A máfia da blogosfera
24
Ago 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 00:29link do post | comentar | ver comentários (4)

O Samuel de Paiva Pires voltou à carga com a questão monárquica. Se é certo – francamente, ó Samuel! – que muito do que escreveu já foi escrito no passado mês de Janeiro e por mim respondido, há que responder de novo, que eu cá não sou de deixar as pessoas a falar sozinhas.

Em primeiro lugar, Samuel, a questão da democraticidade da república em oposição à falta de democracia na monarquia não se prende exactamente com a possibilidade de votar para Chefe de Estado, mas sim com o acesso ao cargo. Isto é, não é o acto de votar que faz da república melhor, é o facto de se poder ser votado. É esta a questão igualitária de que não abdico. E eu não quero ser Presidente da República. Quem quiser que se candidate e acho que o sr. Duarte Pio não tem acesso vedado à candidatura – é só recolher assinaturazinhas.
Quanto à questão da legitimidade, penso que já te respondi no passado de forma razoável, de qualquer modo: o que Weber disse não é necessariamente verdade. Apenas porque Max Weber decidiu criar «tipos» de legitimidade não se segue que esses «tipos» sejam acertados ou os únicos a existir. Nem tão-pouco significa que tenham todos o mesmo grau de importância. De qualquer modo, partamos do pressuposto que, sim senhor, o Max Weber até acertou. A legitimidade carismática não pode ser, de todo, atribuída apenas a reis pelo facto de haver alguns que representam religiões. Isabel II, e todos os seus antecessores desde Henrique VIII, é uma líder religiosa. So what? O D. Carlos não era. O aspecto transcendental só interessa a quem se interessa por ele. Que importa a um ateu ou agnóstico que o possível monarca tenha o toque divino? A legitimidade tradicional/histórica é por ti atribuída ao Rei porque segundo o que dizes «repousa» nele o peso da história. Com o respeito que sabes que nutro por ti, digo-te que acho isto um disparate. Um rei tanto tem o peso da história como eu ou tu. É esta «coisa» demasiado «religiosa», quase dogmática – matéria de fé – que me faz confusão na argumentação monárquica. Isto são «verdades» que não podem ser nem verificadas nem falsificadas. O que é o «peso da história»? O que é o aspecto «transcendental» dos monarcas? São coisas atribuídas aos monarcas simplesmente porque sim. E inegáveis por definição e por isso tão convincentes para quem já está convencido. Quanto à questão legal, ambos os regimes detêm essa legitimidade desde que a lei os preveja – o que me interessa é, precisamente, a razoabilidade da lei que os prevê.
Já o teu argumento de que as monarquias são mais democráticas é o típico post hoc propter hoc. A lógica é a seguinte: aqueles países são mais «democráticos» - aspas porque a avaliação da democraticidade de um país é algo muito relativo – e como são monarquias, então uma coisa é causa da outra. Isto é uma falácia muito comum e que, como tal, tem de ser desmontada. O que eu preciso, Samuel, é que me esclareças sobre a possível relação causal que aqui encontras. Se ma provares, dar-te-ei razão.
Por fim, deixa-me dizer-te que é fraco, fraquinho dizer que uma pessoa não «pode» ser Chefe de Estado no nosso país. O que tu estás realmente a escrever é: «não basta querer para ser» e aí concordo contigo. É óbvio que uma pessoa que se proponha a chefiar um Estado tem de ter a confiança da população e é natural no nosso quadro que sejam personagens já reconhecidas e que venham, claro, dos partidos – porque, infelizmente, a política ainda não se faz fora destes. O que é importante que se diga é que enquanto a um proponente a chefe de Estado é exigida a confiança do povo, a um herdeiro do trono não é. E isto não é admissível.
E não é propriamente uma questão de preferência pela legitimidade em relação à utilidade que está aqui em causa, Samuel. Eu não acho que as suas se excluam mutuamente. Pessoalmente acredito mesmo que ambas se revelam mais satisfatórias num regime republicano que num regime monárquico. Dizes-me que Portugal republicano não é uma grande nação. Eu digo-te que Portugal não é uma grande nação desde o século XVII – e já lá vão quatro séculos, três de monarquia. Alguma coisa há-de haver mais que a «simples» questão do tipo de regime.
 

