexo masculino ou feminino, que por azar ou opção nunca tenha constituído uma família é prejudicado em relação a quem constitui uma família. Não sabemos quais foram os motivos que levaram, let's say, o Joaquim a não casar. Apenas sabemos que não casou e que o Estado não o pode prejudicar por causa disso. Com a instituição do casamento, em que os casados são privilegiados, Os joaquins estão a ser prejudicados e muito.

Penso que esta deveria ser uma questão a colocar aos partidos para discussão na próxima legislatura. É que avançar com o casamento homossexual é um imperativo moral, mas não é aceitável que o façamos apenas para criar mais e mais privilegiados.

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publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 09:51link do post | comentar | ver comentários (2)

Ontem em conversa com o Adolfo (e agora não sei para onde linkar, que ele «escreve» aqui, aqui e aqui), veio para a mesa a questão do casamento homossexual. Faço questão de dizer que foi em conversa com o Adolfo, porque o que vou escrever aqui não é só meu, mas também um pouco dele.

Parece-me, como já no passado afirmei, que é do mais elementar bom senso que se permita a quem quer que seja celebrar o contrato que for, com as contrapartidas que quiser. E o casamento civil, por muito que os românticos esbracejem, é isso mesmo: um contrato. Pelo que não faz qualquer sentido que apenas alguns lhe possam aceder.

No entanto, há um problema com o casamento. O casamento em Portugal não é apenas e só um contrato. É uma porta de acesso a um sem número de benefícios, nomeadamente a nível fiscal que têm um objectivo prévio. Apesar de o achar tonto, não o posso negar.É o objectivo de apoiar as famílias, no seu sentido mais tradicional, as que envolvem procriação (não tenhamos medo da palavrinha).

Por isto, para que possa haver casamento homossexual sem qualquer tipo de motivo lógico para arguir contra, há que reformar a instituição do casamento. Há que encarar o casamento como um contrato entre duas pessoas no qual o Estado não se deve intrometer. Têm de acabar os incentivos e apoios ao casamento, porque não é legítimo que um casal, apenas por o ser, tenha privilégios.

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09
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 15:58link do post | comentar | ver comentários (47)

A Daniela teve a gentileza de entrar no debate, que eu já sentia falta de um à séria, e respondeu ao meu post.

Antes de mais, deixa-me fazer uma nota prévia: eutanásia não voluntária significa que o doente não manifestou qualquer opinião, eutanásia involuntária significa que o doente manifestou opinião de que não queria ser morto. São duas coisas um pouco distintas.

Vamos ao que interessa: a questão essencial quando falamos em eutanásia não voluntária passiva é precisamente a de sabermos se há ou não uma obrigação moral de um indivíduo A manter um indivíduo B vivo. Claro que qualquer pessoa bondosa fará de tudo para ajudar os outros e para os poder tratar. No entanto, há que distinguir muito bem entre o que é um acto bom e o acto que nem é bom nem é mau. É verdade que ajudar os outros é algo de louvável, ainda assim não se pode cunhar como imoral a não-ajuda. Por exemplo, eu tenho plena noção que há imensa gente a morrer à minha volta, sem que faça propriamente algo de substancial para minorar o problema. É claro que se eu fizesse, estaria a fazer muito bem. Mas não fazer não me faz sentir que estou a fazer mal, que estou a ser mau, imoral. Isto acontece pelo simples facto de não haver essa obrigação moral.

Imaginemos, Daniela, que não havia sistema de saúde público, ou seja, para que alguém fosse tratado tinha de ser levado para uma instituição de saúde privada. Imaginemos também que essa pessoa não tem qualquer tipo de seguro ou contrato com ninguém. Agora imaginemos que um indivíduo A adoecia. Será que é uma obrigação moral do indivíduo B manter, seja através de que meios for, a vida do indivíduo A?

À tua pergunta respondo-te: depende. Se houver uma organização social como a dos dias de hoje, não. Se a pessoa tiver um seguro de saúde, não. Se nenhuma destas situações se verificar, sim.

 


publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 08:41link do post | comentar | ver comentários (32)

Para além da eutanásia como acto voluntário, há ainda a eutanásia não voluntária e involuntária. Neste post irei expor o que penso sobre a eutanásia não voluntária.

Nesta questão vou ter de introduzir dois novos conceitos: eutanásia activa e eutanásia passiva. A primeira consiste em provocar a morte através de um mecanismo próprio para o efeito (por exemplo, injecção letal). A segunda consiste em «deixar morrer», por exemplo, parando-se o tratamento.

