A máfia da blogosfera
08
Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 09:36link do post | comentar

Tal como na questão do aborto, em relação à qual fui construindo uma posição de princípio com alguma investigação sobre o assunto, gostaria de escrever aqui sobre a Eutanásia. Provavelmente levarei alguns posts a expor o que penso, mas já vai fazendo falta aqui ao pardieiro qualquer coisinha mais compostinha.

Existem vários tipos de eutanásia e até existem derivados. Para facilitar, vou dividir a eutanásia em três tipos: acto voluntário, acto não voluntário e acto involuntário. Neste primeiro post vou começar por aquela que considero eticamente aceitável, independentemente de tudo o resto: a eutanásia voluntária.

Existe nas sociedades actuais um direito fundamental: o direito a viver (penso que a formulação ideal seria «o direito a não ser morto», o que seria menos bonito, mas mais eficaz). No entanto, do direito a viver não se pode inferir que haja uma obrigação de viver. Significa isto que se eu não quero viver mais, seja por que motivo for, não há ninguém que tenha o direito a obrigar-me a manter-me vivo contra a minha vontade - é absurdo.

Ora, chegados aqui, coloca-se-nos o problema fundamental: sim senhor, quero morrer, mas e se não conseguir tratar do assunto sozinho? Sim, porque é este o problema fundamental, que o suicídio ainda não é, nem pode ser, proibido. Fundamentalmente, temos de nos perguntar se é legítimo que peçamos a alguém que nos mate - não gosto do eufemismo de 'ajudar a morrer' - de modo a que a nossa vontade seja satisfeita. Para responder a isto, proponho que se pense num modelo de contrato. Imaginemos que eu quero contratualizar com alguém uma determinada coisa. O contrato só toma lugar se ambos os outorgantes o quiserem assinar. Se os assinarem, passa a ser um problema deles e só deles, pelo que mais ninguém se pode intrometer. Mesmo que o contrato não seja vantajoso para uma das partes, aos olhos dos outros, claro está; não há nada de eticamente condenável: ambos aceitaram as condições. No caso da eutanásia, um doente contratualiza com um médico uma coisa: a sua morte. O médico, se quiser, aceita, se não quiser, não aceita. Caso o médico aceite, não é legítimo que o colectivo se intrometa no contrato que é privado.

Para fazer uma analogia que me parece interessante, imaginemos o caso de eu, na rua, pegar numa senhora e lhe começar a dar palmadas no rabo com muita, muita força. Nesta situação, obviamente, estou a fazer algo de errado: estou a agredir uma senhora, com a agravante de lhe estar a mexer no traseiro. Imaginemos, por oposição, que eu e a minha companheira apreciamos o sado-masoquismo. Numa das nossas sessões dou-lhe precisamente as mesmas palmadas no rabo, porque ela me pede. Neste caso pode afirmar-se que há um procedimento errado da minha parte? Não, porque tudo o que fiz foi de acordo com a vontade da pessoa a quem fiz.

Por, no caso da eutanásia voluntária, se tratar sempre de uma matéria de decisão pessoal do próprio doente e do profissional ou familiar que o ajuda, defendo que é necessário que se permita o procedimento.


Não me parece que viver possa ser reduzida a um contrato entre duas pessoas.

O suicídio assistido é um assassinato de alguém sobre alguém.
Daniel João Santos a 8 de Julho de 2009 às 11:48

«O suicídio assistido é um assassinato de alguém sobre alguém.»

Sim. Mas se for consentido, não há problema.

PR a 8 de Julho de 2009 às 12:26

O suicídio assistido, prestado a pessoas que sofrem e fisicamente deixaram de ser donas do próprio destino, e portanto o desejam, é um acto de compaixão.

Coisa que não tem que ver com contratos.

Concordando com a conclusão do Tiago, fico com a pulga atrás da orelha porque cheira-me que a melhor defesa para isto não é propriamente a que recorre aos principios do direito comercial.
l.rodrigues a 8 de Julho de 2009 às 12:39

Ó Luís,

A sua argumentação é que me deixa com a pulga atrás da orelha. Imagine que eu, Tiago, saudavelzinho ao que sei, lhe pedia para me matar e o Luís aceitava. Seria igualmente aceitável e, no entanto, não era nada a ver com compaixão. Era um desejo satisfeito.

Não há necessidade de temer tudo o que é «contrato».

Não creio que fosse bem a mesma coisa.
E eu recusaria.
Se está saudável da silva, não tem nenhuma razão com a qual eu possa empatizar (este é o conceito chave, creio). Não conte comigo.

Nesse caso, teria que recorrer a um psicopata, suspeito. Ou a alguém que lho fizesse a troco de dinheiro ou outra vantagem pessoal. O que para mim tem implicações éticas.

Luís,

Se o Luís recusaria, é problema seu. Mas a verdade é que não há nada de imoral nisto.

Não é imoral, de facto. É apenas amoral.
l.rodrigues a 8 de Julho de 2009 às 17:42

Como é simples a vida, ou a ausência dela, quando estudamos um pouco!
manuel gouveia a 8 de Julho de 2009 às 14:44

Não costumo publicitar o que escrevo, abro uma excepção porque o fiz há já algum tempo:

http://direitodeopiniao.blogs.sapo.pt/471595.html
António de Almeida a 8 de Julho de 2009 às 18:53

Quando está dentro da discussão até acho positivo que se publicite o que se escreveu. O pior é quando é off topic.

Quanto ao texto, caro António. Acaba por misturar duas coisas: a eutanásia a pedido do próprio e a eutanásia sem ser a pedido do próprio. Eu acho a primeira aceitável. A segunda não.

Pessoalmente continuo com dúvidas, considero totalmente aceitável o suicídio medicamente assistido, uma vez que é feito pelo próprio, apenas beneficia da garantia médica que não falhará, ficando com sequelas. Também aceito o testamento vital, desde que o mesmo tenha um prazo de validade, tornando obrigatória, a quem o entenda fazer, a sua revalidação, porque não faz sentido que um médico tome uma decisão respeitante a um paciente de 50 anos, que foi tomada quando este tinha 25.
António de Almeida a 8 de Julho de 2009 às 23:10

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