A máfia da blogosfera
10
Jun 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 21:00link do post | comentar | ver comentários (9)

 

Foi bonita a festa, pá!

 

Bom, chegou ao fim a festa de anos deste Afilhado. Coitadinho, tem um ano, não o podemos cansar muito e, mesmo assim, foi um dia cheio. Cabe-me agradecer aos seis amáveis bloggers que aceitaram participar na brincadeira. Nomeando-os, porque merecem: obrigado à Eugénia, cujos textos me produzem um turbilhão de emoções e este não foi excepção; obrigado ao Rui, um dos melhores escribas que conheço e amigável desde o primeiro momento; obrigado ao João, que me tem em demasiada boa conta e que tem um livro notável, mas uma caligrafia indecifrável; obrigado ao Tomás, pela generosidade de me oferecer este texto; obrigado ao André, com quem partilho muitas das ideias e que, sem me conhecer, me deu a conhecer a tantos; e, finalmente, obrigado à Maria Inês, um doce de pessoa, por me ter dado este texto que, mais que uma varanda que já fazia falta, é pedacinho de céu, ideal para fechar com chave de ouro o rol de textos convidados.

Obrigado, também, a todos aqueles que ao longo do dia assinalaram este aniversário. O sistema de referências é complicado, pelo que seguramente a lista estará incompleta, mas, de qualquer modo, obrigado ao Jorge Assunção, o primeiro a assinalar o aniversário, ao Rui Carmo, que não tem nada que agradecer, muito pelo contrário, ao António de Almeida, um blogger sempre disponível para um bom debate de ideias; ao Samuel de Paiva Pires, eterno parceiro de extraordinárias discussões e de quem, tal como já disse, tenho a certeza que ainda vou ouvir falar e muito; ao Jorge Ferreira, que me elogiou de forma tão simpática, ao Daniel Santos, um dos meus mais fiéis leitores e comentadores, ao Carlos Santos, apesar das divergências, ao Francisco Almeida Leite, a quem não encomendei nada, juro; ao Luís Novaes Tito, que escreveu tão simpáticas palavras; ao Paulo Pinto Mascarenhas, um dos mestres da blogocoisa, amén; e ao Pedro Correia, que me deu uma grande oportunidade que dificilmente conseguirei retribuir. Agradeço, também, a todos os que por e-mail ou comentário me deram os parabéns. Por fim, um obrigado muito especial à Teresa, é, não tem link porque não tem blogue, por me ter dado a conhecer o meio e por ser uma das grandes responsáveis por tudo isto.

Foi um dia bonito, pá, como o ano que passou. Espero que venham mais como este.


publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 20:00link do post | comentar

 

 

 

É o nosso aniversário.
 
Tocámo-nos com um sorriso e renascemos num certo dia. E isso foi tudo. Início. Depois veio o meio e um antecipado fim. Deixámos de tocar como um piano abandonado. No pensamento continuamos muito perto. Lado a lado, com os lábios cerrados, à espera de um dia voltar a poder dizer: Pele. No entretanto, oiço-te e sinto-te. Como a fantasia do som de um piano. Deita-te. Deixa a música apagar a vela.

 

 

{Maria Inês de Almeida}

 


publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 18:00link do post | comentar

  

Por que cresce a “extrema-direita” na Europa?

 

Antes de mais, quero agradecer ao Tiago Moreira Ramalho o simpático convite para publicar um texto n' O Afilhado no âmbito do aniversário do blogue.
Tendo em conta os resultados das recentes eleições europeias e os inúmeros disparates que se ouvem sobre a "extrema-direita" (um conceito que é usado imprecisamente para englobar realidades tão distintas como o British National Party no Reino Unido, o Partij voor de Vrijheid na Holanda ou o Vlaams Belang na Flandres), ocorreu-me que esta seria uma boa oportunidade para recordar um texto sobre o caso inglês que escrevi em 2006 para o número 19 da revista Atlântico. Creio que será a primeira vez que o texto aparece integralmente na blogosfera (já que nunca o publiquei n' O Insurgente) e, modéstia à parte, apesar de ter quase três anos, parece-me que resistiu bastante bem à passagem do tempo e que muito do que lá escrevi se mantém pertinente. Aqui fica pois o texto:
 
Na última Atlântico, Rui Ramos, em artigo centrado na realidade portuguesa, referiu-se aos segmentos que gostam de invocar para si o título de “direita dura” como constituindo, na realidade, uma direita esquerdizada. Salientou também que são segmentos cuja actuação interessa à esquerda, precisamente por corresponder de forma quase perfeita à representação caricatural que esta gosta de fazer da direita. É, sem dúvida, uma tese interessante, mas valerá a pena salientar também que, na conjuntura actual da Europa, cabe à direita liberal mostrar ser capaz de enfrentar os problemas estruturais (e, não menos importante, os desafios civilizacionais) com que o continente se confronta. Se isso não acontecer, não será de espantar que a proclamada “direita dura” volte a emergir como uma força relevante na arena política europeia.
 
