Por que cresce a “extrema-direita” na Europa?
A visita da minha prima Hermenegilda
As cataratas de Ana Jorge
86 QUERIDO DIÁRIO - FOLHA SOLTA
Para o Tiago Moreira Ramalho, porque penso que procura verdade dentro de palavras, vida. |
Dizer verdade. Sem artigo que a defina. Olhar nos olhos, dizer verdade, sempre iniciais faça-se!, mais escuros de barro que luminosos de Deus. Ela, luz, apenas a humidade unificadora: terra religada à água. Terra verdade de humildes que somos, ainda que o nosso exacto tamanho, água verdade, seja o que só amando se contempla. Barro. Agarrar com muita força sabendo muito bem da impotência dos braços, da fragilidade da ponta dos dedos, nada de nada entre eles, mesmo assim agarrar como para sobreviver. Na ponta dos dedos morremos todos. Sabendo muito bem que nada: morremos sozinhos tantas vezes por dia. Olhar nos olhos e dizer, ao longo da vida quantas vezes, quantas, sozinhos, a morrer, a provar antes a morte de depois, pequenos ensaios para, que nojo!, morrer bem! A verdade ao espelho seja ele qual for, quem, espelho tu, espelho eu, a rua cheia de eus tus uns para os outros, não vejas, não vejas, sem ser aos gritos, com dignidade, não podes chorar da dignidade de não gritarem, para que, que nojo!, morrer bem quando a morte. Tomar veneno em pequeníssimas gotas: verdade. Na circulação do sangue, verdade, subida aos olhos, a conduzir, por aqui sim por aqui não, verdade carne na polpa dos gestos, até os ouvidos distinguirem de olhos fechados o oco do cheio; a parede oca, do quarto emparedado, da parede cega dos olhos vazados que não podem ver. E ficar sentado na esplanada pequena sobre o passeio sujo do café de bairro sujo, o cesto das compras, revistas poemas bifes queijo fresco alface laranjas de bairro, o cheiro do talho, o do suor sujo e o do suor limpo: suor igual azedo. Parece que não tenho medo de nada porque sei que já morri muitas vezes, que tu, tu e tu, eus de mim outros, do tamanho exacto do amor, também muitas vezes. Seguro-te na mão, parece que. Como seguro, quando seguro, parece que. Porque não guardo o amor para o silêncio, entrego na polpa dos gestos, desaprendo para dizer a verdade: nada me suscita dúvidas, duvido, simplesmente. Porque eu dispo as palavras corpo das palavras roupa. Só por dentro, só quando cheias, digo amo, quero, sou, és. Desaprendo tudo o que for preciso para nos salvar sabendo que morreremos. Assim parece que. Mas tenho medo de morrer aos gritos.
Paulo Portas denunciou hoje aquilo que há anos detectei e sobre o qual muitas vezes tenho falado. Cada vez mais impera em Portugal o mau português, o desconhecimento total das regras de bem escrever e bem falar. Este facto assume contornos especialmente dramáticos quando atinge os próprios professores, aqueles mesmos que formam e ensinam as nossas crianças. De adubo viciado dificilmente nascerão flores viçosas. Parece-me evidente que é preciso apertar as malhas da exigência, em especial no que ao Português diz respeito, urge acabar com a diminuição do grau de dificuldade dos exames nacionais, em prol de melhores estatísticas e subidas nos rankings europeus. Um ensino de excelência é conseguido através do rigor e da competência e não do facilitismo a qualquer prova. Defendo mesmo que o acesso ao Ensino deveria ser condicionado a provas prévias, quiçá mesmo a qualificação específica. Seria bem mais solidário com os nossos Professores se da mesma forma que se preocupam com a sua avaliação, se preocupassem com o declínio do ensino em Portugal.
