A máfia da blogosfera
09
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 15:58link do post | comentar

A Daniela teve a gentileza de entrar no debate, que eu já sentia falta de um à séria, e respondeu ao meu post.

Antes de mais, deixa-me fazer uma nota prévia: eutanásia não voluntária significa que o doente não manifestou qualquer opinião, eutanásia involuntária significa que o doente manifestou opinião de que não queria ser morto. São duas coisas um pouco distintas.

Vamos ao que interessa: a questão essencial quando falamos em eutanásia não voluntária passiva é precisamente a de sabermos se há ou não uma obrigação moral de um indivíduo A manter um indivíduo B vivo. Claro que qualquer pessoa bondosa fará de tudo para ajudar os outros e para os poder tratar. No entanto, há que distinguir muito bem entre o que é um acto bom e o acto que nem é bom nem é mau. É verdade que ajudar os outros é algo de louvável, ainda assim não se pode cunhar como imoral a não-ajuda. Por exemplo, eu tenho plena noção que há imensa gente a morrer à minha volta, sem que faça propriamente algo de substancial para minorar o problema. É claro que se eu fizesse, estaria a fazer muito bem. Mas não fazer não me faz sentir que estou a fazer mal, que estou a ser mau, imoral. Isto acontece pelo simples facto de não haver essa obrigação moral.

Imaginemos, Daniela, que não havia sistema de saúde público, ou seja, para que alguém fosse tratado tinha de ser levado para uma instituição de saúde privada. Imaginemos também que essa pessoa não tem qualquer tipo de seguro ou contrato com ninguém. Agora imaginemos que um indivíduo A adoecia. Será que é uma obrigação moral do indivíduo B manter, seja através de que meios for, a vida do indivíduo A?

À tua pergunta respondo-te: depende. Se houver uma organização social como a dos dias de hoje, não. Se a pessoa tiver um seguro de saúde, não. Se nenhuma destas situações se verificar, sim.

 


Só uma duvida: a qual das perguntas estás tu a responder?

Stran a 9 de Julho de 2009 às 17:27

à última.

"Se nenhuma destas situações se verificar, sim."

Não achas um pouco imoral esta situação?
Stran a 9 de Julho de 2009 às 18:15

"Será que é uma obrigação moral do indivíduo B manter, seja através de que meios for, a vida do indivíduo A?"

sim
Stran a 9 de Julho de 2009 às 18:18

Stran, tem cuidado. Uma coisa é tu achares bem que se faça outra coisa é achares imoral que não se faça. Este tipo de confusão inquina a discussão.

Se levarmos isso ao absurdo, tu erras e cometes uma imoralidade sempre que alguém morre.

Antes demais peço-te que desenvolvas o absurdo porque não entendi a lógica.

Quanto ao que afirmei, obviamente tenho a noção de que foi uma resposta simplista, mas vou tentar todo o raciocinio que faz chegar àquela resposta:

Imagina que estás a passear na estrada, encontras uma pessoa que está quase a morrer e pede a tua ajuda. Tu ouves a ajuda mas explicas-lhe que não és médico pelo que não o podes ajudar. Ele pede então que telefones para o 112, pois tu tens telemóvel e tu:

a) dizes que não te apetece e segues caminho.

b) telefonas e segues caminho.

Na situação b) fazes o que tens obrigação legal e moral de fazer. Na a), e no contexto actual, estarias não só a ser imoral como a cometer um crime.

Ou seja o enquadramento actual é obrigatório prestar auxilio. E esta obrigatoriedade deriva obviamente de uma obrigação moral inicial.

Dado a nossa construção social não é dificil de imaginarmo-nos a efectuar tal opção, ou sequer nos é estranho que seja obrigatório avisar quem pode materialmente auxiliar.

Mas isto só foi possível porque existiu uma transferência de responsabilidade de nós para a sociedade (na figura de Estado). Ora se não existir essa transferência (senão existir essa construção que é a saude publica), então a responsabilidade, ou obrigação moral, é devolvida ao individuo, pelo que a resposta à tua questão é afirmativa.

