Todos os anos, na terra que visito por laços de sangue a ela me ligarem, se realiza, na primeira segunda-feira que se segue a cada Páscoa, que é como quem diz no dia seguinte ao da festividade cristã, o folar. Em bom rigor deveria eu chamar-lhe visita pascal, que é mais canónico, mas muito terreno sou e por isso lhe chamo o que os terrenos lhe chamam: folar que é por causa da tosse.
Ó ritual mais bimbo e ao mesmo tempo mais bonito. Toda a aldeia se veste a rigor, as senhoras com os vestidos mais bonitos que compraram para um qualquer casamento de um qualquer familiar mais o perfume e o colar de pérolas que o não são bem. Os senhores, que no dia-a-dia são homens do campo e neste se metamorfoseiam, vestem as suas camisas claras, os seus fatinhos de domingo e o sapatinho de verniz, que a efeméride não pede menos e má figura não podem fazer. Os jovens, esses, juntam-se em bando, que em terras desenvolvidas do litoral se chamaria gang, e correm as casas todas que podem, tentando até as que não podem, comendo muito e bebendo muito mais. E há o padre, com as pequenas acólitas: uma carrega uma sineta que lhe pesa a olhos vistos, outra carrega um potinho de água que se diz benta por pelo padre ter sido benzida. E há, por último o Sacristão que carrega o elemento principal: o Jesus crucificado que há-de ser beijado por tudo quanto é gente boa. Ele os há que beijam o filho de Deus em todas as casas por onde passam. Eu, que desconfio que tanta beijoquice será pecado, beijo uma vez, a primeira e última, para o beijar novamente no ano seguinte.
E assim se passa o dia, o padre com a sua comitiva visitando pascalmente os lares que pedem bênção, os jovens que se divertem fingindo-se homens, os senhores que não resistem a desapertar as finas vestes e a voltar ao que são no dia-a-dia e as senhoras que se dividem entre as que se aventuram no copinho e na bochecha por ele rosada e as que mantêm a pose até à noite, para voltarem a ser mulheres no dia que se segue.
Ó ritual mais bimbo e ao mesmo tempo mais bonito, até para o ano.
Nota: a ideia do título foi roubada, e muito bem roubada atrevo-me a dizer, à Eugénia de Vasconcelos do Mátria Minha. O seu a seu dono, que eu não sou de roubar sem, pelo menos e por delicadeza, informar.