A máfia da blogosfera
26
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 11:18link do post | comentar

No seguimento deste post alguns comentadores responderam, simplesmente, que o direito à saúde é uma questão de facto. Existe, ponto. O argumento maior era a consagração da saúde pública na Constituição. A discussão trouxe-me a este post.

Existem dois tipos de direitos: direitos morais e direitos legais (dentro dos legais podem incluir-se os contratuais). Muitas vezes, um direito moral é um direito legal. No entanto, todos percebemos que nem sempre é assim (por exemplo o direito das mulheres a votar não estava consagrado na lei no passado). E também é facilmente compreensível que um direito legal nem sempre é criado com base num direito moral (é o caso do direito à saúde).
Peguemos no exemplo das mulheres que não votavam. Muitas pessoas à data defendiam que se tratava de um direito extremamente elementar: a possibilidade de pessoas adultas se poderem pronunciar sobre o seu futuro. O facto de não ser um direito legal era apenas um impedimento a que o direito moral se concretizasse. Situações semelhantes, em que o direito moral não é transposto para o legal, aconteciam com os escravos ou, actualmente, com os homossexuais.
Agora pensemos no direito à saúde. Será que antes de estar consagrado na lei que havia direito ao acesso a cuidados de saúde, este direito era um direito? Será que uma pessoa doente, antes de estar na lei esta imposição, tinha o direito de obrigar outros a financiar os seus tratamentos? Não. Não existe esta obrigação moral. Mesmo no actual sistema o leitor compreenderá que se uma pessoa lhe vier pedir dinheiro e o leitor escolher dar, não está a cumprir uma obrigação mas sim a agir de forma completamente livre. Do mesmo modo, se alguém lhe pedir dinheiro e o leitor não der, não estará a desrespeitar um direito e a não cumprir uma obrigação.
O direito legal à saúde vem no seguimento de uma discussão, que me escuso a avaliar, sobre os benefícios para o colectivo. Mas é apenas isto: um direito legal. É muito pouco plausível que se trate de um direito moral (que implica uma obrigação moral para terceiros). O mesmo acontece com todos os outros direitos legais: Educação, Segurança, Justiça, Trabalho ou até mesmo o direito a prestações sociais.
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E a segurança, raios???? :)

Mas já vi que colocaste a justiça (ou seja não temos direito à justiça o que in facto elimina todos os nossos direitos) e um tipo de segurança (a social).


A questão e julgo que devias pensar isso é que todos estes direitos implicam um tipo de segurança...

Stran a 26 de Julho de 2009 às 11:43

desculpa, mas eu escrevi lá a segurança. são direitos legais, todos. a questão que me coloco a mim mesmo é se têm algum fundamento ético por detrás que lhes permita ser também obrigação moral.

Esperes que aceites o meu pedido de desculpas! Desculpa não vi mesmo!

Stran a 26 de Julho de 2009 às 11:48

P.S. chama o que quiseres mas para mim o direito a segurança ou qualquer direito que advem do simples facto de estarmos em sociedade é um direito (se quiseres traduzindo para a distinção que fazes é um direito moral).

Os direitos só existem porque vivemos em sociedade...
Stran a 26 de Julho de 2009 às 11:46

Viver em sociedade não é um direito. É uma vontade. As sociedades não existem sem vontade.

O problema é chamar-se direito a tudo. Nomeadamente aquilo que não tem nada a ver com direitos.

Então o que tem a ver com direitos?

Se viver em sociedade é uma vontade, tu vives nesta sociedade por tua vontade, pelo que aceitas os direitos e obrigações que nela existem por vontade própria!

Logo, por mais que não concordes, não podes afirmar que é ilegitimo alguns direitos.
Stran a 26 de Julho de 2009 às 14:01

Tenho dificuldades em imaginar uma sociedade onde não exista obrigação moral de contribuir para a sociedade. Não imagino uma sociedade onde o individuo viva isolado, não contribuindo para depois, quando precisar, seja ajudado.

Não sei discutir sobre conceitos disto ou daquilo, sei que se lutou durante anos e anos afim pelos direitos básicos de todos poderem ter acesso gratuito e igual à saúde, à educação, a todos os serviços que permitem esta sociedade funcionar.

Mesmo que não precise nunca ao longo da minha vida, quero ter a certeza que contribui para a sociedade e não vivi ao lado dela, num "eu não preciso ou posso pagar no privado, por isso não vou contribuir para os que não têm as minhas possibilidades".
Daniel João Santos a 26 de Julho de 2009 às 12:17

Daniel, tu podes perfeitamente querer uma sociedade como essa. Tens é de respeitar quem não quer. E o problema é esse.

Eu respeito, mas não a consigo imaginar.

