Lembro-me que há uns meses houve uma polémica entre Henrique Raposo e Vital Moreira acerca das fisgas institucionais que o primeiro diz serem insuficientes e o segundo acha adequadas. Pois eu tendo a concordar com a análise de Henrique Raposo. Segundo a Constituição da República Portuguesa, esta manta de retalhos construída ao longo dos últimos trinta anos, em termos de interferência directa na governação, o Presidente da República tem as asas cortadas.
Segundo a lei fundamental, deparado com uma situação de incompetência gritante, ao Presidente da República apenas resta a dissolução da Assembleia da República. Isto é profundamente incoerente com o próprio texto. Se observarmos as competências do Presidente da República em relação a outros órgãos (art. 133.º), cabe-lhe nomear, a título de exemplo, os ministros. No entanto, e sendo obviamente responsabilidade sua a nomeação dos mesmos, a partir do momento em que são aceites, apenas respondem perante o Primeiro Ministro e nunca por nunca podem ser demitidos pelo Presidente da República (art. 191.º). É o Chefe de Estado que os nomeia, mas não lhe é dado o poder para os demitir, caso se lhe afigure necessário. E mesmo para demitir o governo, e não a Assembleia da República, é necessário que haja uma situação de perigo para a democracia (art. 195.º). É impressionante como é mais fácil para o Presidente da República desfazer uma coisa feita pelos eleitores (o Parlamento) que uma coisa feita por si próprio (o governo por si nomeado).
Julgo que a próxima legislatura levará a uma percepção do grave problema de tudo isto e que, muito provavelmente, haverá lugar para uma nova revisão constitucional que dê mais margem de manobra ao Chefe de Estado. Se assim não for, estamos condenados a um longo período de guerra fria entre órgãos de soberania.