O vazio ideológico que domina tanto a direita como a esquerda em Portugal, e claro que em ambos os termos coloco umas gigantescas aspas por não considerar que haja verdadeiramente disso no nosso país, leva a que, neste momento, já não se discutam ideias, mas pessoas. O que se discute nestas eleições não é a social-democracia socrática ou a social-democracia ferreira-leitista que, tirando algumas questões quase fracturantes, propositadamente fracturantes porque resta muito pouco para discutir, são iguais. O que se discute verdadeiramente são as personalidades dos líderes. A mudividência de José Sócrates, a idade de Ferreira Leite, a arrogância do primeiro, a fraca capacidade de comunicação da segunda. Tudo questões que não deveriam importar a absolutamente ninguém quando vota. Quando se votar em Outubro, não vão aparecer as larocas carinhas de cada um, mas sim o símbolo dos partidos que deveriam ter por detrás ideias, ideologia. Falta isso em Portugal. E essa falta de ideologia tanto de um lado como do outro, a febre da realpolitik, leva a que o João Távora defenda que a direita se deve unir, leva a que o André Abrantes Amaral defenda que a direita se deve unir, leva a que, em Lisboa, comunistas, bloquistas e socialistas se juntem contra o demoníaco monstro da AD alfacinha. Leva a que todos se perguntem pelos motivos de José Sócrates não pertencer ao partido Social Democrata ou pelos motivos de o CDS não se fundir no PSD. Este vazio, que conduz, claro está, ao oportunismo e incoerência apenas fortalece as forças radicais que, pelo menos, têm marcas ideológicas muito bem definidas e não mudam de ideias a cada semana que passa. Chega de votar no A ou no B. É preciso começar a votar-se em ideias e para isso é preciso que haja ideias. Por isto, aquilo que se deve pedir aos partidos, já que entrar no meio é uma missão quase impossível, não é que façam melhores fintas aos jornalistas para que ganhem com margem reduzida daqui a três meses. O que é preciso pedir aos partidos são cartas de princípios, manifestos, ideais. Coisas palpáveis, coisas que se possam discutir. Isto para que toda o comentário político nacional não seja em torno dos cabelos brancos que Sócrates vai ganhando ou da quantidade de netos que Manuela Ferreira Leite já tem.