O que tu queres dizer é que o Direito á saúde antes de estar consagrado legalmente não era considerado um Direito moral. E que a noção moral só apareceu posteriormente.

A saúde pode ser um Direito ou uma escolha. Presumo que tu defendas um sistema como os Estados Unidos onde há não há SNS. Isso trás vantagens e também desvantagens sendo que as desvantagens prendem-se pela existência de graves injustiças que não raras vezes resultam na morte de alguns doentes.

Não sou de maneira nenhuma aquelas pessoas que acham que o Estado deve financiar tudo e mais alguma coisa e que os contribuentes devam pagar todo o que acontece dentro de um país.

Contudo, acho que a saúde é uma necessidade. Não um Direito moral se assim o quiseres, mas uma necessidade. Parece-me pouco correcto que alguém doente e que não tenha condições de pagar o tratamento porque, por exemplo não tem seguro, fique sem tratamento como acontece em países sem SNS.

Quando disse que a saúde é uma escolha não falo dos contribuintes. Afinal, estamos todos obrigados a pagar impostos. Falo na hipótese que os cidadãos tem de recorrer a um hospital público ou a identidades de saúde privadas.
Daniela Major a 26 de Julho de 2009 às 14:06

Daniela,

Creio até que a noção moral nunca surgiu. Não existe, pelo menos eu não creio que exista, uma obrigação moral.
Quanto ao que dizes, vou tentar ser sintético:

1. Eu não defendo um sistema como o dos EUA. Eu sei que isto parece estranho, mas eu acho um sistema de saúde alargado uma coisa positiva. O problema é que não julgo aceitável que se possa impor e é isso que acontece. O SNS é imposto, mesmo a quem não o quer.

2. A saúde é uma necessidade, claro. Mas quando é uma necessidade tua, é um problema teu. Claro que isto não invalida que eu te possa ajudar. As pessoas dos EUA morrem porque as pessoas são hipócritas. Porque se dizem muito tristonhas com a morte daqueles qu enão têm dinheiro, mas não têm a bondade sequer de, por caridade, ajudar. (atenção aos da discussão ética. eu não estou a dizer que é imoral não ajudar. estou a dizer que é hipócrita dizer que as pessoas precisam de ajuda e não ter a bondade de dar o primeiro passo).

Então, deixa ver se eu percebo (sem hipocrisias porque quero mesmo perceber o que queres dizer :)

Tu achas que ter um SNS é bom, mas achas que, apesar disto, não deve ser imposto ou seja, achas que os contribuentes não devem contribuir para um SNS?
Caso assim seja, então o que propões?

Eu acho que é uma boa acção uma pessoa ajudar outra no caso da outra estar doente. Acho que é bom eu prestar-te auxílio caso não possas pagá-lo. No entanto, não posso impor isto aos outros.

Há imensas formas de proceder desta forma sem que as pessoas tenham de «ajudar à força»: instituições de caridade/solidariedade, por exemplo.

É possível defender uma saúde pública sem o argumento de que a saúde é um direito moral (ou "natural", à Locke). Basta apelar à noção de justiça (Rawls).

Assim, a saúde não é um direito de cada um mas é um pré-requisito de uma sociedade justa, numa perspectiva contratualista.
PR a 26 de Julho de 2009 às 15:06

Desconheço esse argumento. Terei de ler Rawls :/

Os direitos, como sabemos, implicam deveres e coexistem desde que houve necessidade de organização social. Naturalmente, ambos criados pelos homens que fazem leis e anti-leis, ao sabor das necessidades de coabitação, nem sempre pacífica. O direito à saúde advém desse contexto de coexistência social. O relacionamento dos homens, em sociedade, obriga ao cumprimentos das normas criadas, com muitas probabilidades de haver os incumpridores (para quem até criaram o Inferno - necessidade escatológica). Todos os direitos e deveres publicados pelas organizações e aconselhados pelos homens de boa e má-fé, não são, na realidade, obrigações. Daí os prémios e castigos, os bons e os maus, os que amam e os que odeiam. Creio mesmo que qualquer direito ou dever implica um valor ético e uma moralidade de conduta humana.
O direito à saúde é também um direito de ordem social, pois se temos alguém doente no nosso meio, deveremos evitar que sofra, que morra de forma desumana e até que passe a sua doença a outros elementos da sociedade. Em suma, o direito à saúde implica o dever de alguém organizar de forma sadia uma sociedade, pois como sabemos, a saúde "é o bem estar físico, psíquico e SOCIAL.
Não interessa quem paga a saúde e como, pois TODOS somos responsáveis por uma sociedade saudável, sob perigo de PANDEMIAS e outras patologias transmissíveis (ou não).
Afinal, analisando bem, todos pagamos.
batista_oliveira a 26 de Julho de 2009 às 22:57

Desta vez prometo não me alargar tanto na discussão. Apenas faço notar que para o Tiago, se bem o leio, os direitos naturais são coisas prévias à sociedade, inerentes ao indivíduo considerado isoladamente.

