A máfia da blogosfera
09
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 15:58link do post | comentar | ver comentários (47)

A Daniela teve a gentileza de entrar no debate, que eu já sentia falta de um à séria, e respondeu ao meu post.

Antes de mais, deixa-me fazer uma nota prévia: eutanásia não voluntária significa que o doente não manifestou qualquer opinião, eutanásia involuntária significa que o doente manifestou opinião de que não queria ser morto. São duas coisas um pouco distintas.

Vamos ao que interessa: a questão essencial quando falamos em eutanásia não voluntária passiva é precisamente a de sabermos se há ou não uma obrigação moral de um indivíduo A manter um indivíduo B vivo. Claro que qualquer pessoa bondosa fará de tudo para ajudar os outros e para os poder tratar. No entanto, há que distinguir muito bem entre o que é um acto bom e o acto que nem é bom nem é mau. É verdade que ajudar os outros é algo de louvável, ainda assim não se pode cunhar como imoral a não-ajuda. Por exemplo, eu tenho plena noção que há imensa gente a morrer à minha volta, sem que faça propriamente algo de substancial para minorar o problema. É claro que se eu fizesse, estaria a fazer muito bem. Mas não fazer não me faz sentir que estou a fazer mal, que estou a ser mau, imoral. Isto acontece pelo simples facto de não haver essa obrigação moral.

Imaginemos, Daniela, que não havia sistema de saúde público, ou seja, para que alguém fosse tratado tinha de ser levado para uma instituição de saúde privada. Imaginemos também que essa pessoa não tem qualquer tipo de seguro ou contrato com ninguém. Agora imaginemos que um indivíduo A adoecia. Será que é uma obrigação moral do indivíduo B manter, seja através de que meios for, a vida do indivíduo A?

À tua pergunta respondo-te: depende. Se houver uma organização social como a dos dias de hoje, não. Se a pessoa tiver um seguro de saúde, não. Se nenhuma destas situações se verificar, sim.

 


publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 08:41link do post | comentar | ver comentários (32)

Para além da eutanásia como acto voluntário, há ainda a eutanásia não voluntária e involuntária. Neste post irei expor o que penso sobre a eutanásia não voluntária.

Nesta questão vou ter de introduzir dois novos conceitos: eutanásia activa e eutanásia passiva. A primeira consiste em provocar a morte através de um mecanismo próprio para o efeito (por exemplo, injecção letal). A segunda consiste em «deixar morrer», por exemplo, parando-se o tratamento.

 

08
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 09:36link do post | comentar | ver comentários (11)

Tal como na questão do aborto, em relação à qual fui construindo uma posição de princípio com alguma investigação sobre o assunto, gostaria de escrever aqui sobre a Eutanásia. Provavelmente levarei alguns posts a expor o que penso, mas já vai fazendo falta aqui ao pardieiro qualquer coisinha mais compostinha.

Existem vários tipos de eutanásia e até existem derivados. Para facilitar, vou dividir a eutanásia em três tipos: acto voluntário, acto não voluntário e acto involuntário. Neste primeiro post vou começar por aquela que considero eticamente aceitável, independentemente de tudo o resto: a eutanásia voluntária.

Existe nas sociedades actuais um direito fundamental: o direito a viver (penso que a formulação ideal seria «o direito a não ser morto», o que seria menos bonito, mas mais eficaz). No entanto, do direito a viver não se pode inferir que haja uma obrigação de viver. Significa isto que se eu não quero viver mais, seja por que motivo for, não há ninguém que tenha o direito a obrigar-me a manter-me vivo contra a minha vontade - é absurdo.

Ora, chegados aqui, coloca-se-nos o problema fundamental: sim senhor, quero morrer, mas e se não conseguir tratar do assunto sozinho? Sim, porque é este o problema fundamental, que o suicídio ainda não é, nem pode ser, proibido. Fundamentalmente, temos de nos perguntar se é legítimo que peçamos a alguém que nos mate - não gosto do eufemismo de 'ajudar a morrer' - de modo a que a nossa vontade seja satisfeita. Para responder a isto, proponho que se pense num modelo de contrato. Imaginemos que eu quero contratualizar com alguém uma determinada coisa. O contrato só toma lugar se ambos os outorgantes o quiserem assinar. Se os assinarem, passa a ser um problema deles e só deles, pelo que mais ninguém se pode intrometer. Mesmo que o contrato não seja vantajoso para uma das partes, aos olhos dos outros, claro está; não há nada de eticamente condenável: ambos aceitaram as condições. No caso da eutanásia, um doente contratualiza com um médico uma coisa: a sua morte. O médico, se quiser, aceita, se não quiser, não aceita. Caso o médico aceite, não é legítimo que o colectivo se intrometa no contrato que é privado.

Para fazer uma analogia que me parece interessante, imaginemos o caso de eu, na rua, pegar numa senhora e lhe começar a dar palmadas no rabo com muita, muita força. Nesta situação, obviamente, estou a fazer algo de errado: estou a agredir uma senhora, com a agravante de lhe estar a mexer no traseiro. Imaginemos, por oposição, que eu e a minha companheira apreciamos o sado-masoquismo. Numa das nossas sessões dou-lhe precisamente as mesmas palmadas no rabo, porque ela me pede. Neste caso pode afirmar-se que há um procedimento errado da minha parte? Não, porque tudo o que fiz foi de acordo com a vontade da pessoa a quem fiz.

Por, no caso da eutanásia voluntária, se tratar sempre de uma matéria de decisão pessoal do próprio doente e do profissional ou familiar que o ajuda, defendo que é necessário que se permita o procedimento.


01
Jun 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 16:50link do post | comentar | ver comentários (41)

A defesa da eutanásia por quem defende o Estado Social (seja à esquerda, seja à direita) é algo de profundamente paradoxal. Refiro-me aqui à eutanásia que não é por decisão do próprio, mas sim por decisão médica ou familiar.

Vejamos. O sistema social, que parte do pressuposto de que é possível, a partir de contribuições limitadas ter cuidados de saúde ilimitados e universais - o que é impossível - funciona do seguinte modo: eu dou agora para beneficiar depois. Ninguém vai negar isto, espero. E isto funciona para todos: todas as pessoas têm o direito de beneficiar de cuidados ilimitados depois, quando precisarem. É a justiça social, a solidariedade social, tudo com nomes bonitos e românticos para que quem se lhes opõe ser mau, desumano. Enfim, prossigamos. O que se propõe é que haja uma fatia da população que, quando tem um determinado tipo de problema - coma permanente - possa ver-se sem esse direito por decisão de terceiros. A família vem e diz basta e a pessoa, sem possibilidade de defesa, claro, consente com o seu silêncio. Isto quando esta pessoa, com a promessa de um sistema que lhe daria tudo o que ela precisasse, deu uma parte do rendimento, da riqueza que produziu durante a sua vida. É imoral fazer isto. É imoral no quadro actual legalizar-se a eutanásia que não seja por vontade do próprio, dita ou escrita em testamento.

Numa situação normal, a eutanásia seria perfeitamente aceitável. Nem se trataria de matar, tratar-se-ia simplesmente de não sustentar mais aquela pessoa. Não existe obrigação moral de terceiros manterem uma pessoa viva, quando a responsabilidade do estado da pessoa não é sua. Existe, no entanto, obrigação por parte do colectivo de sustentar uma pessoa, quando lho prometeu em troca do seu dinheiro. Haja coerência. Assim não é possível.


arquivo do blogue
2009:

 J F M A M J J A S O N D


2008:

 J F M A M J J A S O N D


pesquisar