Eu estava a ler este enorme texto do João Galamba e confesso que a imagem que o João me transmitiu foi qualquer coisa como o mundo separado a meio por um rio, de um lado a margem Esquerda, do outro a margem Direita. O mundo dos esquerdistas era admirável, como o outro: sempre optimistas, idílicos, de olhos postos no futuro e tal. O mundo dos direitistas era um assombro: gente com o Leviatã na mão, recitando passagens, gente a falar dos antigamentes e como era bom o tempo sem televisão. No fim apercebi-me: o exercício do João foi um exercício fútil de mera assunção de um preconceito insanável.
Em primeiro lugar, discordo desta coisa de uma esquerda e uma direita. Para ser franco, do que discordo mesmo é da aplicação destes dois conceitos na actualidade, visto que estão completamente deslocados daquilo que eram quando criados, mas enfim. Se o João Galamba me dissesse: os social-democratas são visionários, ou os conservadores são tacanhos, a coisa ainda se aceitava, ainda que estivesse errada na mesma. Porque a verdade é que o que o João está a dizer é que há algo genético que nos faz ser de esquerda ou de direita. Isso é tolo. Eu pergunto ao João onde se situam os liberais no meio dessa festa toda e o João responde-me com um silêncio quase tão grande como o seu texto. Eu pergunto ao João onde se situam os comunistas no meio dessa festa toda e o João responde-me com um silêncio quem sabe ainda maior.
Estudos quase filosóficos, quase, sobre a direita e a esquerda enquanto conceitos abstractos são inúteis. E são inúteis porque, em primeiro lugar, tentam criar o personagem-tipo de direita e o personagem-tipo de esquerda, como se todos fossem iguais e, em segundo lugar, porque esses conceitos são completamente desprovidos de significado e servem apenas para minar o debate político e criar barreiras psicológicas para o diálogo. Barreiras como a implícita no texto.