A máfia da blogosfera
10
Jun 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 20:00link do post | comentar

 

 

 

É o nosso aniversário.
 
Tocámo-nos com um sorriso e renascemos num certo dia. E isso foi tudo. Início. Depois veio o meio e um antecipado fim. Deixámos de tocar como um piano abandonado. No pensamento continuamos muito perto. Lado a lado, com os lábios cerrados, à espera de um dia voltar a poder dizer: Pele. No entretanto, oiço-te e sinto-te. Como a fantasia do som de um piano. Deita-te. Deixa a música apagar a vela.

 

 

{Maria Inês de Almeida}

 


publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 18:00link do post | comentar

  

Por que cresce a “extrema-direita” na Europa?

 

Antes de mais, quero agradecer ao Tiago Moreira Ramalho o simpático convite para publicar um texto n' O Afilhado no âmbito do aniversário do blogue.
Tendo em conta os resultados das recentes eleições europeias e os inúmeros disparates que se ouvem sobre a "extrema-direita" (um conceito que é usado imprecisamente para englobar realidades tão distintas como o British National Party no Reino Unido, o Partij voor de Vrijheid na Holanda ou o Vlaams Belang na Flandres), ocorreu-me que esta seria uma boa oportunidade para recordar um texto sobre o caso inglês que escrevi em 2006 para o número 19 da revista Atlântico. Creio que será a primeira vez que o texto aparece integralmente na blogosfera (já que nunca o publiquei n' O Insurgente) e, modéstia à parte, apesar de ter quase três anos, parece-me que resistiu bastante bem à passagem do tempo e que muito do que lá escrevi se mantém pertinente. Aqui fica pois o texto:
 
Na última Atlântico, Rui Ramos, em artigo centrado na realidade portuguesa, referiu-se aos segmentos que gostam de invocar para si o título de “direita dura” como constituindo, na realidade, uma direita esquerdizada. Salientou também que são segmentos cuja actuação interessa à esquerda, precisamente por corresponder de forma quase perfeita à representação caricatural que esta gosta de fazer da direita. É, sem dúvida, uma tese interessante, mas valerá a pena salientar também que, na conjuntura actual da Europa, cabe à direita liberal mostrar ser capaz de enfrentar os problemas estruturais (e, não menos importante, os desafios civilizacionais) com que o continente se confronta. Se isso não acontecer, não será de espantar que a proclamada “direita dura” volte a emergir como uma força relevante na arena política europeia.
 
Um exemplo desta dinâmica provém do Reino Unido onde, nos últimos anos, o Partido Nacional Britânico (BNP) cresceu de forma significativa. A ponto de os resultados nas recentes eleições locais (em que o BNP conseguiu fazer eleger mais de 30 vereadores) e nas eleições europeias de 2004 (em que o BNP obteve uns expressivos 4,9% dos votos) terem feito soar os alarmes. A verdade é que, em termos de eleições legislativas, o número de votos no BNP tem vindo continuamente a crescer desde os valores mínimos de 1987 (curiosamente coincidentes com o governo de Margaret Thatcher). Mais: não fosse o sistema “First Past the Post” em vigor no Reino Unido (segundo o qual, recorde-se, em cada círculo uninominal é eleito logo à primeira volta o candidato mais votado, mesmo que não tenha uma maioria absoluta) e o BNP já teria provavelmente representação em Westminster.
 
Um segundo bom exemplo, embora de natureza bastante diferente, é o caso do United Kingdom Independence Party (UKIP). Fundado em 1993, na London School of Economics, por Alan Sked e um conjunto de personalidades (na sua maioria conservadores desiludidos com a deriva europeísta dos Tories e a incapacidade do partido para se opor ao aumento do poder de Bruxelas) o UKIP advoga de forma inequívoca a saída do Reino Unido da União Europeia. Em 2004, nas eleições europeias, teve um resultado ainda mais expressivo do que os 4,9% do BNP: conquistou 12 lugares no Parlamento Europeu, obtendo cerca de 16% dos votos.
 
Acresce que, tanto o UKIP como o BNP, conseguiram esses relativos sucessos eleitorais apesar de serem partidos com graves problemas internos, inconsistências programáticas e limitações a vários níveis. No caso do BNP – a mais recente encarnação de uma linha de organizações de direita nacionalista que nunca foram particularmente bem sucedidas no Reino Unido – é notória a falta de quadros, para além de o partido enfrentar sérios problemas financeiros e com a justiça britânica, além de um forte bloqueio mediático.
Já o bom desempenho, no início dos anos 1930, do New Party – liderado pelo carismático (e ex-trabalhista convertido ao fascismo) Oswald Mosley – acabou por ser de curta duração; o mesmo aconteceu com as várias organizações e movimentos nacionalistas que nasceram ao longo das décadas seguintes, que também nunca atingiram uma expressão significativa de forma sustentada.
Por outro lado, o UKIP, para além de ser percepcionado como um partido de objectivo único, tem também uma longa série de conflitos internos na sua breve história. Aliás, logo em 1997, o fundador Alan Sked abandonou o partido, tendo desde então vindo a acusar o UKIP de albergar elementos extremistas. Sem esquecer que os euro-deputados do UKIP são frequentemente alvo de acusações de incompetência grosseira pela sua actuação em Estrasburgo.
 
Assim sendo, como explicar os progressos recentes de partidos como o BNP e o UKIP?

 

Uma boa parte da resposta deverá passar pelo facto de no Reino Unido (como em outros países da Europa ocidental) a auto-proclamada “direita dura”, apesar de todas as suas limitações, estar a conseguir capitalizar de forma crescente a insatisfação de importantes segmentos da população com a ausência de reais alternativas às políticas da esquerda em várias áreas cruciais. Um vazio de alternativas que é notório em matérias como o alinhamento pleno das principais forças europeias de centro-direita com a transferência de cada vez mais poder para Bruxelas, a inexistência de uma agenda económica verdadeiramente liberalizante e reformista, o laxismo face à criminalidade e desordem pública, a subserviência às desastrosas utopias do multiculturalismo e a incapacidade de combater seriamente os fluxos de imigração ilegal.
A evolução recente no Reino Unido ilustra bem que não basta apontar as limitações e incoerências da direita anti-liberal para lhe retirar o campo de manobra e estancar as suas perspectivas de crescimento. Cabe à direita liberal apresentar propostas mobilizadoras, consistentes e verdadeiramente alternativas à agenda da esquerda demonstrando assim que as acusações de “moleza” são desprovidas de fundamento.

