A máfia da blogosfera
18
Jun 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 13:15link do post | comentar

 

Bloco de Esquerda - O Programa Eleitoral (1)

 

O Jorge Assunção faz aqui um belo exercício de desmontagem daquilo que é a propaganda do Bloco de Esquerda. Todos sabemos que o Bloco, como é apanágio das forças radicais demagógicas, seja de que lado do espectro político for, está em estado de graça na sociedade portuguesa. Provavelmente o exercício é inútil, mas nos próximos posts vou escrever sobre o Programa Eleitoral do Bloco de Esquerda.

O Programa «A Política Socialista para Portugal», que está, ao que parece, em discussão pública, tem um conjunto de 10 medidas a implementar em cem dias, caso o Bloco seja governo. Vou analisá-las uma a uma.

 

1ª medida:

Plano de emergência para a criação de emprego Revogação do Pacote Laboral e da sua regulamentação, restabelecendo os direitos de contratação colectiva e reduzindo para 1 ano o período de contratação temporária. Criação de emprego e a redução da precariedade e pobreza, através de medidas anti-recessivas de apoio ao investimento, à formação profissional, em particular dirigidas a desempregados de longa duração e jovens nos distritos mais atingidos. Proibição de despedimento em empresas com lucros.

 

Esta é uma medida bem ao estilo da propaganda fácil do contra-poder. Deus quer, o homem sonha, o Bloco faz. A primeira proposta a negrito é, para além de um repisar em algo absurdo que é a obrigação das empresas em passar os empregados aos quadros passados alguns anos de contrato, é errada por dois motivos: em primeiro lugar o princípio é inaceitável - o Bloco quer que através da lei se condicione a capacidade negocial num contrato entre privados. Se o Bloco quisesse implementar isto na Função Pública, ainda se poderia aceitar, impor isto aos privados é um abuso do poder. Em segundo lugar, se de princípio é errado, na prática não há-de ser melhor. Esta medida vai levar, ao contrário do que o Bloco julga, a uma situação muito complicada para as novas gerações. Tal como muito bem aponta Henrique Raposo por diversas vezes n' A Caipirinha de Aron, os direitos adquiridos dos mais velhos tem sido um estorvo tremendo às novas gerações que se vêem com dificuldades acrescidas para competir no mercado de trabalho - competir contra a lei é algo de muito complicado. Esta medida vai trazer uma situação em que a maioria dos jovens ficará numa mesma empresa apenas um ano, o que impossibilitará mostrar o valor, dado que os primeiros meses são mais de adaptação que de trabalho árduo. Se em três anos de contrato é difícil, quase impossível, tirar o lugar a outro, quanto mais com um escasso ano de contrato. A pretensa medida social será desastrosa de implementada.

A segunda proposta a negrito é algo de inominável. Se julgávamos que o Bloco apenas tinha criado o cartaz para «efeito», enganámo-nos. Proibir despedimentos é uma das bandeiras do partido. E esta forma de colocar a questão «proibir, mas só nas empresas com lucros» é uma bela forma de tentar captar eleitorado contra o «capital». No entanto, uma reflexão mais aprofundada permite-nos retirar dali aquele «com lucros». Vamos ser lógicos: só uma empresa com lucros subsiste, uma empresa sem lucros é uma empresa falida. Como uma empresa falida não pode, por definição, dar empregos - coisa que o Bloco certamente estará a tratar - restam todas as outras. O que o Bloco quer fazer é proibir os despedimentos em todas as empresas, o que vai trazer problemas seríssimos para além de ser, novamente, um abuso, uma veia totalitária, e não temo o termo, pois a ir avante, um projecto como estes significaria uma intromissão intolerável do Estado na gestão das empresas privadas e na contratualização entre privados. Em muito pouco tempo deixaríamos de ter investimento estrangeiro, a economia ficaria completamente isolada do Resto do Mundo e os próprios agentes nacionais iriam preferir investir num outro lado. No fim, restaria a colectivização de toda a economia. O comunismo soviético está lá sempre.