[o texto foi escrito dia 07/03/09]
Nunca os políticos e os partidos estiveram tão dependentes dos órgãos de comunicação social, em particular das televisões, para fazer chegar as suas mensagens ao eleitorado. A alergia quase generalizada à participação cívica e a nacional aversão à leitura, dos livros infantis aos jornais diários, são alguns dos principais justificativos para essa dependência.
A política passou a fazer-se no palco televisivo e, como numa verdadeira peça de teatro, tudo é encenado até ao pormenor aparentemente mais insignificante. Os actores políticos não escolhem apenas os fatos e as gravatas, mas também o tom de voz, a pose corporal e a expressão facial. A palavra, sempre tão decisiva, perdeu a sua genuinidade autêntica para ser cozinhada até à sílaba mais irrelevante em verdadeiros laboratórios de marketing.
É inegável que, mesmo sem ser pioneiro, José Sócrates tem sido o protagonista mais irrepreensível de uma política-espectáculo em que a discussão das ideias tem sido secundarizada pela exposição das fraquezas dos adversários.
Não escondo a náusea que me causam certas poses de Estado, sabendo-se que não passam de charme meticulosamente treinado para o palco em que tornaram o circo político português. E depois, quando cai a cortina do show, borra-se a pintura com uma naturalidade que assusta e, invariavelmente, o desenlace faz-se também no palco mediático com público e comiserado acto de contrição.
O episódio mais recente sucedeu neste fim de semana. Em pleno congresso socialista, José Sócrates anunciou que vai levar o caso Freeport a votos. O anúncio era desnecessário quando se sabe que o Primeiro Ministro não é arguido nem suspeito, mas questões de estratégia eleitoral parecem justificar que o caso seja convertido em arma de arremesso político. É o último capítulo da história de um sistema judicial que caiu nas ruas (da amargura). A fórmula, que já fora testada por Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro ou Isaltino Morais, favorece invariavelmente as supostas vítimas. Manda o politicamente correcto que os adversários políticos sejam comedidos na sua utilização mediática e mostra a experiência do passado recente que estes casos não têm grande influência nas escolhas dos portugueses.
A teatralização da política e a eleitoralização da justiça aliadas à higienização do debate público e à falta de «cultura de liberdade individual» são condimentos altamente tóxicos para a democracia, criando um clima de suspeição muito favorável ao crescimento de movimentos radicais e marginais que se poderão revelar perigosos para a estabilidade governativa. São também os principais sintomas de uma letargia cujos efeitos poderão ser muito nefastos para o futuro do país. Que, ao menos, a indignação [exemplarmente cantada por Miguel Torga] lhe resista.
E o que não presta é isto,
esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.
Portugal ao longo do processo de descolonização não demonstrou o mínimo respeito pelos povos das suas colónias. Sobre isto, ponto final. As ex-colónias viram-se obrigadas a tomar nas mãos um destino desconhecido, árduo, sangrento, explorador e neo-coloniatista.
Em Angola, ao longo dos anos resvalou-se para a luta armada e para o morticínio durante anos. Liquidaram-se líderes polítcos e implantou-se uma ditadura.
Em Moçambique, idem, idem, aspas, aspas.
Em Timor-Leste entregou-se o território à Indonésia até ao momento em que os exploradores de petróleo e gás natural precisaram de mudar de agulhas. Inventou-se uma independência que tem servido essencialmente para tumultos constantes, degradação no tecido social e atentados às figuras gratas do regime como Xanana Gusmão, Ramos Horta e Mari Alkatiri.
Na Guiné-Bissau, desde que Nino Vieira mandou liquidar Amílcar Cabral, que a paz tem sido de tal forma podre, que o país tem mudado de chefe de Estado tal como na Casa Branca, em Washington, se muda de cão... Esta madrugada, mataram Nino Vieira. Ele sabia que seria morto. Na União Africana sabiam que, mais tarde ou mais cedo, seria liquidado. Na ONU havia o conhecimento de que os seus dias estavam contados. Em Portugal, Cavaco Silva, José Sócrates Luís Amado e Valentim Loureiro sabiam perfeitamente que na Guiné-Bissau reinava a desbunda, através do poder do narcotráfico. Sabiam que a influência portuguesa na vida guineense tinha desaparecido em troca por "dádivas" francesas. Sabiam e sabem que a CPLP é uma mentira redondamente delineada ao sabor de uma diplomacia de croquete.