Um exemplo desta dinâmica provém do Reino Unido onde, nos últimos anos, o Partido Nacional Britânico (BNP) cresceu de forma significativa. A ponto de os resultados nas recentes eleições locais (em que o BNP conseguiu fazer eleger mais de 30 vereadores) e nas eleições europeias de 2004 (em que o BNP obteve uns expressivos 4,9% dos votos) terem feito soar os alarmes. A verdade é que, em termos de eleições legislativas, o número de votos no BNP tem vindo continuamente a crescer desde os valores mínimos de 1987 (curiosamente coincidentes com o governo de Margaret Thatcher). Mais: não fosse o sistema “First Past the Post” em vigor no Reino Unido (segundo o qual, recorde-se, em cada círculo uninominal é eleito logo à primeira volta o candidato mais votado, mesmo que não tenha uma maioria absoluta) e o BNP já teria provavelmente representação em Westminster.
 
Um segundo bom exemplo, embora de natureza bastante diferente, é o caso do United Kingdom Independence Party (UKIP). Fundado em 1993, na London School of Economics, por Alan Sked e um conjunto de personalidades (na sua maioria conservadores desiludidos com a deriva europeísta dos Tories e a incapacidade do partido para se opor ao aumento do poder de Bruxelas) o UKIP advoga de forma inequívoca a saída do Reino Unido da União Europeia. Em 2004, nas eleições europeias, teve um resultado ainda mais expressivo do que os 4,9% do BNP: conquistou 12 lugares no Parlamento Europeu, obtendo cerca de 16% dos votos.
 
Acresce que, tanto o UKIP como o BNP, conseguiram esses relativos sucessos eleitorais apesar de serem partidos com graves problemas internos, inconsistências programáticas e limitações a vários níveis. No caso do BNP – a mais recente encarnação de uma linha de organizações de direita nacionalista que nunca foram particularmente bem sucedidas no Reino Unido – é notória a falta de quadros, para além de o partido enfrentar sérios problemas financeiros e com a justiça britânica, além de um forte bloqueio mediático.
Já o bom desempenho, no início dos anos 1930, do New Party – liderado pelo carismático (e ex-trabalhista convertido ao fascismo) Oswald Mosley – acabou por ser de curta duração; o mesmo aconteceu com as várias organizações e movimentos nacionalistas que nasceram ao longo das décadas seguintes, que também nunca atingiram uma expressão significativa de forma sustentada.
Por outro lado, o UKIP, para além de ser percepcionado como um partido de objectivo único, tem também uma longa série de conflitos internos na sua breve história. Aliás, logo em 1997, o fundador Alan Sked abandonou o partido, tendo desde então vindo a acusar o UKIP de albergar elementos extremistas. Sem esquecer que os euro-deputados do UKIP são frequentemente alvo de acusações de incompetência grosseira pela sua actuação em Estrasburgo.
 
Assim sendo, como explicar os progressos recentes de partidos como o BNP e o UKIP?

 

Uma boa parte da resposta deverá passar pelo facto de no Reino Unido (como em outros países da Europa ocidental) a auto-proclamada “direita dura”, apesar de todas as suas limitações, estar a conseguir capitalizar de forma crescente a insatisfação de importantes segmentos da população com a ausência de reais alternativas às políticas da esquerda em várias áreas cruciais. Um vazio de alternativas que é notório em matérias como o alinhamento pleno das principais forças europeias de centro-direita com a transferência de cada vez mais poder para Bruxelas, a inexistência de uma agenda económica verdadeiramente liberalizante e reformista, o laxismo face à criminalidade e desordem pública, a subserviência às desastrosas utopias do multiculturalismo e a incapacidade de combater seriamente os fluxos de imigração ilegal.
A evolução recente no Reino Unido ilustra bem que não basta apontar as limitações e incoerências da direita anti-liberal para lhe retirar o campo de manobra e estancar as suas perspectivas de crescimento. Cabe à direita liberal apresentar propostas mobilizadoras, consistentes e verdadeiramente alternativas à agenda da esquerda demonstrando assim que as acusações de “moleza” são desprovidas de fundamento.