Não é por termos criado uma sociedade em que transferimos essa responsabilidade que deixamos de ter essa obrigação. E, como noutras situações, ao transferir essa responsabilidade da esfera individual para a colectiva, acabamos por conquistar uma maior liberdade! Actualmente só nos é exigido um simlpes telefonema...
Stran a 9 de Julho de 2009 às 18:43

Stran,

Estamos numa situação em que eu digo: «não é» e tu dizes: «é». Não leva a nada.

Diz-me, concretamente, o que é que faz com que esteja moralmente obrigado a manter a vida de outra pessoa.

Outra coisa: o facto de uma coisa ser imposta por lei não significa que não cumprir essa lei seja imoral. Por exemplo, eu não vejo que haja imoralidade ao beber muito álcool antes de conduzir, no entanto, a lei proibe-me de o fazer.

A minha redução ao absurdo. Imaginemos que eu tenho responsabilidade na manutenção da vida de outros. Se assim é, tenho responsabilidade na manutenção da vida de TODOS os outros e, como tal, todos os meus meios deveriam ser canalizados para tal. Ou seja, eu deveria fazer tudo ao meu alcance para salvar TODOS os que estão a morrer. Caso contrário estaria a ter um comportamento imoral. Não funciona assim, claramente.

Quanto à questão do SNS, estás a misturar as coisas e a partir de um pressuposto que acho errado - tal como expliquei nos pontos acima.

Bem lá me obrigaste a ir buscar uma definição de moralidade e para tal utilizei o wikipedia (por favor corrige-me se achares que está errado). Encontrei duas definições:

1. "In its first, descriptive usage, morality means a code of conduct or belief which is held to be authoritative in matters of right and wrong. Morals are arbitrarily created and subjectively defined by society, philosophy, religion, and/or individual conscience."

2. "In its second, normative and universal sense, morality refers to an ideal code of belief and conduct, one which would be espoused in preference to other alternatives by the sane "moral" person, under specified conditions. In this "prescriptive" sense , moral value judgments such as "murder is immoral" are made."

Na primeira abordagem diria que não prestares auxilio é imoral pois está assim definido pela sociedade, mas julgo que se ficasse por aqui julgo que ficariamos num redutor (como tu afirmaste no teu primeiro paragrafo) é assim porque é assim.

Vou utilizar então a segunda abordagem, ou seja como um codigo ideal de conduta. E comecemos pelo pela ultima afirmação do paragrafo:

"homicidio é imoral" Julgo que concordas com isso.

Concordarás também que um "cumplice de homicidio é imoral"

Posto isto convem dizer que homicidio é para mim quando retiras a vida do outro sem consentimento do mesmo. Ora um homicidio ou cumplicidade de homicidio pode ocorrer por acção ou inacção. Por acção será, por exemplo, quando disparas uma bala à cabeça do individuo o que te tornará num homicida. Por inacção pode ser quando tu sabes que o individuo A vai matar o individuo B e não fazes nada para o evitar, o que em ultima análise te torna pelo menos cumplice do homicidio.

Julgo que até aqui concordas com o que afirmei.

Vamos prender então a atenção a este ultimo caso. O caso em que por inacção tua (consciente) permitiste a morte indesejada de uma pessoa.

O que no caso que acabei de dar é imoral.

Deste exemplo posso concluir que é possível que uma inacção consciente que conduza à morte indesejada de uma pessoa é imoral.

Antes de continuar esta lógica (presumo que só amanhã) gostaria de saber se concordas ou não com esta minha ultima afirmação, e se não então porquê?
Stran a 10 de Julho de 2009 às 00:05

Não, não concordo.

Em primeiro lugar, as definições que dás de moral são definições da «cadeira», digamos assim, e não definições de moralidade. Dessas há milhentas (e acho que não concordo totalmente com nenhuma).

No caso que me deste temos uma situação em que A quer matar B e C sabe disso. Uma coisa é eu ter conhecimento outra coisa é ser cumplice. Não convém misturar. Se eu arranjar a arma, se eu arranjar o encontro, sou cumplice. Se eu simplesmente não fizer nada sou, no máximo, cobarde.

Curiosamente, a teoria ética que mais odeio por ser a mais escorregadia, o utilitarismo, defende que numa situação dessas não é errada a passividade, dado que intervir poderia causar para o C um destino pior que para o B.