Por estas razões, é que repudio vivamente as lágrimas de crocodilo que Cavaco Silva e José Sócrates acabam de verter ao lamentarem "profundamente" os acontecimentos registados em Bissau. É tudo tão falso, porque a verdade está apenas em sabermos que os crocodilos não choram... só atacam.
Medo do Insucesso Nacional
Álvaro Santos Pereira, do blogue Desmitos
Sentido de Estado
Os Lisboetas
Pedro Correia, dos blogues Delito de Opinião e Corta-fitas
Os últimos serão os primeiros
Afogueado pela correria, cheguei uns minutos atrasado à celebração da missa dominical. E como eu detesto chegar tarde, sujeito a ficar de pé ao fundo da igreja a abarrotar, e sem tempo para me concentrar comodamente lá à frente bem perto do altar, bem perto de Jesus!
Tomo então um recanto junto às pesadas portas que teimam em abrir e fechar com os outros retardatários. Aí permaneço de espírito inquieto tentando encontrar-me com os cânticos e orações, mas logo me distraio com o sotaque destoante do meu vizinho do lado: de pele escura e cabelo crespo, um homem baixo de cabeça inclinada e mãos postas, reza com fervor. Pela roupa e traços de expressão, adivinho-lhe condição humilde, uma vida dura e solitária.
No outro canto deparo-me com uma adolescente de roupa atrevida e piercing no nariz: ela não esconde o ar contrariado, de quem dormiu pouco e aqui está por obrigação. Na sua natural ambiguidade, na busca de si próprios, os jovens por sua vontade quase sempre se arrumam na extremidade do templo, não entram, não se entregam – penso eu com os meus botões. Depois, quando chega o Aleluia, chama-me à atenção um casal de negros que com voz forte e desinibida dá graças com uma invejável convicção, com uma franqueza que só pertence aos justos. Também estrategicamente colocado perto da porta, acomoda-se um pedinte de unhas sujas e ar miserável. Pergunto-me se é a fé que o move ou apenas se protege do frio cortante lá de fora?
Ao fundo da igreja juntam-se também as mães e os pais com as crianças travessas. Noto um casal que em desespero tenta entreter o seu irrequieto petiz a todo o custo. É pela altura da Consagração, momento de inusitada intensidade espiritual, que o miúdo atinge o auge da impaciência desatando aos guinchos, obrigando o acabrunhado progenitor a uma saída de emergência para o adro. Na sua saída ainda tenho tempo de lhe acenar um cumprimento solidário.
No fim acabo reconciliado com o meu destino, com esta experiência que me arrebatou aos meus cómodos protocolos. O povo de Deus afinal descobre-se mais claramente nas franjas desta Igreja errante e peregrina a que eu pertenço. E desta maneira ganham mais sentido as palavras de Jesus Cristo que tanto nos alerta serem os últimos os primeiros.
João Távora, do blogue Risco Contínuo
O sistema está viciado, infelizmente essa é a realidade.
O beija mão dos padrinhos
Participo em três blogues, mantenho com a dificuldade de um pai divorciado em tempo de crise uma página no Facebook e divido uma conta a descoberto no Twitter com a Blip Fm para as musiquetas que me fazem (tristeza) sentir mais novo. No meio disto, aqui o Tiago convidada-me a fazer uma perninha e escrever-lhe um post. Grátis, ainda por cima. É preciso ter mais lata do que a personagem do Feiticeiro de Oz.