No próximo post, irei abordar mais uma medida do partido de Francisco Louçã.


"Vamos ser lógicos: só uma empresa com lucros subsiste, uma empresa sem lucros é uma empresa falida. Como uma empresa falida não pode, por definição, dar empregos - coisa que o Bloco certamente estará a tratar - restam todas as outras. O que o Bloco quer fazer é proibir os despedimentos em todas as empresas"

Uma "empresa sem lucros" não é uma "empresa falida" - uma empresa pode não ter lucro e não estar falida, e (mais raro) pode estar falida mas ser lucrativa:

exemplo 1:

Activo 100.000 euros

Passivo 60.000 euros
Capital 50.000 euros
Lucros -10.000 euros

exemplo 2:

Activo 100.000 euros

Passivo 120.000 euros
Capital -30.000 euros
Lucros 10.000 euros

A empresa tem prejuízo mas não está falida; a 2 está tecnicamente falida, mas até tem lucro.

De qualquer forma, os empresários passam a vida a queixar-se que é praticamente impossível despedir em Portugal, logo, se eles estiveram a falar verdade, em que é que esta medida (que, recordo, é apenas para os despedimentos colectivos) iria provocar uma grande tragédia?
Miguel Madeira a 18 de Junho de 2009 às 14:56

Miguel,

Ok, tem razão. Mas ambos sabemos que uma empresa tecnicamente falida muito dificilmente se aguenta. Para além disso, empresas falidas a dar lucro não são assim tantas, suponho. De qualquer modo, percebe-se o ponto.

No segundo argumento, o Miguel diz-nos, basicamente, que já que já há tantas complicações, qual é o problema de impor mais algumas? A questão de base é se as complicações são ou não uma coisa boa. No meu caso são um abuso do poder executivo/legislativo pois o colectivo está a intrometer-se em questões privadas.

"Ok, tem razão. Mas ambos sabemos que uma empresa tecnicamente falida muito dificilmente se aguenta. Para além disso, empresas falidas a dar lucro não são assim tantas, suponho."

De qualquer forma, o meu ponto até era mais o outro: de que uma empresa pode dar prejuízo sem estar falida.

Eu ia salientar a forma precipitada como o Tiago se lança nestas análises. Mas depois li o o comnetário anterior.
Ignora o nossos bloguista , que os bancos não emprestam dinheiro a quem não está efectivo. Ou seja, o efeito multiplicador de riqueza, depende dessa "segurança" no trabalho.

Sem ela, não se compram carros, nem uma casa. E não se comprando casa, nãos se compram talheres, suportes para os rolos de papel higiénico, dispensadores de sabão líquido para o lavatório, esfregões para a louça, a máquina de lavar e o ferro de engomar, e muitas, muitas outras coisas!
manuel gouveia a 18 de Junho de 2009 às 15:32

Manuel,

Estás-me a responder a um problema com um problema por ele causado. É óbvio que os bancos, neste momento, só emprestam a quadros, porque os outros são precários. Enquanto uns têm uma protecção legal ilegítima, outros batalham muito mais duramente para poder competir. Um contratado contra um quadro é uma competição completamente desigual.

Depois, nos EUA o tempo de permanência numa mesma empresa é muito mais reduzido que cá. Vais-me dizer que lá os bancos não emprestam?

Emprestavam em barda... Agora desconfio que nem por isso...

Não percebi.

Sub-prime... Crise de crédito não lhe diz nada?
l.rodrigues a 18 de Junho de 2009 às 22:31

Sempre, mas, sempre foi assim, não é um sintoma dos tempos ou resultado da crise! Os bancos só emprestam a quem está nos quadros ou tenha fiador, que tenha essa garantia!

Quanto aos EUA, são diferentes de Portugal, lá nunca houve pessoas nos quadros e por isso a mentalidade desenvolveu-se de outra forma, mas tu não estás nos EUA, nem consegues importar o modelo, para começar não tens os empresários que existem por lá, que consideram que os bons ordenados e produtividade andam de mãos dadas!