 

 

{André Azevedo Alves}

 


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A visita da minha prima Hermenegilda

 
No Domingo à noite, já os jovens social-democratas pulavam à corda na sede do PSD, tive uma surpresa: a minha prima Hermenegilda, sem aviso prévio, bateu-me à porta, o que não acontecia há quase uma dezena de anos. Telefona-me com frequência, deliberadamente quando estou a assistir a um jogo de futebol; almoçamos meia dúzia de vezes por ano, se tanto, invariavelmente no Bairro Alto, mas bater-me à porta «espontaneamente» estava fora de questão. Entrou com o à vontade de quem conhece os cantos à casa, exibindo as mamas pródigas que lhe saltavam do vestido decotado e o último marido, figura esguia, com uma farta cabeleira a esbranquiçar, uns óculos de aros redondos, e um ar distante ou apalermado, não entendi bem. «Ia a caminho do Café de S. Bento, vi luz e decidi ver se estavas em casa. Há muito tempo que não almoçamos» – Disse-me, com ar sonso. Apeteceu-me dizer-lhe que estava mais gorda, para me ressarcir da intrusão, mas contive-me. Sem cerimónias sentou e, enquanto esboçava um sorrisinho hipócrita para o marido, disparou: «Que grande derrota do teu partido. Ainda és apoiante do Sócrates?». Adivinhei os sarilhos em que a conversa podia descambar, e suavizei-a a resposta: «A democracia é isto, querida prima.» - Respondi. Ela, com o azedume que lhe brota das frustrações, e com trejeitos a imitar Manuela Moura Guedes, interrogou-me: «Democracia? Qual democracia? Explica-me a diferença entre a democracia socratista e a democracia de Pinochet?» E olhou para o marido, sentado a seu lado, coçando a barba rala, como a pedir-lhe aprovação. Ele (nem sequer fixei o nome) balbuciou: «É verdade, mas o exemplo corre o risco de branquear a ditadura do Pinochet». Olhei, condescendente, aquele «par de jarras» sentados no sofá à minha frente, enquanto a vida da Hermenegilda me passou pela cabeça, como um filme. Recordo-me bem quando, em Abril de 1973, procurava uma casa insuspeita para esconder um amigo, procurado pela PIDE, por meia dúzia de dias, os suficientes para sair do país em segurança, e tive a infeliz ideia de me lembrar da Hermenegilda. «Andas metido com os comunistas e queres estragar a minha vida, mas eu não permito» – Disse-me roborizada. E, agora, está aqui a fazer comparações disparatadas, como se eu não a conhecesse. Afastei os meus pensamentos porque Hermenegilda não apreciou o meu silêncio, e continuou a falar: «A esquerda já tem mais de 20% dos votos. E vai continuar a crescer. Se o Manuel Alegre se decidisse partir o teu partido este país podia dizer adeus ao capitalismo». Com ar apaziguador, ainda lhe disse: «Hermenegilda estas eleições contam pouco, esperemos pelas legislativas». Ela, levantou-se, acomodou as mamas para dentro do decote, e ripostou: «Pareces esse tal Vitalino Canas a falar. Vou-me embora. Vim cá para te avisar que o capitalismo está no estertor final». O marido levantou-se, e de mão dada, desampararam-me a casa. Não suporto a minha prima Hermenegilda, uma típica pequeno-burguesa radical que passou os cinquenta anos sem nunca ter trabalhado. Mas é a única prima que tenho.
 
 
 

publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 14:00link do post | comentar | ver comentários (1)

  

O DIA DELE
 
Passa um ano de Tiago Moreira Ramalho, a solo, na blogosfera. Quando me sopraram quem era o Tiago, fiquei surpreendido. Deve ser atípico da sua geração o que, como ele terá tempo para verificar, só lhe trará dissabores. Dito isto, e sem qualquer pretensão «amiguista» que não cultivo em lado algum, apraz-me registar a coincidência de datas. É que hoje comemora-se o «dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas». Desta vez é em Santarém. Oficia António Barreto que substituiu o recém desaparecido Bénard da Costa nas funções de «mestre de cerimónias». O regime do Doutor Salazar aproveitava o dia para, na Praça do Império, condecorar os órfãos e as viúvas dos "heróis" ultramarinos e meia dúzia de sobreviventes estropiados. A democracia continuou neste registo - se bem que de uma outra forma, já sem órfãos, viúvas mas com uma nova “categoria” socio-política, os deficientes das forças armadas -, isto é, com o mesmo patético propósito de celebrar essa mítica entidade denominada Portugal. Aquilo que, em Salazar, consistia no reforço do regime no seu "núcleo duro" ideológico - a defesa do "Ultramar" -, transformou-se, com o regime instaurado pelo 25 de Abril, na mais confrangedora banalização da "distinção" através de veneras e de condecorações atribuídas a torto e a direito. Praticamente já não sobra ninguém para condecorar. A elite oficial satisfaz-se onanisticamente nestas comemorações anuais que nada dizem ao país "real" e em que, geralmente, as "comunidades" e Camões ficam discretamente de fora. O que é que existe, na sociedade e no regime portugueses, digno de ser comemorado ou celebrado? Fora o sol, o mar, alguns petiscos, umas vagas linhas de alguns "escritores" e "ensaístas", a beleza de alguns corpos e rostos, resta pouca coisa. A paisagem física foi praticamente devastada pela estupidez e pela concupiscência. E o "retrato" humano e social é de uma endémica e irrevogável pobreza franciscana onde pontificou, desde sempre, a barbárie da ignorância. Em suma, o "dia de Portugal" serve apenas para celebrar o enorme embuste que é a nossa verdadeira realidade. Uma realidade que se traduz na mesma "austera, apagada e vil tristeza" cantada no século XVI por Camões, afinal o maior esquecido no dia que é dele.
 