 

08
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 09:36link do post | comentar | ver comentários (11)

Tal como na questão do aborto, em relação à qual fui construindo uma posição de princípio com alguma investigação sobre o assunto, gostaria de escrever aqui sobre a Eutanásia. Provavelmente levarei alguns posts a expor o que penso, mas já vai fazendo falta aqui ao pardieiro qualquer coisinha mais compostinha.

Existem vários tipos de eutanásia e até existem derivados. Para facilitar, vou dividir a eutanásia em três tipos: acto voluntário, acto não voluntário e acto involuntário. Neste primeiro post vou começar por aquela que considero eticamente aceitável, independentemente de tudo o resto: a eutanásia voluntária.

Existe nas sociedades actuais um direito fundamental: o direito a viver (penso que a formulação ideal seria «o direito a não ser morto», o que seria menos bonito, mas mais eficaz). No entanto, do direito a viver não se pode inferir que haja uma obrigação de viver. Significa isto que se eu não quero viver mais, seja por que motivo for, não há ninguém que tenha o direito a obrigar-me a manter-me vivo contra a minha vontade - é absurdo.

Ora, chegados aqui, coloca-se-nos o problema fundamental: sim senhor, quero morrer, mas e se não conseguir tratar do assunto sozinho? Sim, porque é este o problema fundamental, que o suicídio ainda não é, nem pode ser, proibido. Fundamentalmente, temos de nos perguntar se é legítimo que peçamos a alguém que nos mate - não gosto do eufemismo de 'ajudar a morrer' - de modo a que a nossa vontade seja satisfeita. Para responder a isto, proponho que se pense num modelo de contrato. Imaginemos que eu quero contratualizar com alguém uma determinada coisa. O contrato só toma lugar se ambos os outorgantes o quiserem assinar. Se os assinarem, passa a ser um problema deles e só deles, pelo que mais ninguém se pode intrometer. Mesmo que o contrato não seja vantajoso para uma das partes, aos olhos dos outros, claro está; não há nada de eticamente condenável: ambos aceitaram as condições. No caso da eutanásia, um doente contratualiza com um médico uma coisa: a sua morte. O médico, se quiser, aceita, se não quiser, não aceita. Caso o médico aceite, não é legítimo que o colectivo se intrometa no contrato que é privado.

Para fazer uma analogia que me parece interessante, imaginemos o caso de eu, na rua, pegar numa senhora e lhe começar a dar palmadas no rabo com muita, muita força. Nesta situação, obviamente, estou a fazer algo de errado: estou a agredir uma senhora, com a agravante de lhe estar a mexer no traseiro. Imaginemos, por oposição, que eu e a minha companheira apreciamos o sado-masoquismo. Numa das nossas sessões dou-lhe precisamente as mesmas palmadas no rabo, porque ela me pede. Neste caso pode afirmar-se que há um procedimento errado da minha parte? Não, porque tudo o que fiz foi de acordo com a vontade da pessoa a quem fiz.

Por, no caso da eutanásia voluntária, se tratar sempre de uma matéria de decisão pessoal do próprio doente e do profissional ou familiar que o ajuda, defendo que é necessário que se permita o procedimento.


04
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 11:39link do post | comentar

Lembro-me que há uns meses houve uma polémica entre Henrique Raposo e Vital Moreira acerca das fisgas institucionais que o primeiro diz serem insuficientes e o segundo acha adequadas. Pois eu tendo a concordar com a análise de Henrique Raposo. Segundo a Constituição da República Portuguesa, esta manta de retalhos construída ao longo dos últimos trinta anos, em termos de interferência directa na governação, o Presidente da República tem as asas cortadas.

Segundo a lei fundamental, deparado com uma situação de incompetência gritante, ao Presidente da República apenas resta a dissolução da Assembleia da República. Isto é profundamente incoerente com o próprio texto. Se observarmos as competências do Presidente da República em relação a outros órgãos (art. 133.º), cabe-lhe nomear, a título de exemplo, os ministros. No entanto, e sendo obviamente responsabilidade sua a nomeação dos mesmos, a partir do momento em que são aceites, apenas respondem perante o Primeiro Ministro e nunca por nunca podem ser demitidos pelo Presidente da República (art. 191.º). É o Chefe de Estado que os nomeia, mas não lhe é dado o poder para os demitir, caso se lhe afigure necessário. E mesmo para demitir o governo, e não a Assembleia da República, é necessário que haja uma situação de perigo para a democracia (art. 195.º). É impressionante como é mais fácil para o Presidente da República desfazer uma coisa feita pelos eleitores (o Parlamento) que uma coisa feita por si próprio (o governo por si nomeado).