Sempre, mas sempre tivemos uma legislação laboral rígida. O que te pergunto é: nos EUA onde não há propriamente essa ideia de que todos têm de ser quadros, não há crédito?

Esta crise até mostrou que havia crédito a mais.

Ó Tiago. Nos EUA não existem quadros! Por isso o sistema financeiro sempre funcionou com a realidade existente, tal como cá. Só que cá sempre, sempre, sempre emprestou a quem estava nos quadros e a menos que o estado dê garantias isso não vai mudar.

Repara que eu não tenho esse problema. Os que vão entrar agora no mercado de trabalho é que vão ser os doutores e os engenheiros sem crédito!

Eu estou no quadro e posso ir ao banco negociar, logo à partida, um crédito ao consumo com um spread pela metade do que o fulano que não está no quadro e que tem que apresentar fiador.

Exactamente.

Disseste tudo, tudo neste comentário.

A lei colocou-te a ti e a centenas de milhar, milhões, no quadro. Quem entra agora, está desgraçado.

Se tiveres oportunidade aconselho-te vivamente A Caipirinha de Aron do Henrique Raposo. Ele aborda isto de forma espectacular.

Então porque me preocupo mais do que tu!

Não percebi.

Era uma pergunta. Porque me preocupo eu com a degradação salarial, quando eu tenho o "meu" problema resolvido?

Vocês têm mesmo certeza que nos EUA não existem quadros?

Pelo menos o artigo da wikipedia sobre o "at-will employment" dá-me a ideia que a regra do "poder despedir à vontade" só se aplica nos casos em que não haja um contrato dizendo o oposto (a haver esse contrato, será mais ao menos a mesma coisa que um "quadro", não?)

Saudações!

Encontrei o blog na Crítica e não fiquei desapontado.
O autor tem uma escrita clara e agradável e pensa por si próprio.

Gostei muito deste post.
É surpreendente para mim o número de pessoas que considero inteligentes e que apoiam o Bloco, um partido com medidas infantis.
É como o Tiago diz, além de ter tiques totalitaristas que ninguém vê (principalmente o típico jovem de telemóvel no bolso, que diz que vota no Bloco), tem propostas catastróficas para o futuro de todos nós.

Cumprimentos
João Pedro a 18 de Junho de 2009 às 23:07

Curioso, a Crítica não me linka. Foi na caixa de comentários?

Muito obrigado pelos elogios :)

Cumprimentos

Foi, sim senhor.
Li o post, achei que estava bem escrito e resolvi clickar no nome e passar pelo blog.

Cumprimentos!
João Pedro a 19 de Junho de 2009 às 12:17

Tiago,

Antes demais um enorme pedido de desculpas por ter abandonado a nossa discussão anteriormente sem ter dito nada (se tiveres interessado em continuar diz qq, ou então fica para uma outra altura).

Outra nota inicial é para dizer que não concordo com estas medidas do BE. No entanto gostava de discuti-las.

Julgo que cometes um enorme erro de analise quando utilizas os chavões de "demagógicas" e "totalitárias" a estas medidas. É uma visão errada e simplista destas medidas (embora não utilizes as mesmas como base de sustentação da tua posição).

Além disso eu acho que estas medidas são uma oportunidade para abordar temas-tabu que normalmente não são discutidos na sociedade.

Vivemos um periodo em que não se questiona muito o status quo (e falo no médio prazo). Nomeadamente não se discute o dogma do "Lucro". Esse dogma que está instalado à muito tempo é visivel nesta tua seguinte afirmação: "só uma empresa com lucros subsiste, uma empresa sem lucros é uma empresa falida."

Como o Miguel bem apontou, uma empresa sem lucro sobrevive. Essa máxima só é válida no longo prazo e não no curto (e algumas vezes no médio) prazo.

Ora por exemplo, nesta questão da proposta do Bloco é necessário saber se isto é uma medida conjuntural de curto prazo ou um valor a defender sempre.