 
 

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As cataratas de Ana Jorge

 

Perante a hipótese recente de cidadãos nacionais que estejam em lista de espera para procedimentos médicos serem tratados no estrangeiro, no âmbito de uma proposta da Comissão Europeia nesse sentido, a senhora Ministra da Saúde entendeu agora apresentar um entrave bastante original, no mínimo. Diz Ana Jorge que só estará de acordo com esta solução alternativa «se essas propostas garantirem que todos os cidadãos possam beneficiar delas». Perceberam? A Ministra explica melhor, enfim, tenta: "Todos podem ter acesso do ponto de vista teórico, mas no fundo, na prática, quem tem acesso é quem tem maior capacidade de acesso à informação e maior capacidade financeira para poder vir e depois ser reembolsado", disse Ana Jorge no final de uma reunião dos ministros da Saúde da UE no Luxemburgo. E por isso o assunto ficou assim mais uma vez adiado ‘por alguns meses’ sem que ninguém tenha a mais pequena ideia de quantos anos serão. Eu cá fiquei a pensar no assunto e lembrei-me de uma reportagem recente de Carlos Enes, na TVI, que acompanhou um grupo de centena e meia de portugueses a Cuba para tratamentos oftalmológicos pelos quais esperaram anos e anos a fio em Portugal sem que houvesse sequer uma hipótese de aqui os realizar (alegadamente por falta de médicos da especialidade no hospital distrital da sua zona de residência, na prática por falta de vontade política do governo para resolver o problema). Muitos destes portugueses estavam cegos há vários anos, quando em muitos casos uma simples observação teria detectado o seu mal e um simples procedimento técnico impedido a sua cegueira, dando-lhes uma qualidade de vida que nunca conseguiram merecer no país onde nasceram e pagam impostos. Depois foram a Cuba, por iniciativa de um autarca empreendedor e de lá vieram curados, renascidos para a vida. Muitos deles já não conheciam o rosto dos seus familiares mais directos, que tinham deixado de ver há anos. E neste momento são já mais de trezentos os cidadãos de Vila Real de Santo António que foram tratar-se a Cuba sem gastar um tostão. Lá trataram os olhos e, por iniciativa dos médicos locais, lá aproveitaram para tratar o resto que os afligia, doenças de ossos, de pele e outras, e de lá vieram como novos, menos velhos sobretudo. E continuam a ir, às dezenas de cada vez, com uma lista de inscrições que parece nunca mais acabar. E a voltarem curados, tratados com dignidade. Pois quando agora eu ouço a senhora Ministra da Saúde falar em adiar por alguns meses esta hipótese de solução europeia para os doentes nacionais (sendo que estamos a poucas semanas de eleições legislativas, por um lado, e que algumas das pessoas que poderiam beneficiar deste protocolo provavelmente não sobreviverão à espera, por outro) eu cá fico na dúvida atroz, juro. Não sei se é maldade, estupidez ou mera incompetência o que faz Ana Jorge falar assim. Mas sei que alguém devia mandar esta senhora a Cuba para tratar a asneira que lhe sai em cataratas, isso sim.
 
 

 


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86 QUERIDO DIÁRIO - FOLHA SOLTA

 

Para o Tiago Moreira Ramalho, porque penso que procura verdade dentro de palavras, vida.

 

Dizer verdade. Sem artigo que a defina. Olhar nos olhos, dizer  verdade, sempre iniciais faça-se!, mais escuros de barro que luminosos de Deus. Ela, luz, apenas a humidade unificadora: terra religada à água. Terra verdade de humildes que somos, ainda que o nosso exacto tamanho, água verdade, seja o que só amando se contempla. Barro. Agarrar com muita força sabendo muito bem da impotência dos braços, da fragilidade da ponta dos dedos, nada de nada entre eles, mesmo assim agarrar como para sobreviver. Na ponta dos dedos morremos todos. Sabendo muito bem que nada: morremos sozinhos tantas vezes por dia. Olhar nos olhos e dizer, ao longo da vida quantas vezes, quantas, sozinhos, a morrer, a provar antes a morte de depois, pequenos ensaios para, que nojo!, morrer bem! A verdade ao espelho seja ele qual for, quem, espelho tu, espelho eu, a rua cheia de eus tus uns para os outros, não vejas, não vejas, sem ser aos gritos, com dignidade, não podes chorar da dignidade de não gritarem, para que, que nojo!, morrer bem quando a morte. Tomar veneno em pequeníssimas gotas: verdade. Na circulação do sangue, verdade, subida aos olhos, a conduzir, por aqui sim por aqui não, verdade carne na polpa dos gestos, até os ouvidos distinguirem de olhos fechados o oco do cheio; a parede oca, do quarto emparedado, da parede cega dos olhos vazados que não podem ver. E ficar sentado na esplanada pequena sobre o passeio sujo do café de bairro sujo, o cesto das compras, revistas poemas bifes queijo fresco alface laranjas de bairro, o cheiro do talho, o do suor sujo e o do suor limpo: suor igual azedo. Parece que não tenho medo de nada porque sei que já morri muitas vezes, que tu, tu e tu, eus de mim outros, do tamanho exacto do amor, também muitas vezes. Seguro-te na mão, parece que. Como seguro, quando seguro, parece que. Porque não guardo o amor para o silêncio, entrego na polpa dos gestos, desaprendo para dizer a verdade: nada me suscita dúvidas, duvido, simplesmente. Porque eu dispo as palavras corpo das palavras roupa. Só por dentro, só quando cheias, digo amo, quero, sou, és. Desaprendo tudo o que for preciso para nos salvar sabendo que morreremos. Assim parece que. Mas tenho medo de morrer aos gritos.

 

 

{Eugénia de Vasconcellos}

 


08
Mar 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 13:48link do post | comentar | ver comentários (1)

 

Paulo Portas denunciou hoje aquilo que há anos detectei e sobre o qual muitas vezes tenho falado. Cada vez mais impera em Portugal o mau português, o desconhecimento total das regras de bem escrever e bem falar. Este facto assume contornos especialmente dramáticos quando atinge os próprios professores, aqueles mesmos que formam e ensinam as nossas crianças. De adubo viciado dificilmente nascerão flores viçosas. Parece-me evidente que é preciso apertar as malhas da exigência, em especial no que ao Português diz respeito, urge acabar com a diminuição do grau de dificuldade dos exames nacionais, em prol de melhores estatísticas e subidas nos rankings europeus. Um ensino de excelência é conseguido através do rigor e da competência e não do facilitismo a qualquer prova. Defendo mesmo que o acesso ao Ensino deveria ser condicionado a provas prévias, quiçá mesmo a qualificação específica. Seria bem mais solidário com os nossos Professores se da mesma forma que se preocupam com a sua avaliação, se preocupassem com o declínio do ensino em Portugal.