Oi,

Bem então antes de avançar tenho de saber duas coisas:

a) qual é a tua definição de "moralidade"?

b) qual a tua definição de "cumplice"?
Stran a 10 de Julho de 2009 às 10:30

Perguntas difíceis, particularmente a primeira.

Não te sei dar uma definição de moralidade, até porque não estudei o suficiente sobre o assunto. Se bem que não me parece importante uma definição geral do que é ou não moralmente aceitável.

Tens razão na questão da cumplicidade, tem dois significados a palavra.
Ainda assim, continuo a achar que a conivência com um crime não é moralmente condenável.

Desculpa o atraso na resposta.

Sim são perguntas muito dificeis, a primeira então...

No entanto eu não estou interessado tanto numa definição "final" de moralidade, mas da tua definição, para perceber como é que tens a capacidade de determinar se algo é moralmente aceitável ou inaceitável, ou algo é moral ou imoral.

Julgo que é de vital importância porquanto tu colocas esta questão no campo da moral ou da ética.

E quando afirmas:

"Penso que este tipo de eutanásia é, sob todos os pontos de vista, imoral." então já tens incorporado dentro de ti uma moralidade e principalmente uma linha que faça a distinção entre moral e imoral. O que te pedia era que descrevesses abstratamente essa linha para podermos discuti-la e para eu conseguir compreender realmente a tua opinião.

Quanto à questão da cumplicidade:

"continuo a achar que a conivência com um crime não é moralmente condenável."

Imagina o Hitler, para ti ele não é moralmente condenável se só tivesse tido conhecimento dos campos de concentração?
Stran a 10 de Julho de 2009 às 16:49

Hitler é diferente. Tinha responsabilidade directa, mesmo que a decisão não fosse sua. Ele comandava e o que os comandados fazem é, em última análise, responsabilidade dele.

Quanto à minha noção de moralidade, traços gerais: é imoral toda e qualquer acção que envolva um abuso da liberdade de um indivíduo e que traga um ataque à liberdade de um outro. É mais ou menos isto. Há quem troque isto por direitos e assim...

1 - A questão da cumplicidade. Abstratamente, poderei afirmar que apenas acontece quando existe responsabilidade directa, então? O conhecimento do acto é ou não importante? E já agora o que o torna directa? No caso que deste era a hierarquia, mas quando não existe hierarquia?

2 - Obrigado. "é imoral toda e qualquer acção que envolva um abuso da liberdade de um indivíduo e que traga um ataque à liberdade de um outro."

Então a minha questão aqui para a eutanásia, é se a minha liberdade, neste caso de não ser tratado, apenas nasce quando eu formalizo através de determinado procedimento (testamento vital) ou se ela já está inerente à minha condição humana?
Stran a 10 de Julho de 2009 às 17:18

1. Cumplicidade, por definição, é tanto a participação directa como a conivência com o acto, pelo que não posso contestar a definição. No entanto, penso que há diferenças morais profundas entre as duas definições.

2. A liberdade é inerente à tua condição. Só que, a partir do momento em que vives numa situação em que pagas agora para obteres tratamento futuro, parte-se do pressuposto que o fazes sem ser porque queres. Assim, o que seria um atentado à tua liberdade/direitos seria o Estado rasgar o acordo que fez contigo unilateralmente.

1 - Quais?

2 - Se não levares a mal eu responderei amanhã que hoje fiquei sem tempo (desculpa).
Stran a 10 de Julho de 2009 às 17:49

1. Ajudar a fazer algo de mal é imoral. Não fazer nada quando se sabe (e se não se tiver nenhum tipo de responsabilidade) não é.

2. Ok. Hoje também já estou cansado... :)

1 - Como distingues abstratamente se a pessoa tem algum tipo de responsabilidade?

2 - Então se essa liberdade é inerente à pessoa, ela é independente do testamento vital. Se eu conseguir provar que a vontade dessa pessoa é que não seja tratado então ele não deverá ser tratado independentemente de testamento vital e pagamento para segurança social, correcto?
Stran a 11 de Julho de 2009 às 19:16

1. Tens de avaliar a situação, obviamente. Como é que se sabe se tens responsabilidade num crime?

2. Sim.

1 - Se a sua acção ou inacção (que a meu ver é uma forma de acção) contribui para que esse crime tenha ocorrido. Qual seria a tua resposta à tua pergunta?