Julgo que a próxima legislatura levará a uma percepção do grave problema de tudo isto e que, muito provavelmente, haverá lugar para uma nova revisão constitucional que dê mais margem de manobra ao Chefe de Estado. Se assim não for, estamos condenados a um longo período de guerra fria entre órgãos de soberania.


03
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 21:55link do post | comentar | ver comentários (13)
Quando se discute ética há sempre que fazer uma distinção forte entre o deve-se e o faz-se. Segundo os nossos padrões culturais, a ética rege-se por princípios definidos, sendo a questão do limite da liberdade um belo exemplo. Princípios gerais de conduta que devem ser respeitados. Por exemplo não matar e não infligir dano a outro. Porquê? Porque são abusos da minha própria liberdade, claro está.
A questão é que nem sempre respeitamos estes princípios. O caso da tortura e a perspectiva que o Samuel dá são belos exemplos. Por princípio não é aceitável que se torture quem quer que seja por motivo algum. Afinal, torturar é fazer algo errado segundo os nossos padrões morais e o facto de o torturado ter feito algo de errado não legitima que o torturemos.  Significa isto, caro Samuel, que a escolha entre torturar alguém ou deixar que essa pessoa torture ou mate outros é sempre uma escolha entre duas coisas profundamente erradas por princípio. Se houver uma situação como a da ticking bomb, o decisor, seja ele qual for, vai apenas ter de optar pela possibilidade que se lhe afigura menos má. Isto não significa, de todo, que a tortura seja legítima nesta situação ou seja moralmente aceitável. Significa apenas que de entre todo o mal possível, este é o menos mau.
De qualquer modo, tenho objecções quanto ao argumento de Rand. Não há nada que nos diga que, por princípio, a existência é o mais alto dos valores. O caso dos fundamentalistas islâmicos é um bom exemplo de como uma escala de valores com uma longitude diferente da nossa já coloca a existência num plano secundário e o divino num plano primordial. A reflexão de Rand faz muito sentido para a nossa cultura, a ocidental (a actual!), mas não faz sentido algum para quem olha para o divino como o mais importante de tudo. Afinal, eles estão dispostos a abdicar da própria existência, o que demonstra tudo. Penso, portanto, que não é por aqui que se legitima a tortura. E reitero a conclusão do parágrafo anterior: se houver uma situação limite em que as duas alternativas são moralmente condenáveis, optar pela menos má não a faz eticamente aceitável, mas apenas e só a menos má.
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01
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 21:59link do post | comentar | ver comentários (4)

Samuel de Paiva Pires, claro como sempre, discorre longamente aqui e aqui sobre a questão da tortura. Parece-lhe a ele que a tortura é legítima em «determinadas situações».

Pois eu compreendo a lógica. Deriva de um certo princípio da utilidade de John Stuart Mill: a acção moralmente certa é aquela que maximiza a felicidade para o maior número(1). Claro que ao olharmos para o problema, a primeira coisa que nos vem à cabeça é que se acaso torturarmos um suspeito a fim de obter algum tipo de ajuda para resolver o problema, então isso maximiza a felicidade para o maior número, logo, é eticamente aceitável – seja in extremis ou não.
O problema aqui é que considero esta abordagem demasiado simplista. É verdade que ao torturarmos um possível terrorista teremos confissões, umas fiéis à verdade, outras nem tanto, apenas súplicas para que se acabe o sacrifício, mas aquilo que nos temos de perguntar perante um cenário destes, isto se tivermos em conta uma perspectiva utilitarista sobre a qual tenho sérias dúvidas, é se isto traz mesmo mais felicidade para um maior número. Sejamos objectivos: o problema do terrorismo não acaba mesmo que todos os terroristas de um determinado momento sejam, por obra e graça dos serviços secretos, mortos. O problema do terrorismo não advém de vontades pessoais, de delírios singulares, mas sim de desígnios que alguns tomam como inatacáveis – o tipo de desígnio que nos fez pensar que podíamos invadir a Terra Santa há uns mil anos atrás. Como tal, temos de acrescentar um pouco de complexidade à questão.
A tortura serve para combater o terrorismo como a gasolina serve para apagar um fogo. Dado que tudo advém de um processo espiritual, e claro que estou a falar do actual terrorismo da Al-Qaeda e similares, que o terrorismo não é todo igual, a tortura ou assassinato dos líderes ou simples militantes de base leva apenas a uma ideia de martirização. Ao responder a violência com violência igual, o Ocidente acaba por criar uma bola de neve de muito difícil controle. Há lugar para uma escalada de violência, legitimada precisamente pela resposta pouco diplomática.
Claro que toda a questão é muito complexa. De um lado estão aqueles que, como eu, pensam que a tortura não leva a nada, apenas piora a situação, e do outro estão aqueles que preferem o método imperfeito a método nenhum. No entanto, e dados os resultados actuais e até olhando para a História, essa óptima conselheira para tudo, penso que é perigosíssimo que se ceda ao método imperfeito, pois as consequências são imprevisíveis e possivelmente devastadoras.
Proponho algo diverso portanto: cortar o mal pela raiz. O que alimenta a Jihad e os ódios em relação ao Ocidente tem, quanto a mim, como origem a péssima qualidade de diálogo que pautou a postura do Ocidente nas últimas décadas. Se consideramos, e eu considero, que somos o «lado livre», a metade certa, não podemos afirmá-lo arrogantemente como temos afirmado. O terrorismo e o fundamentalismo islâmico são apenas reacções a um determinado fenómeno. Para os travar, temos também de travar esse fenómeno. E fazê-lo está nas nossas mãos.