 

 

{André Couto}

 

[o texto foi escrito dia 07/03/09]


03
Mar 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 18:20link do post | comentar

Nunca os políticos e os partidos estiveram tão dependentes dos órgãos de comunicação social, em particular das televisões, para fazer chegar as suas mensagens ao eleitorado. A alergia quase generalizada à participação cívica e a nacional aversão à leitura, dos livros infantis aos jornais diários, são alguns dos principais justificativos para essa dependência.
A política passou a fazer-se no palco televisivo e, como numa verdadeira peça de teatro, tudo é encenado até ao pormenor aparentemente mais insignificante. Os actores políticos não escolhem apenas os fatos e as gravatas, mas também o tom de voz, a pose corporal e a expressão facial. A palavra, sempre tão decisiva, perdeu a sua genuinidade autêntica para ser cozinhada até à sílaba mais irrelevante em verdadeiros laboratórios de marketing.
É inegável que, mesmo sem ser pioneiro, José Sócrates tem sido o protagonista mais irrepreensível de uma política-espectáculo em que a discussão das ideias tem sido secundarizada pela exposição das fraquezas dos adversários.
Não escondo a náusea que me causam certas poses de Estado, sabendo-se que não passam de charme meticulosamente treinado para o palco em que tornaram o circo político português. E depois, quando cai a cortina do show, borra-se a pintura com uma naturalidade que assusta e, invariavelmente, o desenlace faz-se também no palco mediático com público e comiserado acto de contrição.
O episódio mais recente sucedeu neste fim de semana. Em pleno congresso socialista, José Sócrates anunciou que vai levar o caso Freeport a votos. O anúncio era desnecessário quando se sabe que o Primeiro Ministro não é arguido nem suspeito, mas questões de estratégia eleitoral parecem justificar que o caso seja convertido em arma de arremesso político. É o último capítulo da história de um sistema judicial que caiu nas ruas (da amargura). A fórmula, que já fora testada por Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro ou Isaltino Morais, favorece invariavelmente as supostas vítimas. Manda o politicamente correcto que os adversários políticos sejam comedidos na sua utilização mediática e mostra a experiência do passado recente que estes casos não têm grande influência nas escolhas dos portugueses.
A teatralização da política e a eleitoralização da justiça aliadas à higienização do debate público e à falta de «cultura de liberdade individual» são condimentos altamente tóxicos para a democracia, criando um clima de suspeição muito favorável ao crescimento de movimentos radicais e marginais que se poderão revelar perigosos para a estabilidade governativa. São também os principais sintomas de uma letargia cujos efeitos poderão ser muito nefastos para o futuro do país. Que, ao menos, a indignação [exemplarmente cantada por Miguel Torga] lhe resista.

E o que não presta é isto,
esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.

 

 

{Pedro Morgado}


02
Mar 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 17:12link do post | comentar | ver comentários (2)

Portugal ao longo do processo de descolonização não demonstrou o mínimo respeito pelos povos das suas colónias. Sobre isto, ponto final. As ex-colónias viram-se obrigadas a tomar nas mãos um destino desconhecido, árduo, sangrento, explorador e neo-coloniatista.
Em Angola, ao longo dos anos resvalou-se para a luta armada e para o morticínio durante anos. Liquidaram-se líderes polítcos e implantou-se uma ditadura.
Em Moçambique, idem, idem, aspas, aspas.
Em Timor-Leste entregou-se o território à Indonésia até ao momento em que os exploradores de petróleo e gás natural precisaram de mudar de agulhas. Inventou-se uma independência que tem servido essencialmente para tumultos constantes, degradação no tecido social e atentados às figuras gratas do regime como Xanana Gusmão, Ramos Horta e Mari Alkatiri.
Na Guiné-Bissau, desde que Nino Vieira mandou liquidar Amílcar Cabral, que a paz tem sido de tal forma podre, que o país tem mudado de chefe de Estado tal como na Casa Branca, em Washington, se muda de cão... Esta madrugada, mataram Nino Vieira. Ele sabia que seria morto. Na União Africana sabiam que, mais tarde ou mais cedo, seria liquidado. Na ONU havia o conhecimento de que os seus dias estavam contados. Em Portugal, Cavaco Silva, José Sócrates Luís Amado e Valentim Loureiro sabiam perfeitamente que na Guiné-Bissau reinava a desbunda, através do poder do narcotráfico. Sabiam que a influência portuguesa na vida guineense tinha desaparecido em troca por "dádivas" francesas. Sabiam e sabem que a CPLP é uma mentira redondamente delineada ao sabor de uma diplomacia de croquete.
Por estas razões, é que repudio vivamente as lágrimas de crocodilo que Cavaco Silva e José Sócrates acabam de verter ao lamentarem "profundamente" os acontecimentos registados em Bissau. É tudo tão falso, porque a verdade está apenas em sabermos que os crocodilos não choram... só atacam.
 

 

{João Severino}


24
Fev 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 09:26link do post | comentar

 

Medo do Insucesso Nacional

 

“O Medo do Insucesso Nacional” é um livro que diagnostica as causas (de curto e longo prazo) da crise nacional dos últimos anos e que apresenta soluções concretas para a sua resolução. Ao longo de 12 capítulos, debatem-se temas aparentemente tão díspares como o papel da ditadura salazarista na crise actual, o impacto do império colonial, a evolução da economia portuguesa no último século, bem como as nossas principais insuficiências educativas, organizativas e de competitividade. O livro tenta decifrar os números da Educação, as causas da vagaria da Justiça, os motivos para a nossa tradicional desorganização, e as conclusões dos estudos de impacto económico do TGV. Outras questões analisadas incluem: O que escolher entre a Alta Velocidade e a Alta Competitividade? Por que é que a Justiça é tão sofrível? Estará Portugal condenado ao fracasso? Por que é que o défice orçamental não serve para (quase) nada? Por que é que morrer é bom? O livro analisa ainda alguns dos nossos campeões nacionais e alguns dos nossos melhores empreendedores.
Escrito numa linguagem informal e acessível, o principal objectivo do livro é debater os grandes desafios nacionais de uma forma isenta e informada, sem quaisquer agendas políticas ou interesses escondidos.
 