2 - Então pelo nosso sistema bastariam duas testemunhas para provar que a vontade de determinada pessoa é não receber tratamento. Logo é concebível e aceitável que os familiares acabem por ser a "voz" da decisão de que um paciente recebe ou não o tratamento. Pelo que no final acabem por ser os familiares a decidir.
Stran a 11 de Julho de 2009 às 22:53

1. Desculpa lá mas a inacção não contribui activamente para que haja um crime. Tu achas que é minimamente aceitável seres responsabilizado pelo facto de eu partir um jarro? É que podias ter feito alguma coisa... sei lá...

2. Não olhes para o nosso sistema nesta situação. Imagina que há duas pessoas combinadas para fazer isso. É que o principal visado não se pode pronunciar! Não se pode aplicar o que há, por analogia, a tudo o que está por vir.

1. A inacção pode contribuir activamente para que algo aconteça. Aliás os meus exemplos demonstravam isso mesmo. No caso do ferido, a tua inacção (não telefonar) contribui activamente para que a pessoa morresse (caso telefonasses a pessoa vivia, caso não telefonasses a pessoa morria), no caso do homicidio acontece a mesma coisa (caso telefonasses não existia homicidio caso não telefonasses existia homicidio).

No entanto nem todas as inacções contribuem activamente e já agora directamente para que algo aconteça.

2. Esquece então o exemplo do nosso sistema, tudo o resto mantem-se, basta que alguém prove que tal era a vontade dele.
Stran a 12 de Julho de 2009 às 00:15

1. A inacção não contribui Stran. As coisas não são a preto e branco. A inacção apenas não contribui para o bom, da mesma forma que não contribui para o mau. O individuo que não telefonou não fez o outro morrer. O que fez o outro morrer foi outra coisa. O individuo apenas não o salvou, isso não significa que o tenha condenado a morte.

"O que fez o outro morrer foi outra coisa."

Isto levado a um extremo seria a desresponsabilização de quase todos os crimes.

Se empurrares uma pessoa que não sabe nadar para um lago, não é o empurrão que o faz morrer mas tão somente o facto de ele não saber nadar.

Figurativamente a acção e inacção são duas faces da mesma moeda.

Já agora, sobre a eutanásia e o testamento vital, já escrevi um artigo. Se quiseres ler, está aqui o link:
http://blogdotuga.blogspot.com/2009/07/testamento-vital-declaracao.html
Stran a 13 de Julho de 2009 às 11:53

Em relação á primeira parte do teu texto tens razão. Há uma diferença entre não voluntária e involuntária e já emendei no meu post. A questão é que se essa pessoa não expressar vontade isso quer dizer que se pode matar essa pessoa? Parece-me moralmente dúbio. Se alguém estiver em coma lá por estar em coma temos o direito de a matar? É isso que estou contra.

Eu percebo os teus argumentos Tiago e há lógica neles. É verdade que nós não temos obrigação nenhuma de ajudar os outros e muito menos de tratar de alguém, mas enfim utilizando um enorme cliché eu sentir-me-ia muito melhor se não se deixasse morrer alguém que não expressou a sua vontade só porque essa pessoa não contribuiu para a S.S ou assim.

Para mim tudo isto acaba por ir dar sempre à voluntariedade da eutanásia. Os casos em que o doente não expressa opinião são casos em que este está em coma ou por outra razão não é capaz de o fazer. Imaginemos então que a pessoa que está em coma é um homem que nunca pagou S.S e sempre viveu à margem da sociedade. Nós não temos realmente obrigação nenhuma para com ele. O Estado não tem obrigação nenhuma, mas eu continuo a achar que SE o doente não expressou opinião, não é certo deixa-lo morrer por causa disso.
Daniela Major a 9 de Julho de 2009 às 18:51

Daniela,

Nós concordamos só que ainda não percebeste ahah

É assim, eu defendo que não há uma obrigação moral, pelo que a eutanásia passiva (que não é matar, mas simplesmente deixar de manter vivo - o que é MUITO diferente) não é errada. Agora, obviamente, no actual sistema que temos, uma pessoa que não manifestou opinião não pode ser votada ao abandono - tal como escrevi no post 2. No entanto, num mundo alternativo, haveria essa possibilidade e essa seria a única saída: imagina que a família que mantém o doente deixa de ter rendimentos para o fazer...