 

(1) Enunciação feita com base no ensaio A ética de John Stuart Mill de Faustino Vaz, disponível online.

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24
Jun 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 23:53link do post | comentar

Concordo totalmente com Mario Rizzo sobre a questão do casamento (casamento, ponto - não estou a falar do casamento consoante o género dos outorgantes). Deixo aqui o primeiro parágrafo:

 

«I suggest that it should be the same as in contract law. In other words, the State should not define the terms of the relationship. It should allow the parties to do that for themselves and then simply enforce it. The current one-size-fits-all civil marriage should be abolished except as a default option for those who do not want to build their own contract.»

 

[via O Insurgente]


18
Jun 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 10:40link do post | comentar | ver comentários (6)

Joaquim Sá Couto escreve que o facto de existir determinismo material não implica um determinismo espiritual, mental. Significa isto que espiritualmente temos livre-arbítrio. Dou por mim a perguntar, então, o que é o «espírito», a «mente», senão produtos do nosso cérebro, coisa material, com eventos determinados por acções passadas.

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29
Mai 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 14:40link do post | comentar | ver comentários (1)
Olhe que não, João, olhe que não. Em primeiro lugar, um pequeno esclarecimento: a teoria não diz que “tudo” é genética. Diz que a base é genética, mas que as experiências pessoais têm influência. Um Camilo cheio de capacidades à nascença pode acabar um vagabundo e um António diminuído por azar pode ter sucesso. Pormenores. Adiante.
É óbvio que os termos se podem utilizar. Aliás, nem se compreende porque é que acha que não. Diz, basicamente, que não se pode, logo, não se pode.
A realidade é que se trata de uma questão de direitos. Haver um julgador universal que diz: tu tens de ter menos porque isso é tudo genética, tu tens de ter mais porque não teres é azar, esbarra com direitos. No limite, este raciocínio leva ao comunismo mais puro. Então, João, se tudo se trata de genética, qual é o fundamento de uns terem mais que outros?
A questão essencial é: a base é genética, ou seja, muito do que somos é uma questão de sorte. Segue-se disso que deve ser retirado à força o que quem teve sorte ganhou para se dar a quem não teve a mesma sorte? A isso não respondeu.

Quanto à minha redução ao absurdo, sabe tão bem quanto eu que não é falaciosa. Eu, por nascer em Portugal, tenho menos hipóteses de sucesso à partida que um americano e mais hipóteses que um moçambicano.


publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 11:43link do post | comentar | ver comentários (17)

O Miguel Madeira, citado pelo João Galamba, considera que, se se verificarem verdadeiras as teorias de que as nossas capacidades podem depender quase exclusivamente do "jogo de sorte e azar ocorrido na concepção", o Estado Social fica legitimado. Isto porque, claro está, se não se trata de mérito, não faz mal o Estado tirar a ricos para dar a pobres.

