A máfia da blogosfera
09
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 15:58link do post | comentar

A Daniela teve a gentileza de entrar no debate, que eu já sentia falta de um à séria, e respondeu ao meu post.

Antes de mais, deixa-me fazer uma nota prévia: eutanásia não voluntária significa que o doente não manifestou qualquer opinião, eutanásia involuntária significa que o doente manifestou opinião de que não queria ser morto. São duas coisas um pouco distintas.

Vamos ao que interessa: a questão essencial quando falamos em eutanásia não voluntária passiva é precisamente a de sabermos se há ou não uma obrigação moral de um indivíduo A manter um indivíduo B vivo. Claro que qualquer pessoa bondosa fará de tudo para ajudar os outros e para os poder tratar. No entanto, há que distinguir muito bem entre o que é um acto bom e o acto que nem é bom nem é mau. É verdade que ajudar os outros é algo de louvável, ainda assim não se pode cunhar como imoral a não-ajuda. Por exemplo, eu tenho plena noção que há imensa gente a morrer à minha volta, sem que faça propriamente algo de substancial para minorar o problema. É claro que se eu fizesse, estaria a fazer muito bem. Mas não fazer não me faz sentir que estou a fazer mal, que estou a ser mau, imoral. Isto acontece pelo simples facto de não haver essa obrigação moral.

Imaginemos, Daniela, que não havia sistema de saúde público, ou seja, para que alguém fosse tratado tinha de ser levado para uma instituição de saúde privada. Imaginemos também que essa pessoa não tem qualquer tipo de seguro ou contrato com ninguém. Agora imaginemos que um indivíduo A adoecia. Será que é uma obrigação moral do indivíduo B manter, seja através de que meios for, a vida do indivíduo A?

À tua pergunta respondo-te: depende. Se houver uma organização social como a dos dias de hoje, não. Se a pessoa tiver um seguro de saúde, não. Se nenhuma destas situações se verificar, sim.

 


Tiago,
Peço desculpa, mas não li os comentários todos.

Baseias as tuas conclusões numa ética contratualista. Uma ética deste tipo tem bastantes problemas.

O contratualismo pode ser a solução para um problema do estilo do do dilema do prisioneiro: estamos numa situação em que se cooperarmos saímos todos beneficiados. Na vida real, se vivermos em sociedade sairemos beneficiados também. Assim é imoral romper o contrato.

A primeira objecção é óbvia: os motivos pelos quais aceitamos o contratualismo são interesseiros: cooperando ficamos melhor. Esta concepção de moralidade tem os mesmos problemas que o egoísmo ético, que afirma que a acção moral é a que visa o sucesso do agente. Se não aceitas o egoísmo ético, não podes aceitar o contratualismo.

Dir-me-ás: aceito o contratualismo não por motivos interesseiros, mas porque o contratualismo é a teoria ética que nos deixa a todos melhor. Cooperando, todos beneficiamos.

A objecção a isto é óbvia: a tua ética neste caso não é contratualista mas utilitarista. Tu apenas achas que o contratualismo permite maximizar a utilidade. Isto é falso porque há situações em que romper o contrato maximiza a utilidade: por exemplo, matar hitler seria uma acção boa numa visão utilitarista, mas má numa visão contratualista pois quebraria uma regra do contrato: não matar.

Além disto, o contratualismo leva-nos a situações absurdas: vamos supor que numa sociedade vigora um contrato e noutra outro. Assim tu admitirás que numa sociedade a acção A é boa, mas noutra não, só porque os contratos são diferentes. Finalmente, tu não te poderias opor à escravatura se vivesses uns séculos atrás, pois segundo o contrato social vigente os escravos eram coisas. Repara que nesse sentido todas as acções que quebrassem o contrato social, acções fora-da-lei, são imorais para ti. Ghandi era mau, Jesus também e Maomé muito mais!

Poderias tentar alterar o contrato para que este fosse mais justo. Mas se o fizesses estavas a socorrer-te de um conceito de uma moral não contratualista. Com que critérios farias tais mudanças? Não contratualistas, claro! Basta pensarmos bem que a noção de contrato simplesmente nada tem que ver com a de moralidade.




Concordo quando dizes que a eutanásia voluntária é moral. O Estado não tem que interferir num contrato que não lhe diz respeito. Por outro lado, é de expectar que esse tipo de eutanásia terá mais consequências positivas do que negativas, senão não era feita.

Quanto à eutanásia não voluntária, não acho que tenhas razão. Por um lado, a concepção contratualista falha. Por outro, o ser a ser morto não tem muitos direitos: se não é autoconsciente ou autónomo nem poderá recuperar essa condição, é essencialmente uma coisa que sofre ou frui. Assim sendo, se a sua vida traz mais sofrimento do que prazer, a ele e aos que o rodeiam, não vejo porque deverá ser prolongada.

Cumprimentos!

P.S.:gostei dos textos. Espero que não leves a mal as críticas. Sobre ética aconselho a leitura do "Elementos de Filosofia Moral" de James Rachels. Lê-se bem e é muitíssimo interessante. Vê a recensão da Crítica se estiveres interessado. http://criticanarede.com/fa_13.html







João Pedro a 9 de Julho de 2009 às 19:50

Era isto mesmo que eu queria dizer :)).
l.rodrigues a 9 de Julho de 2009 às 20:46

Começo pelo fim: nunca aceito mal críticas, principalmente quando são destas. :)

Vamos lá ao conteúdo: ignorância minha, não sei o que queres dizer com ética contratualista. Descobri há pouco que defendo algo próximo de Rawls, uma ética dos direitos. Sinceramente de rótulos não percebo muito, apesar de os achar muito engraçados e facilitadores.

Adiante: eu só uso a questão do contrato ponto da eutanásia voluntária por achar que se pode fazer uma analogia com um modelo de contrato simples que duas pessoas aceitam. Quando duas pessoas tomam uma decisão sobre si próprias (como casar) ninguém tem de se intrometer.

No caso da eutanásia não voluntária, penso que no nosso modelo de sociedade (sobre o qual não faço agora juízo), ou seja, enquadrando o problema na nossa realidade, esta não pode ser aceitável. Pelo facto de que já anteriormente pagaste os teus tratamentos - o contrato impõe isso - e, como tal, não me parece correcto que o contrato seja alterado unilateralmente. Ou seja, seja apenas o Estado a romper o contrato sem o consentimento do outro outorgante.

Porque é que dizes que um ser que não é autoconsciente nem autónomo não tem direitos? Quando ele assina um contrato vitalício, esse contrato não tem de ser respeitado até que ele morra?!

arquivo do blogue
2009:

 J F M A M J J A S O N D


2008:

 J F M A M J J A S O N D


pesquisar