O calor era quase insuportável quando cheguei. Era meia tarde. A «hora do calor». E na Atalaia não fazem por menos. Como sempre se faz, circulei. Encontrei amigos, pus conversa em dia – há tanto tempo, pá! – e voltei a circular, circular. Experimentei uma entrada na Festa do Disco, coisa grande bonita e barata. Havia ali milhares de DVD’s e discos, ora pois, a preços que riam para mim, atrevidos.
Nas avenidas encontrei imensas crianças. Da mesma forma que os católicos se acham no direito de encaminhar os filhos para a sua crença, também os comunistas, detentores de uma fé infinita, o fazem. Miúdos pequeninos com camisolas do Lenine, quando nunca souberam quem foi Lenine ou, mais importante, por que mortes foi Lenine responsável. Isto das camisolas do Lenine e do Ché fazem-me pensar uma outra coisa: imaginemos que a festa era outra: de nacional-socialistas. Imaginemos que em vez do Lenine e do Ché, estavam nas camisolas Hitler e Mussolini. Imaginemos que em vez de foices e martelos eram erguidas ao alto cruzes suásticas. Por cá dizem-me: não tem nada a ver. Pois não. Claro que não.
Adiante. Já noitinha, com uma larica que já me entorpecia os sentidos, exagero meu, procurei um sítio para comer. Pensei numa francesinha, mas a fila era simplesmente gigantesca. Depois pensei noutros sete restaurantes, mas as filas eram igualmente grandes. Passei por um e sorri. Dizem que os tempos mudam e o que vi é prova disso. Ao fim da tarde, a maior fila da festa do Avante era a da marisqueira. O tempo das bifanas é outro. Acabei a comer uma vitelinha assada num restaurante meio escondido (Santo Tirso). Coisa discreta, que não chama as atenções. No fim, parecia um buda, com um barrigão que só julgava possível para os consumidores compulsivos de cerveja.
Ao fim da noite, tristonho por, em dois dias, ninguém me ter chamado camarada, vi um pouco do concerto dos Clã – um concerto fantástico – e perdi, por coisa de três minutos ou menos, a maravilhosa e arrepiante Carvalhesa. Uma pena.
Ah!, esqueci-me de vos dizer ontem: vi a excelentíssima Ilda Figueiredo, essa referência da política nacional, toda ela de fatinho e copinho na mão enquanto confraternizava com camaradas.