 

 

{André Azevedo Alves}

 


publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 16:00link do post | comentar

 

A visita da minha prima Hermenegilda

 
No Domingo à noite, já os jovens social-democratas pulavam à corda na sede do PSD, tive uma surpresa: a minha prima Hermenegilda, sem aviso prévio, bateu-me à porta, o que não acontecia há quase uma dezena de anos. Telefona-me com frequência, deliberadamente quando estou a assistir a um jogo de futebol; almoçamos meia dúzia de vezes por ano, se tanto, invariavelmente no Bairro Alto, mas bater-me à porta «espontaneamente» estava fora de questão. Entrou com o à vontade de quem conhece os cantos à casa, exibindo as mamas pródigas que lhe saltavam do vestido decotado e o último marido, figura esguia, com uma farta cabeleira a esbranquiçar, uns óculos de aros redondos, e um ar distante ou apalermado, não entendi bem. «Ia a caminho do Café de S. Bento, vi luz e decidi ver se estavas em casa. Há muito tempo que não almoçamos» – Disse-me, com ar sonso. Apeteceu-me dizer-lhe que estava mais gorda, para me ressarcir da intrusão, mas contive-me. Sem cerimónias sentou e, enquanto esboçava um sorrisinho hipócrita para o marido, disparou: «Que grande derrota do teu partido. Ainda és apoiante do Sócrates?». Adivinhei os sarilhos em que a conversa podia descambar, e suavizei-a a resposta: «A democracia é isto, querida prima.» - Respondi. Ela, com o azedume que lhe brota das frustrações, e com trejeitos a imitar Manuela Moura Guedes, interrogou-me: «Democracia? Qual democracia? Explica-me a diferença entre a democracia socratista e a democracia de Pinochet?» E olhou para o marido, sentado a seu lado, coçando a barba rala, como a pedir-lhe aprovação. Ele (nem sequer fixei o nome) balbuciou: «É verdade, mas o exemplo corre o risco de branquear a ditadura do Pinochet». Olhei, condescendente, aquele «par de jarras» sentados no sofá à minha frente, enquanto a vida da Hermenegilda me passou pela cabeça, como um filme. Recordo-me bem quando, em Abril de 1973, procurava uma casa insuspeita para esconder um amigo, procurado pela PIDE, por meia dúzia de dias, os suficientes para sair do país em segurança, e tive a infeliz ideia de me lembrar da Hermenegilda. «Andas metido com os comunistas e queres estragar a minha vida, mas eu não permito» – Disse-me roborizada. E, agora, está aqui a fazer comparações disparatadas, como se eu não a conhecesse. Afastei os meus pensamentos porque Hermenegilda não apreciou o meu silêncio, e continuou a falar: «A esquerda já tem mais de 20% dos votos. E vai continuar a crescer. Se o Manuel Alegre se decidisse partir o teu partido este país podia dizer adeus ao capitalismo». Com ar apaziguador, ainda lhe disse: «Hermenegilda estas eleições contam pouco, esperemos pelas legislativas». Ela, levantou-se, acomodou as mamas para dentro do decote, e ripostou: «Pareces esse tal Vitalino Canas a falar. Vou-me embora. Vim cá para te avisar que o capitalismo está no estertor final». O marido levantou-se, e de mão dada, desampararam-me a casa. Não suporto a minha prima Hermenegilda, uma típica pequeno-burguesa radical que passou os cinquenta anos sem nunca ter trabalhado. Mas é a única prima que tenho.
 