(volto agora para as férias.)


11
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 16:23link do post | comentar | ver comentários (5)

Os monárquicos portugueses da actualidade são, na sua maioria, e ao que sei, liberais. Liberais no sentido em que defendem a política levada a cabo ao longo do século XIX, mais não seja por a elogiarem tanto em comparação à do século XX. Por isso, não sei como é possível que defendam para Rei nada mais nada menos que um descendente do último dos absolutistas que acabou banido de Portugal. D. Duarte é, para quem não sabe, descendente de D. Miguel, o absolutista, que esteve num dos lados da guerra civil, opondo-se a D. Pedro IV, o liberal.

Para além disso, não entendo porque é que, a voltar a haver monarquia em Portugal, teria de ser D. Duarte de Bragança a assumir o lugar de Rei. O que há que lhe confira tal prestígio? Não me parece que se tenha notabilizado propriamente por grandes feitos. Se se reconstituísse a monarquia em Portugal, por absurdo admitamos o cenário, o mínimo a fazer seria fundar-se uma nova dinastia. É que a dinastia bragantina não tem propriamente um título de propriedade sobre a nação.


01
Mai 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 14:06link do post | comentar

Os textos do Rui Albuquerque (I, II, III) sobre os benefícios práticos de uma Monarquia Constitucional fizeram-me pensar. Já afirmei que preferia, nesta matéria, um debate que se elevasse um pouco mais para as questões de princípio, nomeadamente, a da legitimidade do Rei. Mas, dado que o argumento é francamente interessante, cedo à tentação de analisar as consequências reais de uma monarquia.

Não sejamos ingénuos: a estabilidade das Monarquias Constitucionais europeias não tem, muito provavelmente, igual no resto do mundo. Provavelmente pelo facto de o Rei funcionar como um gerador de consensos que a generalidade da população respeita, mesmo que não concorde. No entanto, existe a outra face da moeda. Se é certo que a generalidade, e com generalidade quero dizer maioria, da população respeita o Rei, com um temor reverencial imposto pela força das armas do exército de Sua Majestade, ó medos escondidos e enraizados, existe uma parte da população que, exactamente por colocar em causa a legitimidade do cargo, não o respeita de forma alguma. E é perfeitamente compreensível. Porque é que eu, Tiago, hei-de prestar vassalagem a alguém apenas porque esse alguém nasceu de um ventre afortunado? Por causa da estabilidade das instituições? Não chega. E tanto não chega que acabam por se criar, nesses Estados perfeitamente estáveis, aparentemente, movimentos radicais e extremistas (como o movimento republicano português do início do século XX), e quando não são movimentos são vontades indivíduais (como sucedeu na Holanda), de colocar termo pela força a uma coisa que não pode ser mudada de qualquer outra forma. Sim, os Reis são plebiscitados, mas isso nada quer dizer. Provavelmente se em vez de plebiscitados apenas, fossem sujeitos a campanha eleitoral, a debate de ideias, perderiam. Nos últimos anos, após a Segunda Guerra Mundial, as monarquias europeias foram relativamente estáveis. Mas não nos esqueçamos que estamos a olhar para um período muito reduzido. Pensemos no que aconteceu no princípio do século às Monarquias Constitucionais ibéricas.

É verdade que da amostra que temos, as Monarquias ficarão a ganhar em alguns aspectos às jovens Repúblicas. Mas não duvido que com um verdadeiro esforço por parte das Repúblicas por fortalecer as instituições, tornando-as independentes dos interesses partidários, os mais desestabilizadores, estas poderão ascender a patamares de estabilidade semelhantes às Monarquias europeias conhecidas.


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