 

Álvaro Santos Pereira, do blogue Desmitos


15
Fev 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 08:56link do post | comentar | ver comentários (4)

 

Sentido de Estado

 

Antes de mais cumpre-me agradecer o convite do Tiago para aqui deixar umas breves palavras e a sua cordialidade desde que pela blogosfera começámos no início deste ano a trocar algumas impressões. É porque é para isso mesmo que eu acho que essa deve servir, para trocar ideias, para debater pontos de vista.
Desta feita, proponho-me brevemente discorrer sobre o sentido de estado, conceito cuja inversão de palavras deu origem ao título lá do meu cantinho blogosférico principal. Mas mais do que dissertar academicamente, até porque o sentido de estado é daqueles conceitos que estará quase no plano dos conceitos de vontade geral, bem comum ou interesse nacional, ou seja, padece de uma indefinição por definição que permite uma certa flexibilidade na invocação e utilização de tais conceitos, quero apenas concisamente aplicar à prática política quotidiana portuguesa o seu significado.
No caso do conceito de sentido de estado, parece-me que existem diversas posturas de estadista que qualquer um facilmente consegue reconhecer rapidamente, ao passo que me parece ser ainda mais fácil identificar precisamente aquelas posturas de determinadas personalidades que, pelo menos em determinados momentos, desse não se revestem. E digo isto a pensar precisamente em determinada personalidade que representa em bruto as piores características do povo português.
Se até há bem pouco tempo pensava que seria arriscado mudar de governo em 2009, num contexto da crise internacional da actualidade, parece-me que a nação necessita urgentemente de uma qualquer mudança de ares que a faça recuperar alguma moral necessária para enfrentar as dificuldades deste ano que ainda agora começou. E como em democracia as mudanças fazem-se recorrendo a eleições, convinha de facto escolher alguém que possa ter sentido de estado. Haverá por aí alguém?
 
Samuel de Paiva Pires, do blogue Estado Sentido

10
Fev 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 22:45link do post | comentar | ver comentários (2)

 

Os Lisboetas

 

Os lisboetas não conhecem a sua cidade. Os lisboetas falam do que não sabem quando se referem a Lisboa. Muitos lisboetas nunca foram à grande maioria dos bairros de Lisboa. Muitos lisboetas nunca subiram ao castelo de São Jorge, ao miradouro da Senhora do Monte, ao Alto de Santo Amaro, a São Pedro de Alcântara, Santa Catarina, ao Largo das Necessidades ou à Tapada da Ajuda. Muitos lisboetas nunca entraram no antigo convento da Madre de Deus, na Igreja de São Roque. Muitos lisboetas não puseram sequer um pé na Torre de Belém ou contemplaram a beleza incomparável dos claustros dos Jerónimos. Dizem mal de Lisboa. Sem a conhecerem. Vão sempre aos mesmos sítios, ver as mesmas casas. Jamais lhes passou pela cabeça fazerem de turistas na sua própria cidade, deambulando por ruas e pátios de máquina fotográfica na mão, espreitando o Tejo ao virar de cada esquina. Os lisboetas detestam andar a pé. Acham que isso é próprio de classes inferiores e que é até capaz de fazer mal à saúde. Padecem da ‘síndrome de viúva de militar’, como já alguém lhe chamou. Metem-se em casa. Refugiam-se atrás de persianas, cortinas, reposteiros, marquises. Tudo quanto lhes vede o acesso à rua, à cidade, ao mundo. E só conhecem Lisboa de a ver na televisão.

 

 

Pedro Correia, dos blogues Delito de Opinião e Corta-fitas


08
Fev 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 22:50link do post | comentar | ver comentários (1)

 

 

Os últimos serão os primeiros
 

Afogueado pela correria, cheguei uns minutos atrasado à celebração da missa dominical. E como eu detesto chegar tarde, sujeito a ficar de pé ao fundo da igreja a abarrotar, e sem tempo para me concentrar comodamente lá à frente bem perto do altar, bem perto de Jesus!

Tomo então um recanto junto às pesadas portas que teimam em abrir e fechar com os outros retardatários. Aí permaneço de espírito inquieto tentando encontrar-me com os cânticos e orações, mas logo me distraio com o sotaque destoante do meu vizinho do lado: de pele escura e cabelo crespo, um homem baixo de cabeça inclinada e mãos postas, reza com fervor. Pela roupa e traços de expressão, adivinho-lhe condição humilde, uma vida dura e solitária.

No outro canto deparo-me com uma adolescente de roupa atrevida e piercing no nariz: ela não esconde o ar contrariado, de quem dormiu pouco e aqui está por obrigação. Na sua natural ambiguidade, na busca de si próprios, os jovens por sua vontade quase sempre se arrumam na extremidade do templo, não entram, não se entregam – penso eu com os meus botões. Depois, quando chega o Aleluia, chama-me à atenção um casal de negros que com voz forte e desinibida dá graças com uma invejável convicção, com uma franqueza que só pertence aos justos. Também estrategicamente colocado perto da porta, acomoda-se um pedinte de unhas sujas e ar miserável. Pergunto-me se é a fé que o move ou apenas se protege do frio cortante lá de fora?

Ao fundo da igreja juntam-se também as mães e os pais com as crianças travessas. Noto um casal que em desespero tenta entreter o seu irrequieto petiz a todo o custo. É pela altura da Consagração, momento de inusitada intensidade espiritual, que o miúdo atinge o auge da impaciência desatando aos guinchos, obrigando o acabrunhado progenitor a uma saída de emergência para o adro. Na sua saída ainda tenho tempo de lhe acenar um cumprimento solidário.

No fim acabo reconciliado com o meu destino, com esta experiência que me arrebatou aos meus cómodos protocolos. O povo de Deus afinal descobre-se mais claramente nas franjas desta Igreja errante e peregrina a que eu pertenço. E desta maneira ganham mais sentido as palavras de Jesus Cristo que tanto nos alerta serem os últimos os primeiros.

 

João Távora, do blogue Risco Contínuo


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Dependentes do sistema

 

O sistema está viciado, infelizmente essa é a realidade.