Para que saibam, só aceitei por ser para ele. Sim, porque a vós não os conheço de lado algum e sou conhecido por dar pouca graxa (nenhuma é impossível) e ser o gajo menos indicado para incluir numa cadeia de favores ou outra quejanda.
No entanto, antevejo no Tiago o futuro na sua melhor expressão: alguém com inteligência, juízo crítico, sentido ético e uma idade para onde tudo isso converge, concentrado numa vontade de participação positiva. Quem não gostar do Tiago, partilhe ou não as suas ideias (eu, por exemplo, não sei se partilhe porque ignoro quais sejam) é "parvo" no sentido etimológico latino. Pequeno, pequenino.
Com azar (para Portugal), daqui a dois ou três anos o Tiago está a viver noutro país qualquer. Com sorte (para nós que o lemos) tanto faz que esteja ou não porque isto do digital não tem fronteiras.
É bom poder conhecer alguém assim, que podia ser nosso filho, como um igual a nós agora e, no futuro, um maior. Vai para ele um abraço e, para O Afilhado, a certeza de que aqueles que o lêem serão, sempre, os melhores padrinhos.
João Villalobos (do também meu Corta-fitas)
Pessimismo e optimismo
2008 foi o ano do pessimismo. Até os mais insuspeitos foram contagiados e todos sabemos que quando até os mais esperançosos se viram para o “lado negro” pouco resta a fazer para tentar melhorar as coisas. Perdemos a esperança no Governo, na Educação, no trabalho, nos amigos e sobretudo perdemos a esperança no futuro. Os adultos desiludem os jovens, destroem-lhes os sonhos e tudo porque “as coisas não estão fáceis”, e aparentemente ainda vão ficar piores.
Como normalmente acontece em alturas de crise procuramos líderes, alguém que consiga salvar-nos. Em 2008 o Mundo encontrou realmente alguém que talvez poderá mostrar-nos a luz ao fundo do túnel (nunca gostei desta expressão. A luz ao fundo do túnel leva-me sempre a outras analogias). A grande pergunta de 2009 vai ser se este novo homem é capaz de levar o mundo na direcção correcta. Pelo contrário, neste pequeno jardim à beira-mar vai continuar tudo na mesma. Cá não há nenhum Obama. Nem sequer há uma Hilary. 2008 mostrou-nos isso e é fácil de prever que em 2009 vamos continuar cercados com o mesmo Bush.
Em termos de educação o ano foi um braço de ferro entre o Ministério, a sua actriz principal e os professores. E saímos todos prejudicados. Todos os que interessam, claro: os alunos e os professores. E o pior de tudo (partindo do princípio que ainda não chegámos ao fundo do poço) é que em 2009 isto vai continuar! Ninguém vai ceder, ninguém vai voltar atrás e isto só vai acabar lá para o fim deste novo ano, depois das eleições quando se oferecer à Ministra uma saída honrosa. Por falar em eleições, em 2009 vai haver três: As legislativas, as autárquicas e as eleições europeias. Estas últimas não interessam muito e as duas primeiras não vão trazer novidades. Aparentemente só o ano é novo. E como tal não me parece que a mudança vá chegar ao nosso país.
No fim deste texto chego à conclusão que até eu estou pessimista. Isto de estar pessimista não é agradável. Nem sequer tem grande utilidade. É Sábado e passei a tarde a ver o último filme do “Senhor dos Anéis”. Devia estar a sentir-me feliz. Afinal de contas pode ser que o Destino do nosso Mundo seja como o Destino da Terra Média de Tolkien: Depois da Sombra, depois da escuridão, vem sempre a luz, a esperança num mundo melhor e a Viagem Final para o lugar da felicidade. Prefiro acreditar que assim seja. Afinal, não vale de nada ser pessimista.
Daniela Major (do blogue Câmara dos Lordes)
*Este é o segundo texto convidado desde que o blogue começou, pois já houve outro em Junho, mas nesta nova rubrica, é o primeiro.