Quando se discute ética há sempre que fazer uma distinção forte entre o deve-se e o faz-se. Segundo os nossos padrões culturais, a ética rege-se por princípios definidos, sendo a questão do limite da liberdade um belo exemplo. Princípios gerais de conduta que devem ser respeitados. Por exemplo não matar e não infligir dano a outro. Porquê? Porque são abusos da minha própria liberdade, claro está.
A questão é que nem sempre respeitamos estes princípios. O caso da tortura e a perspectiva que o Samuel dá são belos exemplos. Por princípio não é aceitável que se torture quem quer que seja por motivo algum. Afinal, torturar é fazer algo errado segundo os nossos padrões morais e o facto de o torturado ter feito algo de errado não legitima que o torturemos. Significa isto, caro Samuel, que a escolha entre torturar alguém ou deixar que essa pessoa torture ou mate outros é sempre uma escolha entre duas coisas profundamente erradas por princípio. Se houver uma situação como a da ticking bomb, o decisor, seja ele qual for, vai apenas ter de optar pela possibilidade que se lhe afigura menos má. Isto não significa, de todo, que a tortura seja legítima nesta situação ou seja moralmente aceitável. Significa apenas que de entre todo o mal possível, este é o menos mau.
De qualquer modo, tenho objecções quanto ao argumento de Rand. Não há nada que nos diga que, por princípio, a existência é o mais alto dos valores. O caso dos fundamentalistas islâmicos é um bom exemplo de como uma escala de valores com uma longitude diferente da nossa já coloca a existência num plano secundário e o divino num plano primordial. A reflexão de Rand faz muito sentido para a nossa cultura, a ocidental (a actual!), mas não faz sentido algum para quem olha para o divino como o mais importante de tudo. Afinal, eles estão dispostos a abdicar da própria existência, o que demonstra tudo. Penso, portanto, que não é por aqui que se legitima a tortura. E reitero a conclusão do parágrafo anterior: se houver uma situação limite em que as duas alternativas são moralmente condenáveis, optar pela menos má não a faz eticamente aceitável, mas apenas e só a menos má.