Agora todos assumem que estamos em crise, mas cada um apresenta diferentes perspectivas da situação.
A crise carrega consigo a insolvência de empresas e desemprego. Todos os dias fecham empresas e enchem-se de nuvens negras o futuro de muitos.
Evidentemente, descem a terreiro os especialistas e afins, cada um apresentado diferente soluções.
O regime resolveu avançar pelo investimento público e a oposição contesta.
O problema é que muitas empresas, não falo só de construção civil, vive dependente do que o estado gasta. O sistema tornou-as viciadas nos dinheiros públicos e não lhes dá hipóteses de se desintoxicarem.
Assim, dada actual situação mundial, não serão os privados a investir, esses resguardam-se da chuva.
Não defendo obras megalómanas, onde se perpetua o regime e se passe a conta para as gerações vindouras. Acredito no investimento público, que seja benéfico para o país, que crie postos de trabalho e que ao mesmo tempo dinamize a economia.
Infelizmente o estado é o motor, se ele não investe,  a mensagem aos outros é para fazerem o mesmo.
Eu sinceramente não vejo, dada a situação, espaço para outra coisa, nem muito menos tempo para reformular ou construir o que temos.
 
Daniel Santos, do blogue Em 2711

06
Fev 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 21:14link do post | comentar | ver comentários (4)

 

O beija mão dos padrinhos

 

Participo em três blogues, mantenho com a dificuldade de um pai divorciado em tempo de crise uma página no Facebook e divido uma conta a descoberto no Twitter com a Blip Fm para as musiquetas que me fazem (tristeza) sentir mais novo. No meio disto, aqui o Tiago convidada-me a fazer uma perninha e escrever-lhe um post. Grátis, ainda por cima. É preciso ter mais lata do que a personagem do Feiticeiro de Oz.
Para que saibam, só aceitei por ser para ele. Sim, porque a vós não os conheço de lado algum e sou conhecido por dar pouca graxa (nenhuma é impossível)  e ser o gajo menos indicado para incluir numa cadeia de favores ou outra quejanda.
No entanto, antevejo no Tiago o futuro na sua melhor expressão: alguém com inteligência, juízo crítico, sentido ético e uma idade para onde tudo isso converge, concentrado numa vontade de participação positiva. Quem não gostar do Tiago, partilhe ou não as suas ideias (eu, por exemplo, não sei se partilhe porque ignoro quais sejam) é "parvo" no sentido etimológico latino. Pequeno, pequenino.
Com azar (para Portugal), daqui a dois ou três anos o Tiago está a viver noutro país qualquer. Com sorte (para nós que o lemos) tanto faz que esteja ou não porque isto do digital não tem fronteiras.
É bom poder conhecer alguém assim, que podia ser nosso filho, como um igual a nós agora e, no futuro, um maior. Vai para ele um abraço e, para O Afilhado, a certeza de que aqueles que o lêem serão, sempre, os melhores padrinhos.
 

João Villalobos (do também meu Corta-fitas)


26
Jan 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 22:15link do post | comentar | ver comentários (2)

 

Pessimismo e optimismo

 

2008 foi o ano do pessimismo. Até os mais insuspeitos foram contagiados e todos sabemos que quando até os mais esperançosos se viram para o “lado negro” pouco resta a fazer para tentar melhorar as coisas. Perdemos a esperança no Governo, na Educação, no trabalho, nos amigos e sobretudo perdemos a esperança no futuro. Os adultos desiludem os jovens, destroem-lhes os sonhos e tudo porque “as coisas não estão fáceis”, e aparentemente ainda vão ficar piores.

Como normalmente acontece em alturas de crise procuramos líderes, alguém que consiga salvar-nos. Em 2008 o Mundo encontrou realmente alguém que talvez poderá mostrar-nos a luz ao fundo do túnel (nunca gostei desta expressão. A luz ao fundo do túnel leva-me sempre a outras analogias). A grande pergunta de 2009 vai ser se este novo homem é capaz de levar o mundo na direcção correcta. Pelo contrário, neste pequeno jardim à beira-mar vai continuar tudo na mesma. Cá não há nenhum Obama. Nem sequer há uma Hilary. 2008 mostrou-nos isso e é fácil de prever que em 2009 vamos continuar cercados com o mesmo Bush.

Em termos de educação o ano foi um braço de ferro entre o Ministério, a sua actriz principal e os professores. E saímos todos prejudicados. Todos os que interessam, claro: os alunos e os professores. E o pior de tudo (partindo do princípio que ainda não chegámos ao fundo do poço) é que em 2009 isto vai continuar! Ninguém vai ceder, ninguém vai voltar atrás e isto só vai acabar lá para o fim deste novo ano, depois das eleições quando se oferecer à Ministra uma saída honrosa. Por falar em eleições, em 2009 vai haver três: As legislativas, as autárquicas e as eleições europeias. Estas últimas não interessam muito e as duas primeiras não vão trazer novidades. Aparentemente só o ano é novo. E como tal não me parece que a mudança vá chegar ao nosso país.

No fim deste texto chego à conclusão que até eu estou pessimista. Isto de estar pessimista não é agradável. Nem sequer tem grande utilidade. É Sábado e passei a tarde a ver o último filme do “Senhor dos Anéis”. Devia estar a sentir-me feliz. Afinal de contas pode ser que o Destino do nosso Mundo seja como o Destino da Terra Média de Tolkien: Depois da Sombra, depois da escuridão, vem sempre a luz, a esperança num mundo melhor e a Viagem Final para o lugar da felicidade. Prefiro acreditar que assim seja. Afinal, não vale de nada ser pessimista.

 

Daniela Major (do blogue Câmara dos Lordes)

 

*Este é o segundo texto convidado desde que o blogue começou, pois já houve outro em Junho, mas nesta nova rubrica, é o primeiro.