 
 

publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 14:00link do post | comentar | ver comentários (1)

  

O DIA DELE
 
Passa um ano de Tiago Moreira Ramalho, a solo, na blogosfera. Quando me sopraram quem era o Tiago, fiquei surpreendido. Deve ser atípico da sua geração o que, como ele terá tempo para verificar, só lhe trará dissabores. Dito isto, e sem qualquer pretensão «amiguista» que não cultivo em lado algum, apraz-me registar a coincidência de datas. É que hoje comemora-se o «dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas». Desta vez é em Santarém. Oficia António Barreto que substituiu o recém desaparecido Bénard da Costa nas funções de «mestre de cerimónias». O regime do Doutor Salazar aproveitava o dia para, na Praça do Império, condecorar os órfãos e as viúvas dos "heróis" ultramarinos e meia dúzia de sobreviventes estropiados. A democracia continuou neste registo - se bem que de uma outra forma, já sem órfãos, viúvas mas com uma nova “categoria” socio-política, os deficientes das forças armadas -, isto é, com o mesmo patético propósito de celebrar essa mítica entidade denominada Portugal. Aquilo que, em Salazar, consistia no reforço do regime no seu "núcleo duro" ideológico - a defesa do "Ultramar" -, transformou-se, com o regime instaurado pelo 25 de Abril, na mais confrangedora banalização da "distinção" através de veneras e de condecorações atribuídas a torto e a direito. Praticamente já não sobra ninguém para condecorar. A elite oficial satisfaz-se onanisticamente nestas comemorações anuais que nada dizem ao país "real" e em que, geralmente, as "comunidades" e Camões ficam discretamente de fora. O que é que existe, na sociedade e no regime portugueses, digno de ser comemorado ou celebrado? Fora o sol, o mar, alguns petiscos, umas vagas linhas de alguns "escritores" e "ensaístas", a beleza de alguns corpos e rostos, resta pouca coisa. A paisagem física foi praticamente devastada pela estupidez e pela concupiscência. E o "retrato" humano e social é de uma endémica e irrevogável pobreza franciscana onde pontificou, desde sempre, a barbárie da ignorância. Em suma, o "dia de Portugal" serve apenas para celebrar o enorme embuste que é a nossa verdadeira realidade. Uma realidade que se traduz na mesma "austera, apagada e vil tristeza" cantada no século XVI por Camões, afinal o maior esquecido no dia que é dele.
 
 
 

publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 12:00link do post | comentar

 

As cataratas de Ana Jorge

 

Perante a hipótese recente de cidadãos nacionais que estejam em lista de espera para procedimentos médicos serem tratados no estrangeiro, no âmbito de uma proposta da Comissão Europeia nesse sentido, a senhora Ministra da Saúde entendeu agora apresentar um entrave bastante original, no mínimo. Diz Ana Jorge que só estará de acordo com esta solução alternativa «se essas propostas garantirem que todos os cidadãos possam beneficiar delas». Perceberam? A Ministra explica melhor, enfim, tenta: "Todos podem ter acesso do ponto de vista teórico, mas no fundo, na prática, quem tem acesso é quem tem maior capacidade de acesso à informação e maior capacidade financeira para poder vir e depois ser reembolsado", disse Ana Jorge no final de uma reunião dos ministros da Saúde da UE no Luxemburgo. E por isso o assunto ficou assim mais uma vez adiado ‘por alguns meses’ sem que ninguém tenha a mais pequena ideia de quantos anos serão. Eu cá fiquei a pensar no assunto e lembrei-me de uma reportagem recente de Carlos Enes, na TVI, que acompanhou um grupo de centena e meia de portugueses a Cuba para tratamentos oftalmológicos pelos quais esperaram anos e anos a fio em Portugal sem que houvesse sequer uma hipótese de aqui os realizar (alegadamente por falta de médicos da especialidade no hospital distrital da sua zona de residência, na prática por falta de vontade política do governo para resolver o problema). Muitos destes portugueses estavam cegos há vários anos, quando em muitos casos uma simples observação teria detectado o seu mal e um simples procedimento técnico impedido a sua cegueira, dando-lhes uma qualidade de vida que nunca conseguiram merecer no país onde nasceram e pagam impostos. Depois foram a Cuba, por iniciativa de um autarca empreendedor e de lá vieram curados, renascidos para a vida. Muitos deles já não conheciam o rosto dos seus familiares mais directos, que tinham deixado de ver há anos. E neste momento são já mais de trezentos os cidadãos de Vila Real de Santo António que foram tratar-se a Cuba sem gastar um tostão. Lá trataram os olhos e, por iniciativa dos médicos locais, lá aproveitaram para tratar o resto que os afligia, doenças de ossos, de pele e outras, e de lá vieram como novos, menos velhos sobretudo. E continuam a ir, às dezenas de cada vez, com uma lista de inscrições que parece nunca mais acabar. E a voltarem curados, tratados com dignidade. Pois quando agora eu ouço a senhora Ministra da Saúde falar em adiar por alguns meses esta hipótese de solução europeia para os doentes nacionais (sendo que estamos a poucas semanas de eleições legislativas, por um lado, e que algumas das pessoas que poderiam beneficiar deste protocolo provavelmente não sobreviverão à espera, por outro) eu cá fico na dúvida atroz, juro. Não sei se é maldade, estupidez ou mera incompetência o que faz Ana Jorge falar assim. Mas sei que alguém devia mandar esta senhora a Cuba para tratar a asneira que lhe sai em cataratas, isso sim.
 