A ideia de que uma pessoa pode ser dona do seu próprio futuro é relativamente recente, apenas possibilitada pelas sociedade modernas, liberais e democratas.

Se falar com um caçador recolector do Amazonas, vai ouvir uma história muito diferente, imagino eu. E para esse individuo poucas coisas devem haver mais naturais do que o seu estilo de vida.
Tal como no ocidente, para muita gente, durante muito tempo, não havia nada mais natural do que fazer o que os seus pais faziam.

Não vejo o avanço da civilização e das sociedades como uma descoberta progressiva daquilo que é natural, mas como uma descoberta progressiva daquilo que vai sendo possível.
l.rodrigues a 27 de Julho de 2009 às 10:51

«Não vejo o avanço da civilização e das sociedades como uma descoberta progressiva daquilo que é natural, mas como uma descoberta progressiva daquilo que vai sendo possível.»

Porquê?

Porque o ser humano tem esta capacidade extraordinária de criar o seu próprio contexto.
Não houve Jardim do Éden nem pecado original que nos afastou da Verdade.
Houve um crescendo de complexidade nas sociedades à medida que novas tecnologias foram sendo descobertas. Novas possibilidades de organização social, novas possibilidades para o futuro de cada um. É a primeira realidade que dá forma e significado à segunda.

Um ser humano isolado tem a pulsão de sobreviver. Isso não chega a ser um direito.
Pelo menos num sentido mais significativo do que dizer que um carnívoro tem direito a comer carne.

Nada do que escreveu impede que os direitos sejam uma descoberta e não uma invenção. Os direitos morais, fique-se sabendo.

Tiago, a tanto paleio e argumentário falta simplicidade e Evangelho. A natureza humana é perigosamente cruel se deixada ao deus-dará uma matéria tão delicada como a saúde: enquanto ensaias teoricamente novas vias de organização da sociedade bem liberais deverias compreender quanto caos e morte delas advêm.

A Humanidade não está calibrada para a Liberdade de uma acção solidária, mas para a sua recusa por sistema ou África nenhuma esfomeada subsistiria. Já pensaste no que preconiza a Igreja deve incumbir aos Estados? Por que será então que um Estado deve garantir a saúde pública e os cidadãos financiá-la?! Se financiam a investigação científica, os avanços na medicina, na cirurgia, na aviónica, no armamento, por que motivo não haveria de ser inteiramente gratuita a Saúde?! Em Portugal, o que não vai para a Saúde e para o Ensino, vai para as Clientelas Partidárias e para as Negociatas entre gente corrupta, corrupção que devora qualquer intuito de administração Recta dos Dinheiros Públicos.

Por que será? Provocatório e teorético como me agrada, sinceramente, em certas matérias cheiras-me a provocatória desumanidade. E eu não gosto nada de pressentir desumanidade em texto nenhum demasiado racional para ter humanidade e decálogo dentro.
PALAVROSSAVRVS REX a 27 de Julho de 2009 às 11:57

Joaquim,

A ideia de que os homens são maus por natureza peca tão somente por estarmos a discutir isto. A saúde pública, por exemplo, foi a forma tosca que os homens arranjaram de se ajudar uns aos outros. É tosca, simplesmente, porque uns obrigam os outros a fazer o que os outros têm o direito a não querer fazer.

Quanto a África, há deveras um problema muito grave. E não julgue o Joaquim que não o penso muitas vezes, que já escrevi ensaio sobre o assunto. No entanto, qual é a solução? Obrigarmos os outros a ajudar se eles não quiserem?

Joaquim, independentemente do que diz o evangelho, fazer bem não é uma obrigação. Se fosse, não haveria bons, mas submissos. A bondade não se destiguiria da mera subserviência. É isso que temos: subserviência. Todos contribuímos de forma obrigatória. Onde está aqui a compaixão?

Além do mais, eu não escrevi que se deveria acabar SÓ com o apoio à saúde (que não é gratuita, caro Joaquim. é paga e bem caro). Eu escrevi que há direitos morais e direitos legais, tão só.

falta de vergonha na cara (http://www.haloscan.com/comments/pcontemporaneo/4752342295511534848/#218008)
Anónimo a 27 de Julho de 2009 às 12:43

a grunhice dos filhos da democracia:

http://www.haloscan.com/comments/pcontemporaneo/4637382275663981968/#218086
Anónimo a 27 de Julho de 2009 às 12:48

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