Tiago, nós discordamos e concordamos (ahaha) É óbvio que não temos obrigação. É como se eu andar na rua e vir um tipo caído no chão. Não tenho obrigação nenhuma para com essa pessoa. Nem é imoral não o ajudar. Mas, pessoalmente continuo a achar que não é certo ou que não estaria a fazer o que devia. Eu sentir-me-ia mal. Contudo, é evidente que tenho consciência que esta questão especifica da não voluntária passiva (não no caso da eutanásia involuntária) está aberta a interpretação pessoal e este pequeno debate mostrou-me isso

Obviamente sentimo-nos mal quando outros estão mal e sabemos que o ideal é ajudar. No entanto, não podemos daí retirar conclusões erradas...

É para isto que servem os debates. Mas deixa que já aí vem a involuntária.

E olha, quando é que vens para o Sapo? Isto aqui é muito melhor que o Blogger!

(até arranjo maneira de teres um blogue todo catita ahah)

Sinceramente Tiago desde aquela conversa que tivemos na apresentação do livro eu fiquei a pensar nisso. Tenho que arranjar tempo (esta minha mania de arranjar sempre mil coisas para fazer em férias!!!!) para fazer uma coisa bem feito. Depois pensei em mandar-te um mail para me ajudares ;);););)

Então manda-me e a gente fala por mail sobre isso. Nem precisas de mexer uma palha quase...

Depois de assistir a este debate, que está interessante. Penso que posso deixar umas perguntas, para já:

- Tudo começa pela definição de moral, sem ela não se pode discutir se é moral ou imoral, certo?

- Achas mesmo que se não existirem condições financeiras por parte de uma família, deve-se deixar morrer o doente?

- Consegues imaginar uma sociedade onde não se preste assistência a ninguém, onde cada um pode deixar o seu semelhante morrer porque não acha que tenha obrigação disso?

- Ajudar o próximo é bom, mas não é imoral não ajudar?

- Afinal para que serve a moral se é facultativa?
Daniel João Santos a 9 de Julho de 2009 às 19:46

1. Sim.

2. Se ninguém quiser ajudar, não há nada a fazer...

3. Consigo, apesar de achar que seria uma péssima sociedade essa feita por gente que não faz coisas boas.

4. Não.

5. A moral não é facultativa.

Tiago,
Peço desculpa, mas não li os comentários todos.

Baseias as tuas conclusões numa ética contratualista. Uma ética deste tipo tem bastantes problemas.

O contratualismo pode ser a solução para um problema do estilo do do dilema do prisioneiro: estamos numa situação em que se cooperarmos saímos todos beneficiados. Na vida real, se vivermos em sociedade sairemos beneficiados também. Assim é imoral romper o contrato.

A primeira objecção é óbvia: os motivos pelos quais aceitamos o contratualismo são interesseiros: cooperando ficamos melhor. Esta concepção de moralidade tem os mesmos problemas que o egoísmo ético, que afirma que a acção moral é a que visa o sucesso do agente. Se não aceitas o egoísmo ético, não podes aceitar o contratualismo.

Dir-me-ás: aceito o contratualismo não por motivos interesseiros, mas porque o contratualismo é a teoria ética que nos deixa a todos melhor. Cooperando, todos beneficiamos.

A objecção a isto é óbvia: a tua ética neste caso não é contratualista mas utilitarista. Tu apenas achas que o contratualismo permite maximizar a utilidade. Isto é falso porque há situações em que romper o contrato maximiza a utilidade: por exemplo, matar hitler seria uma acção boa numa visão utilitarista, mas má numa visão contratualista pois quebraria uma regra do contrato: não matar.

Além disto, o contratualismo leva-nos a situações absurdas: vamos supor que numa sociedade vigora um contrato e noutra outro. Assim tu admitirás que numa sociedade a acção A é boa, mas noutra não, só porque os contratos são diferentes. Finalmente, tu não te poderias opor à escravatura se vivesses uns séculos atrás, pois segundo o contrato social vigente os escravos eram coisas. Repara que nesse sentido todas as acções que quebrassem o contrato social, acções fora-da-lei, são imorais para ti. Ghandi era mau, Jesus também e Maomé muito mais!