A isto chama-se ser falacioso e não temo a utilização do termo. Pensemos mais que dois segundos sobre esta questão. Imaginemos que a teoria está provada e que tudo funciona realmente como um jogo de sorte e azar. Por sorte, o Camilo nasceu esperto. Por azar, o António nasceu pouco esperto. Como tal, o Camilo safa-se e o António não. É mau, é triste, bem sei. Mas será que o Camilo pode ser responsabilizado e penalizado apenas porque o António não teve a mesma sorte que ele? A culpa é do Camilo? Não. Se a culpa não é do Camilo, qual é o direito do António de exigir que se roube o que o Camilo ganhou e se lhe dê?

Este raciocínio levado, ainda mais, ao absurdo iria permitir que a todas as pessoas do mundo ocidental fosse retirada toda a riqueza, pois tudo foi sorte por nascermos onde nascemos enquanto outros que nasceram em África ou na Ásia não tiveram sorte igual.

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publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 10:01link do post | comentar

Numa época em que no debate político só se ouvem referências a Esquerdas e a Direitas, é bom saber o que significa cada coisa. Lede, portanto, "The First Leftist" de Dean Russel.


15
Mai 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 14:39link do post | comentar | ver comentários (2)

Publico aqui a minha intervenção num Seminário sobre violência promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian no dia 6 de Maio.

 

As situações de bullying são cada vez mais preocupantes, não sendo, contudo, despiciendas as situações de violência pontual. O bullying, que consiste num tipo específico de violência caracterizado por ser praticado de forma sistemática e intencional em relação a uma única vítima, bem como a violência num sentido mais lato, podem exercer-se física ou psicologicamente, e deixando por ora de parte a que géneros e idades estão mais ligados cada tipo, acabam por ter, no seu todo, efeitos gravíssimos nas vítimas: a exclusão do grupo, a baixa da auto-estima e, no limite, comportamentos auto-destrutivos. Tudo isto, e por estes comportamentos serem especialmente característicos da adolescência, faz com que, no futuro, enquanto adultos, estas vítimas tenham sérias dificuldades na criação e manutenção de relações interpessoais. E o mais assustador é que este fenómeno, o da violência, está em todas as escolas, em todas as salas, em todos os recreios, em todos os portões. E não vale de nada escamotear o facto. Os episódios de que temos notícia além-fronteiras são um sinal de aviso. Jovens completamente desintegrados, isolados, que acabam por, num misto de loucura e desespero, cometer os mais atrozes crimes. É grave, muito grave, e tem de ser combatido. Mas para combatermos um fenómeno, temos de o conhecer na sua plenitude. É por isto que se impõe que nos questionemos sobre o que é que leva a que nos dias de hoje se verifiquem níveis de violência escolar tão elevados.

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14
Mai 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 13:55link do post | comentar | ver comentários (14)

Quando acontece algo como o que aconteceu no Bairro da Bela Vista vem logo, a correr, que isto não é gente de andar devagar, um certo tipo de bem-pensante lusitano gritar, para o povo ouvir e, se não for muito incómodo, votar: Isto é um problema social, têm de se aumentar os apoios sociais. Que é um problema social ninguém nega, o que é importante aqui é que se pense se as políticas sociais, ou melhor, estas políticas sociais resolvem alguma coisa.

Tudo isto aconteceu, e não foi a primeira vez, num bairro social, com famílias que recebem Rendimento Social de Inserção e, claro, outros tipos de apoios sociais. Não se pode dizer, de todo, que o Estado já faz muito: não pagam casa, não pagam educação dos filhos, não pagam serviços de saúde e ainda recebem um rendimento mensal. Esqueçamos, será possível?, os ganhos ilícitos noutras actividades que não dá jeito que sejam conhecidas pelas autoridades. Ora, com todo este apoio estas situações acontecem, com todo este apoio estas situações, a alterar-se, pioraram e ainda há quem defenda um aumento dos apoios. Seria regar fogo com gasolina.

O problema destes bairros e desta população, quanto a mim, e sem querer entrar no preconceito porque cada caso é um caso, é o facto de, em primeiro lugar, os colocarem num lugar só, qual guetto, criando, invariavelmente, um foco de violência; e, em segundo lugar, lhes darem tantos apoios sem que haja qualquer contrapartida, qualquer esforço para mudar de vida. Reparem, se nos dessem o suficiente para viver com um mínimo de conforto, e sabendo nós que ao trabalhar dificilmente ganharíamos uma grande diferença, trabalharíamos?