23
Jun 08
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 10:39link do post | comentar


 

O Símbolo no Jovem Nietzsche[1]
 
 
 

«[...] Habita a Razão na identidade bem composta
ou na desleixada contradição? [...] »
In, A Sombra dos Momentos Felizes.[2]
 
 

1. A filosofia aborda a função simbólica da arte integrada na sua tarefa interpretativa (hermenêutica), num dos períodos do pensamento mais marcados pelo simbolismo e misticismo, referimo-nos ao romantismo alemão, como movimento civilizacional que formou as condições para o aparecimento da teoria nietzschiana.
Centramo-nos no conceito de símbolo tal como o jovem Nietzsche o tratou entre os anos de 1870 a 1873. Onde a transposição é apresentada como a categoria fundamental: “O símbolo é a transposição duma coisa para uma esfera completamente diferente[3] indicando o transporte e a mudança de uma imagem e de um significado para outro âmbito. Sendo apresentado como um elemento essencial da comunicação que relaciona as diferentes grandezas em jogo na arte.
Se bem que, já desde Aristóteles a metáfora seja considerada como a transposição, que permite traduzir os elementos de realidades diferentes. A metáfora identifica ainda a mudança que os latinos classificam como ‘translatio’, o trânsito semântico, isto é, a alteração de significado. Em Nietzsche, o símbolo e a metáfora equivalem-se parcialmente enquanto processos artísticos, que estabelecem relações inventivas na criação da obra de arte.
Estando o símbolo próximo dos fluxos da vida, ele converte a música na categoria mais apropriada para retratar a multiplicidade da existência enquanto mudança e metamorfose. Por isso, o símbolo não é redurtivel à metáfora, pois a música tem um papel essencial na metafísica estética sem se subordinar à dinâmica das imagens.
Nietzsche trata a imaginação como a faculdade que estabelece a unidade entre as diferentes imagens através da invenção de suposições audaciosas. Diz a este respeito em A Visão Dionisiaca do Mundo: “[a fantasia] dá-lhe asas, um poder estranho e ilógico”. Assim estabelece comparações que transpõem os significados para domínios desconhecidos, como acontece com o uso da máscara, a qual em simultâneo revela e esconde a força da vontade, transfigurando e trocando uma identidade por outra.
Portanto, o símbolo a partir da acção transpositiva e transfigurativa une numa expressão os elementos sensíveis e metafísicos. Entende a mutação da vontade que se esconde e se manifesta na dinâmica natural da força e potência da arte, permitindo entender as suas próprias metamorfoses. Enfim, através da relação dialéctica entre a força e o significado (inerentes ao símbolo) podemos compreender as forças da natureza e o modo como estas transitam para a arte.

2. Ao investigar a origem do símbolo na força matricial que o sustenta, Nietzsche detecta que existe um fundo inconsciente. No plano da construção simbólica, o inconsciente está presente como um fundo orgânico ‘sapiencial’, que é necessário tornar consciente. Apesar disso, não existe para ele uma ponte segura para a transposição deste elemento para aquele. Pois o nível inconsciente não se deixa submeter aos princípios formais da lógica, que se apresetam como a panaceia onde se esconde a fragilidade do racionalismo abstracto.
Em contrapartida, Nietzsche considera que os impulsos cegos do organismo são transpostos de modo simbólico, primeiramente para as vivências sentimentais e depois para as actividades culturais; ou seja, o inconsciente é a fonte energética do processo simbólico. Identifica ele nessa potência subterrânea uma torrente que atravessa os sentimentos, que se constituem como referenciais semânticos com a capacidade de produzirem novos símbolos. Isto deve-se ao facto do sentimento traduzir o sentido interno, que percebe e orienta a intenção do instinto. Na perspectiva do nosso filósofo, todo este processo é indirectamente controlado pela vontade.
E, como se sabe, a categoria da vontade no jovem Nietzsche é claramente influenciada pela filosofia de Schopenhauer. Com efeito, ambos os filósofos concebem o ser e o mundo como entidades dinâmicas, pensando que o mundo é uma representação e manifestação da vontade.
Implicitamente, a noção de génio aparece aqui como a entidade “subjectiva” que sente a força da vontade a pensar com ele acerca da produção das novas formas; o que significa que o génio é o culminar dessa orgânica da vontade, procurando indirectamente dominar a ‘Força da Vida’, para a partir desse fundo inconsciente poder criar as formas simbólicas, as formas míticas, as formas poéticas.

3. No desenvolvimento de tal aspecto, o mito e a arte desempenham uma função simbólica acrescida, na medida em que Nietzsche os utiliza, altera e recria como narrativas e ilustrações do seu próprio modo de pensar. Logo, ao entender o que é essencial no pensamento deste filósofo, convertemo-nos em intérpretes dos seus mitos e dos respectivos símbolos artísticos.
No entanto, se já vimos como nascem os símbolos, agora convém observar como é que eles desaparecem. No prosseguimento dos românticos, o jovem Nietzsche critica a ausência das crenças míticas no que se refere à modernidade, revelando a decadência que é provocada pela luminosidade racional, a qual tudo quer explicar e desvendar, banindo o espaço da incerteza, da dúvida e do espanto. O mesmo é dizer que, o ‘Iluminismo’ [‘Aufklärung’] ao projectar uma compreensão das crenças, dos sentimentos e dos símbolos acaba por os destruir.
Na perspectiva de Nietzsche, o desaparecimento dos símbolos míticos leva à uniformização mental e à falência da civilização moderna que “perdeu a pátria mítica”,[4] por se ter desenraizado culturalmente das forças criadoras da vida.
Ao diagnosticar este ambiente de decadência, Nietzsche considera, no entanto, a possibilidade duma regeneração por meio do retorno nostálgico ao mítico, a partir de um diálogo vivo entre a música e a filosofia. Tudo isto porque a música é a área cultural em que os símbolos ainda vivem, constituindo-se assim como o centro regenerador da criação e do pensamento.
Aqui recorre-se à inspiração de Wagner, na medida em que este ousou pensar por meio de acontecimentos visíveis e sensíveis, através de um acentuado envolvimento mítico. Nietzsche considera que em Tristão e Isolda e na trilogia do Anel dos Nibelungos encontramos um género de narrativa dramática que desenvolve as ideias metafísicas sob a forma simbólica. A música constitui desta forma a nova inteligibilidade do pensamento sem negar a sensibilidade, permitindo reflectir sobre a arte a partir dela mesma. Pensa Nietzsche que a música de Wagner é um mote para a reflexão, possibilitando uma compreensão metafísica mais elevada do que qualquer filosofia já conseguiu.
Como corolário disto, Nietzsche considera que a música é o espírito que origina a obra de arte trágica, participando na génese do coro (que é o elemento da união mítica entre a música e a palavra). Deste modo, o mito é o elemento comum que permite estabelecer a mediação entre a tragédia grega e o drama musical wagneriano.
Posto isto, pretende Nietzsche uma fundamentação mais recuada, procurando na Grécia Arcaica as condições ideais da formação dos mitos da tragédia; é neste sentido que, propomos esclarecer sumariamente um dos mitos a que Nietzsche mais recorre. Trata-se com efeito da história de Édipo, que é o símbolo dionisíaco do homem trágico, encontrando-se em luta e sofrimento face à interpretação do seu destino. Essa figura mítica é concebida por Nietzsche de modo ambivalente, considerando que Édipo é uma máscara do sofrimento dionisíaco, mas também é o “símbolo da ciência” por interpretar os mistérios mais profundos da natureza humana.
Notámos que, Édipo escuta vatícinios horríveis acerca de si próprio; no entanto, à medida que se vai descobrindo, também o seu destino irracional é realizado. Este herói interpretou o enigma da Esfinge, e, ao revelar-lhe o segredo desmistificou-a, matando-a com as armas da razão. No fundo, Édipo representa a união do pensamento mítico com a emergência de uma reflexão simbólica e filosófica, por se apresentar como o intérprete e decifrador dos enigmas. Todavia, apenas aquele que está na posse da ‘ciência’ da interpretação dos símbolos pode decifrar o enigma com verdade. Neste caso, a ‘adivinha’ é apresentada pela Esfinge, que é a figura por excelência da razão enigmática.