 

 


publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 10:00link do post | comentar

  

86 QUERIDO DIÁRIO - FOLHA SOLTA

 

Para o Tiago Moreira Ramalho, porque penso que procura verdade dentro de palavras, vida.

 

Dizer verdade. Sem artigo que a defina. Olhar nos olhos, dizer  verdade, sempre iniciais faça-se!, mais escuros de barro que luminosos de Deus. Ela, luz, apenas a humidade unificadora: terra religada à água. Terra verdade de humildes que somos, ainda que o nosso exacto tamanho, água verdade, seja o que só amando se contempla. Barro. Agarrar com muita força sabendo muito bem da impotência dos braços, da fragilidade da ponta dos dedos, nada de nada entre eles, mesmo assim agarrar como para sobreviver. Na ponta dos dedos morremos todos. Sabendo muito bem que nada: morremos sozinhos tantas vezes por dia. Olhar nos olhos e dizer, ao longo da vida quantas vezes, quantas, sozinhos, a morrer, a provar antes a morte de depois, pequenos ensaios para, que nojo!, morrer bem! A verdade ao espelho seja ele qual for, quem, espelho tu, espelho eu, a rua cheia de eus tus uns para os outros, não vejas, não vejas, sem ser aos gritos, com dignidade, não podes chorar da dignidade de não gritarem, para que, que nojo!, morrer bem quando a morte. Tomar veneno em pequeníssimas gotas: verdade. Na circulação do sangue, verdade, subida aos olhos, a conduzir, por aqui sim por aqui não, verdade carne na polpa dos gestos, até os ouvidos distinguirem de olhos fechados o oco do cheio; a parede oca, do quarto emparedado, da parede cega dos olhos vazados que não podem ver. E ficar sentado na esplanada pequena sobre o passeio sujo do café de bairro sujo, o cesto das compras, revistas poemas bifes queijo fresco alface laranjas de bairro, o cheiro do talho, o do suor sujo e o do suor limpo: suor igual azedo. Parece que não tenho medo de nada porque sei que já morri muitas vezes, que tu, tu e tu, eus de mim outros, do tamanho exacto do amor, também muitas vezes. Seguro-te na mão, parece que. Como seguro, quando seguro, parece que. Porque não guardo o amor para o silêncio, entrego na polpa dos gestos, desaprendo para dizer a verdade: nada me suscita dúvidas, duvido, simplesmente. Porque eu dispo as palavras corpo das palavras roupa. Só por dentro, só quando cheias, digo amo, quero, sou, és. Desaprendo tudo o que for preciso para nos salvar sabendo que morreremos. Assim parece que. Mas tenho medo de morrer aos gritos.

 

 

{Eugénia de Vasconcellos}

 


publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 09:30link do post | comentar | ver comentários (17)

 

Hoje é dia de festa, cantam algumas, tolas almas, para este Afilhado que saia uma grande salva de palmas. Um ano passou desde que esta casa abriu. Muito mudou, nomeadamente a imagem. O Afilhado fez um lifting como há poucos. Mas houve também outras mudanças, principalmente na vida do Padrinho, que é como quem diz, eu. Dediquei-me ao projecto e gosto verdadeiramente dele. E esta experiência blogosférica permitiu-me, com grande alegria minha, conhecer pessoas, estabelecer contactos. Não naquele sentido que hoje se dá aos contactos, gente que desaperta cordelinhos apertados de mais para as nossas fracas mãozinhas. Contactos a sério, amizades em alguns casos. Coisa estranha esta. Mas também não é um ensaio sobre a blogosfera que me proponho escrever. Este post é meramente introdutório para o que é realmente interessante. Hoje esta casa vai ter seis convidados que farão a festa. Reconhecê-los-ão a todos sem sombra de dúvidas e é com igual certeza que digo que vão gostar, e muito. Que comece a festa.


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