Poderias tentar alterar o contrato para que este fosse mais justo. Mas se o fizesses estavas a socorrer-te de um conceito de uma moral não contratualista. Com que critérios farias tais mudanças? Não contratualistas, claro! Basta pensarmos bem que a noção de contrato simplesmente nada tem que ver com a de moralidade.




Concordo quando dizes que a eutanásia voluntária é moral. O Estado não tem que interferir num contrato que não lhe diz respeito. Por outro lado, é de expectar que esse tipo de eutanásia terá mais consequências positivas do que negativas, senão não era feita.

Quanto à eutanásia não voluntária, não acho que tenhas razão. Por um lado, a concepção contratualista falha. Por outro, o ser a ser morto não tem muitos direitos: se não é autoconsciente ou autónomo nem poderá recuperar essa condição, é essencialmente uma coisa que sofre ou frui. Assim sendo, se a sua vida traz mais sofrimento do que prazer, a ele e aos que o rodeiam, não vejo porque deverá ser prolongada.

Cumprimentos!

P.S.:gostei dos textos. Espero que não leves a mal as críticas. Sobre ética aconselho a leitura do "Elementos de Filosofia Moral" de James Rachels. Lê-se bem e é muitíssimo interessante. Vê a recensão da Crítica se estiveres interessado. http://criticanarede.com/fa_13.html







João Pedro a 9 de Julho de 2009 às 19:50

Era isto mesmo que eu queria dizer :)).
l.rodrigues a 9 de Julho de 2009 às 20:46

Começo pelo fim: nunca aceito mal críticas, principalmente quando são destas. :)

Vamos lá ao conteúdo: ignorância minha, não sei o que queres dizer com ética contratualista. Descobri há pouco que defendo algo próximo de Rawls, uma ética dos direitos. Sinceramente de rótulos não percebo muito, apesar de os achar muito engraçados e facilitadores.

Adiante: eu só uso a questão do contrato ponto da eutanásia voluntária por achar que se pode fazer uma analogia com um modelo de contrato simples que duas pessoas aceitam. Quando duas pessoas tomam uma decisão sobre si próprias (como casar) ninguém tem de se intrometer.

No caso da eutanásia não voluntária, penso que no nosso modelo de sociedade (sobre o qual não faço agora juízo), ou seja, enquadrando o problema na nossa realidade, esta não pode ser aceitável. Pelo facto de que já anteriormente pagaste os teus tratamentos - o contrato impõe isso - e, como tal, não me parece correcto que o contrato seja alterado unilateralmente. Ou seja, seja apenas o Estado a romper o contrato sem o consentimento do outro outorgante.

Porque é que dizes que um ser que não é autoconsciente nem autónomo não tem direitos? Quando ele assina um contrato vitalício, esse contrato não tem de ser respeitado até que ele morra?!

Relativamente ao exemplo do Schopenhauer também acho que ele não é feliz. Ele pode achar que a vida só traz sofrimento. Assim, ele acha que matar é bom, pois encurta vidas, que são más. Este exemplo não derrota o utilitarismo: a acção de Schopenhauer é má simplesmente porque a vida não é só sofrimento. Para o utilitarismo, uma acção boa não é aquela que visa promover o bem-estar geral. É aquela que efectivamente o promove. E a acção de Schopenhauer não o faria. Todos ficaríamos pior se um louco nos tentasse matar embora ele achasse que a sua acção era um bem. Mas não é por ele achar que a sua acção é um bem que ela deixa de ser má.

Quanto à diferença entre matar e deixar morrer já escrevi qualquer coisa na incontornável Crítica. Se estiveres interessado, está aqui, nos comentários.
http://blog.criticanarede.com/2009/07/eutanasia.html#comments
João Pedro a 9 de Julho de 2009 às 20:01

O exemplo do Schopenhauer foi para «gozar» e dar uma pitada de graça ao texto. Troca Schopenhauer por psicopata. O que eu contesto é a ideia de que como achamos que a pessoa está em sofrimento podemos decidir matá-la (eutanásia não voluntária activa).

Eu tenho essa distinção pensada e até descobri que há mais quem defenda isto, o que é sempre uma agradável surpresa. Talvez num próximo post aborde o problema.