4. Em analogia com esta concepção, Nietzsche apresenta Apolo como o símbolo da ilusão, do sonho e também da adivinhação. Torna-se deste modo evidente que Apolo se identifica com Édipo, por este herói e aquele deus partilharem uma faculdade oculta. Já na mitologia grega se relatava que Apolo era o deus do oráculo, que detinha os poderes de adivinhar o futuro. Com efeito, ele representava uma modalidade da razão que tinha por finalidade decifrar os mistérios. Ao investigar este aspecto, Giorgio Colli destacou que: “o enigma indica a origem da razão”,[5] a qual é mais misteriosa do que a racionalidade filosófica desejaria, uma vez que vem marcada por um conflito interno quase comparável ao da loucura.
Em contraposição a Apolo, Nietzsche aborda a figura de Dionisos como o símbolo dilecto do seu próprio modo de pensar filosófico e estético. Através de Dionisos o filósofo trágico representa o êxtase da embriaguez, o excesso, a criatividade, o movimento do eterno retorno, a paixão sexual e as forças naturais da vontade. Pretende Nietzsche compreender as forças que estão na origem dos símbolos e das obras de arte, presentando o dionisíaco e o apolíneo como paradigmas da relação dialéctica de luta e de união dos opostos. Procura dar respostas às confrontações entre as entidades polarizadas, tanto no plano natural, como no plano simbólico e metafísico. Deste modo, o conflito retrata a dissonância e o sofrimento tal como é abordado na obra trágica.
Teve Nietzsche a intuição de que na arte existe a comunicabilidade entre os diferentes níveis da realidade, descrevendo-os através da transposição da linguagem não figurativa (dionisíaca) para a linguagem figurativa (apolínea). Esses elementos diversos ora se unem, ora entram em litígio estimulando a produção das novas obras. De facto, o acto criador espelha e perpetua o conflito – Dionisos avança com a força desmedida, que Apolo equilibra através do saber configurador. A tragédia ática é precisamente o resultado dessa conciliação entre essas forças antagónicas. Diz Nietzsche em O Nascimento da Tragédia:

“Assim, a difícil relação entre o apolíneo e o dionisíaco na tragédia poderia realmente ser simbolizada através de uma aliança fraterna entre as duas divindades: Dionisos fala a linguagem de Apolo, mas Apolo, no fim, fala a linguagem de Dionisos: com o que fica alcançada a meta suprema da tragédia e da arte em geral”.[6]

Verifica Nietzsche que existe na tragédia uma forma de criatividade que leva à harmonização das duas figuras simbólicas, de tal modo que, as relações complexas dos princípios apolíneo e dionisíaco podem ser traduzidas numa aliança de recíprocas conversões linguísticas, que identificam a comunicação ontológica e estética. Enfim, este processo ‘dialéctico’ representa a transposição criativa: onde a vontade informe e dionisíaca se manifesta na linguagem da forma teórica apolínea, tornando assim fecundo o casamento entre estes princípios opostos. Nietzsche sublinha que a conciliação instintiva dos contrários se gera nos abismos da razão inconsciente, revelando assim uma cisão ontológica, que no plano biológico é traduzido pela luta e atracção entre os sexos.
Em suma, Nietzsche critica a racionalidade abstracta, mas em contrapartida, defende uma racionalidade que comporta as forças da vontade na sua transformação e contradição. De facto, trata-se de uma razão viva que é percorrida e animada pelos símbolos criadores da natureza, do mito e da arte. O que significa que, o problema do símbolo traduz as diferentes formas da razão orgânica se apresentar e comunicar, pois através do processo transpositivo ela estabelece a unidade no seio da metafísica estética.
Enfim, Nietzsche pretendeu desenvolver um pensamento ao serviço da renovação civilizacional. Considerando que o símbolo morre se não desenvolve a capacidade da constante criação dos seus significados. Daí o filósofo da tragédia ter sido o arauto da renovação que ainda está em curso, criticando na modernidade a desvitalização e a morte dos genuínos significados simbólicos.


[1] Este artigo sintetisa a minha dissertação de mestrado: A Natureza e Função do símbolo na Metafísica Estética do Jovem Nietzsche., apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2000.
[2] Carlos Alfredo do Couto Amaral, A Sombra dos Momentos Felizes, Lisboa, Edições Colibri, 2000, p. 62 [obra poética].
[3] NIETZSCHE, Fragmento Postumo, Vol. 7, frag. 3[20].
[4] NIETZSCHE, Nascimento da Tragédia, Lisboa, Relógio D’Água, 1997, Cap. 23, p. 161.
[5] Giorgio COLLI, Après Nietzsche, Montpellier, Éditions de L’Échat, 1987, p. 36.
[6]NIETZSCHE, Nascimento da Tragédia, Lisboa, Relógio D’Água, 1997, cap. 21, pp. 139-140.

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