02
Mai 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 19:13link do post | comentar | ver comentários (11)

Alguns autores têm defendido uma flexibilização laboral agora, em tempos de crise, para que se diminua o desemprego. Já manifestei várias vezes (aqui e aqui) que defendo uma liberalização dos contratos laborais, por achar que, em primeiro lugar, não faz sentido o Estado criar leis que beneficiem uma parte da população e, em segundo lugar, que não faz sentido o Estado interferir em contratos seja do que for (raciocínio que me leva a ser, por exemplo, a favor do casamento entre homossexuais). No entanto, a minha veia utilitarista obriga-me a admitir que, neste quadro, seria muito mau que se procedesse a uma flexibilização total do emprego ou a uma diminuição das prestações sociais. Passo a explicar.

Considero que algumas das mais graves desigualdades sociais provêm precisamente da interferência do Estado no mercado de trabalho (aqui, aqui e aqui), nomeadamente, porque leva a que haja uma deslocação maciça da população para um tipo de trabalho que, tendo já muita oferta, acaba por ser remunerado de forma bastante acima do expectável (quanto ganharia um empregado da indústria têxtil se não houvesse ordenado mínimo?). No entanto, e apesar de ter a firme convicção que se trata de, em certo modo, apagar o fogo com gasolina, julgo que cabe ao Estado tentar corrigir alguns dos desequilíbrios que cria (motivo pelo qual não vejo possível acabar, a curto prazo, com a Educação e o Sistema de Saúde públicos e algumas - não todas - prestações sociais).

É por isto que acredito apenas ser possível proceder a uma liberalização da economia num período de expansão - como aquele que se seguirá à presente crise. Acabar agora com o salário mínimo, com as prestações sociais ou com os serviços públicos na sua generalidade levaria a que, como escreve o João Rodrigues, se acrescentásse crise à crise.

Não termino, no entanto, sem referir que é em épocas de crise que os Estados se devem reestruturar. Acabar com financiamentos e apoios despropositados - são tantos no nosso país - e fazer, quem sabe, cortes acentuados aos salários dos funcionários públicos nos últimos escalões, como aos professores, que ganham mais do que os finlandeses com a mesma profissão, apenas para dar um exemplo.

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01
Mai 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 14:06link do post | comentar

Os textos do Rui Albuquerque (I, II, III) sobre os benefícios práticos de uma Monarquia Constitucional fizeram-me pensar. Já afirmei que preferia, nesta matéria, um debate que se elevasse um pouco mais para as questões de princípio, nomeadamente, a da legitimidade do Rei. Mas, dado que o argumento é francamente interessante, cedo à tentação de analisar as consequências reais de uma monarquia.

Não sejamos ingénuos: a estabilidade das Monarquias Constitucionais europeias não tem, muito provavelmente, igual no resto do mundo. Provavelmente pelo facto de o Rei funcionar como um gerador de consensos que a generalidade da população respeita, mesmo que não concorde. No entanto, existe a outra face da moeda. Se é certo que a generalidade, e com generalidade quero dizer maioria, da população respeita o Rei, com um temor reverencial imposto pela força das armas do exército de Sua Majestade, ó medos escondidos e enraizados, existe uma parte da população que, exactamente por colocar em causa a legitimidade do cargo, não o respeita de forma alguma. E é perfeitamente compreensível. Porque é que eu, Tiago, hei-de prestar vassalagem a alguém apenas porque esse alguém nasceu de um ventre afortunado? Por causa da estabilidade das instituições? Não chega. E tanto não chega que acabam por se criar, nesses Estados perfeitamente estáveis, aparentemente, movimentos radicais e extremistas (como o movimento republicano português do início do século XX), e quando não são movimentos são vontades indivíduais (como sucedeu na Holanda), de colocar termo pela força a uma coisa que não pode ser mudada de qualquer outra forma. Sim, os Reis são plebiscitados, mas isso nada quer dizer. Provavelmente se em vez de plebiscitados apenas, fossem sujeitos a campanha eleitoral, a debate de ideias, perderiam. Nos últimos anos, após a Segunda Guerra Mundial, as monarquias europeias foram relativamente estáveis. Mas não nos esqueçamos que estamos a olhar para um período muito reduzido. Pensemos no que aconteceu no princípio do século às Monarquias Constitucionais ibéricas.

É verdade que da amostra que temos, as Monarquias ficarão a ganhar em alguns aspectos às jovens Repúblicas. Mas não duvido que com um verdadeiro esforço por parte das Repúblicas por fortalecer as instituições, tornando-as independentes dos interesses partidários, os mais desestabilizadores, estas poderão ascender a patamares de estabilidade semelhantes às Monarquias europeias conhecidas.


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