Tiago,

Obrigado pela resposta. Talvez eu me tenha precipitado na crítica ao contratualismo. Vejo que esse não é de todo um tema importante para o debate.

O problema do teu argumento é que assumes que o tratamento é uma melhor opção que a eutanásia. Nós pagamos os nossos impostos para recebermos bons cuidados de saúde. Por vezes, o melhor cuidado é mesmo uma morte sem dor. Lá porque pagamos impostos isso não implica que tenhamos de receber tratamento em todas as circunstâncias: há casos em que a melhor opção é mesmo a morte.

A eutanásia não voluntária refere-se a pessoas que estão num estado em que não são autónomas ou racionais (vulgarmente chamadas vegetais) e que não poderão nunca recuperar desse estado. Assim sendo, o que é que as distingue de objectos? A sua capacidade de ter prazer ou sofrimento. Logo, se, ao equacionar o seu sofrimento e o de outras pessoas, concluirmos que causam mais sofrimento do que prazer (em todas as suas variantes), matá-las é um bem.

Cumprimentos!

João Pedro a 10 de Julho de 2009 às 01:02

1. A questão dos impostos é por mim colocada porque acho que o actual sistema de organização não pode permitir que se pare o tratamento de alguém - já que matar sem consentimento é, para mim, homicídio. É a organização social que não o permite. Parte-se do pressuposto que o José, imaginemos, aceita este modelo de organização social e, como tal, quer ser tratado. Ser tratado significa tentar curá-lo e julgo um pouco estranho o argumento da morte como o melhor tratamento.

2. A eutanásia não voluntária refere-se a pessoas que simplesmente não manifestam a sua opinião, não necessariamente a esse tipo de pessoas. Ora, dou-te um problema: imaginemos que um individuo está a dormir. Ele não está autoconsciente nem racional. Será que é legítimo que o matemos? Poderás dizer-me que é um estado temporário (gosto especialmente deste argumento), mas quem não te diz que um coma ou um estado vegetativo não o são também? Quem te diz que não se encontrará a cura para essas doenças?


ATENÇÃO: eu coloco estas questões apenas e só devido à nossa realidade. Numa realidade paralela em que não tivessemos esta organização social, a eutanásia não voluntária (e mesmo a involuntária) passiva não seriam práticas imorais.

A questão, é uma questão médica.
Pelo que o Tiago diz, se calhar era melhor congelar todos os cadáveres em câmaras criogénicas (como alguns mortos endinheirados fizeram) na esperança de um dia reverter a situação.

Há padrões cerebrais que são identificáveis e que permitem prever com razoável precisão a capacidade de recuperação ou a irreversibilidade de um caso.

Veja o caso recente (uns 4 anos?) e mediático de Terri Schiavo:

http://en.wikipedia.org/wiki/Terri_Schiavo_case

e em contraponto, alguém que está mais viva do que aparenta:

http://www.time.com/time/printout/0,8816,1580394,00.html

Que é uma questão médica sei eu, agora não se pode decidir matar alguém por simples apelo à ignorância. «Como não sabemos a cura, não há cura, logo, mais vale matar». Isto, numa universo paralelo, era aceitável. Na nossa organização social, não.

Faça um favor a si mesmo e leia ao menos o artigo do Steven Pinker.

Farei esse favor a mim mesmo assim que conseguir.

Tiago,

"já que matar sem consentimento é, para mim, homicídio."

Se partes desse pressuposto claro que considerarás a eutanásia não voluntária imoral.

O que defendo é que há situações em que matar é um bem, quando, por exemplo, quem tu matas não é verdadeiramente uma pessoa, mas já foi e nunca poderá recuperar esse estatuto. Nesse casos matas uma coisa que sente prazer ou dor. Nós somos muito diferentes.

Na nossa organização social, está implícito que se deve tratar um doente. O que digo é que isso está mal e que há casos em que matar o doente é muito melhor: nos tais casos da eutanásia.

Cumprimentos
João Pedro a 10 de Julho de 2009 às 13:20

Mas, repara, é ou não um homicídio?

Os motivos que levam ao homicídio até o podem justificar, tenho de pensar melhor sobre o assunto, mas que é um homicídio, é.

Parece-me que vou ter de ir investigar um bocadinho mais, nomeadamente o pensamento do Singer, para ter uma posição mais fundamentada...

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