Desafia-me o Stran a ir aos baús velhos da discussão do aborto para lhe dizer por que o acho imoral.
Em primeiro lugar há que desfazer uns quantos nós: a decisão de engravidar ou não é do indivíduo sem dúvida nenhuma – e por isso não me oponho à contracepção como alguns fazem. A questão aqui é outra e prende-se com o depois, com aquilo que é correcto dado que já existe gravidez. É que muitos, ao discutir o aborto, colocam no mesmo saco estas duas coisas: engravidar ou não, interromper a gravidez ou não. Sobre a primeira a sociedade não tem nada a dizer. Sobre a segunda, o caso muda de figura.
Quando se fala em gravidez está a falar-se de uma situação em que, a menos que haja uma acção positiva em contrário, haverá uma nova vida. Esta acção positiva é o aborto voluntário. Será aceitável que uma pessoa, e aqui coloco de parte as teorias sobre o início da vida que inquinam o debate sempre, possa travar um desenvolvimento que dará numa vida? Qual é a diferença substancial entre matar e impedir que se viva?
Uma vida não é obviamente uma obrigação. A lei anterior não dizia: todos os casais têm de ter filhos. O que a lei anterior dizia era: se os casais engravidarem não podem interromper a gravidez. Parece-me quase absurdo discutir isto, mas estamos a discutir sobre a moralidade de pais e mães gerarem filhos e, depois, seja por que motivo for, interromper o processo acabando por, na prática, matá-los.
Respondendo directamente à pergunta, Stran, o facto de eu ser liberal não implica que eu idealize um Estado de Natureza em que matar-te é uma acção de moralidade nula. Eu sou liberal, mas não vou atrás das restantes marias dizendo que é tudo uma questão de escolha. É uma questão de escolha individual, sim, mas tem de se compreender que essa escolha não tem efeitos apenas no indivíduo, mas sim num outro ser. E, Stran, um projecto é quando temos dezassete anos e sonhamos em ter sete filhos. Um feto não é um projecto.