A falta de sentido de Estado dos partidos é, para usar uma expressão do Henrique Raposo, um dos pregos do caixão do regime. Os partidos políticos, e aqui falo essencialmente dos com assento parlamentar que sendo os mesmos há décadas é inútil nomear, que se dizem promotores e defensores aguerridos do bem comum, instrumentalizam esse bem para fins eleitorais de uma forma que, de tão descarada, chega a ser assustadora. Lembremo-nos quando, há uns meses, o casamento entre pessoas do mesmo sexo era algo de muito bom, mas ainda assim o PS votou contra – mais porque a proposta não era sua do que propriamente por não ser o timming. Lembremo-nos, mais recentemente, da questão do Estatuto dos Açores – na primeira votação o PSD absteve-se e depois do veto presidencial passou a ser contra. E até esses quase free lancers, defensores supremos da moral e dos bons costumes, chegam a ser ridículos nas opções – como o Manuel Alegre, que era contra a avaliação dos professores, mas que se recusou a votar favoravelmente o projecto do PSD para lhe colocar termo. Este episódio a que agora assistimos sobre o financiamento dos partidos é uma gota no Oceano e até o Bloco de Esquerda, senhoras e senhores, entrou no sistema ao votar favoravelmente o diploma depois de ter exigido o fim do sigilo bancário. Chama-se coerência, na novilíngua que utilizam. Todos estes exemplos servem para mostrar o quão doente está o sistema: viciado pelo jogo de poder de partidos que mais parecem clubes de futebol a concorrer pelo título. É um sistema em que as mesmas pessoas mudam drasticamente as suas opiniões de acordo com as conveniências eleitorais. É um sistema em que se faz do Diário da República um cartaz de campanha eleitoral, passando para lei os delírios demagógicos e populistas de quem apenas quer cair na graça da populaça. E digo isto apenas em relação à produção de legislação, que é aquilo que nos afecta realmente, porque se quisermos ir um pouco mais além vemos um secretário-geral de um partido dizer num dia que as eleições europeias vão ser «avaliação do Governo mas também a avaliação de uma oposição», para precisamente um mês depois já vir dizer que não, que «Nestas eleições não perguntaram aos portugueses acerca do Governo e do futuro».
Não, não vai ser com o voto obrigatório que se vai resolver o problema. Aliás, impor a obrigatoriedade do voto seria obrigar a população a alinhar-se com este tipo de folclore. Para que isto seja efectivamente resolvido, é necessário que se proceda a uma reforma bastante grande no que respeita à lei do financiamento dos partidos, acabando com a estúpida distribuição de dinheiro dos contribuintes em função do número de votos e fazendo uma profunda reforma na lei eleitoral que permita que concorram ao parlamento movimentos de cidadãos, que permita o voto preferencial se não mesmo o voto personalizado.