Por outro lado, esse mesmo dogma tens desvirtuado por completo as "regras" da sociedade. Nos ultimos tempos todas as medidas têm sido tomadas para atingir esse objectivo: que as empresas tenham lucros (por exemplo é um dos argumentos máximos para a liberalização do mercado laboral).

Ora isto desafia qualquer lógica de investimento, pois ao se garantir lucros às empresas retira-se por completo o risco, ao se retirar o risco então os lucros têm de diminuir brutalmente para uma taxa pouco superior à taxa de rentabilidade das Obrigações do Estado e além disso aumentar exponencialmente os trabalhadores pois são eles que ficariam com o risco do negócio.

Por exemplo, tivemos a maior crise financeira dos ultimos tempos, a minha duvida é: os bancos tiveram um prejuizo acumulado de quanto? E as maiores empresas tiveram um prejuizo de quanto?



Stran a 19 de Junho de 2009 às 14:55

Caro Tiago,

Usar a tag "demagogia" na análise de uma proposta económica, retira parte da seriedade a essa análise. Mais a mais quando se cometerm duas falácias:
- usar o livro de um iletrado económico como o H Raposo para discutir economia;
- mais grave, negar todo o código civil e o código das sociedades comerciais. Porque o que faz o estado aí senão limitar a liberdade contratual entre as partes?
O liberalismo tem direito à vida, mas se negar o seu enquadramento jurídico desvanece-se. A autoeuropa e as barbaridades que o Ricardo Arroja disse sobre ela motivaram o mais recente post e este exemplo de evitar o trabalho precário ser uma violação da liberdade é um exemplo acabado de, desculpa que o diga, "tiro no porta aviões".
Carlos Santos a 19 de Junho de 2009 às 16:39

Carlos,

Isto não é uma proposta económica. Antes disso é uma proposta política. E a política feita pelo BE é uma política demagógica. Interferir deste modo em assuntos privados é uma questão puramente política. Efeitos económicos vêm depois...

Usar um livro de um «iliterado económico» não é uma falácia. Uma falácia é uma falha de raciocínio. Para a questão em causa nem era a parte «económica» que interessava. Para além disso, não foste tu quem me disse há uns tempos que quem não sabia de Economia não era necessariamente burro e até podia dar bons contributos? Até me apresentaste uma série de Prémios das Ciências Económicas atribuídos a não-economistas...

Não é grave opor-me ao que o Estado faz, que eu saiba. A questão é simples: não pode haver limitações de liberdade contratual. Se o contrato for assinado de livre vontade entre duas partes o colectivo não tem nada que se imiscuir.

Diz-me uma coisa:
Decorre desse raciocínio que te opões às exigências de capital (só a título de exemplo) que o Código das Sociedades comerciais faz para um conjunto de pessoas decidirem livremente formar uma sociedade anónima? Isto é, o teu problema é apenas com o Código de trabalho ou achas que qualquer código que limite a liberdade negocial é "ilegítimo"?
Quanto ao Henrique Raposo, referi-me nesses termos a ele só porque o próprio remeteu-me uma vez para um economista para fundamentar as suas posições. Mas no essencial queria perceber a primeira parte: se para um liberal clássico, como disseste uma vez preferir designar-te, o estado pode produzir um código que regula contratos entre privados (ex, o código civil regula contratos promessa de compra e venda entre privados, por exemplo)?

Eu não disse liberal clássico, disse liberal à moda antiga. Mas esses epítetos são desnecessários. Chama-me Tiago que eu não te chamo comunista (hipérbole, não te ofendas).

Não estou muito por dentro dessa questão. Obviamente estás mais informado que eu. Sei que há limitações para formar Sociedades Anónimas, mas não sei os argumentos que as sustentam, logo não posso dizer simplesmente que me oponho.

Carlos, a minha definição é geral: para mim todos os contratos entre particulares deveriam ser unica e exclusivamente da sua responsabilidade, desde que sejam assumidos de livre-vontade.


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