Por que cresce a “extrema-direita” na Europa?
Antes de mais, quero agradecer ao Tiago Moreira Ramalho o simpático convite para publicar um texto n' O Afilhado no âmbito do aniversário do blogue.
Tendo em conta os resultados das recentes eleições europeias e os inúmeros disparates que se ouvem sobre a "extrema-direita" (um conceito que é usado imprecisamente para englobar realidades tão distintas como o British National Party no Reino Unido, o Partij voor de Vrijheid na Holanda ou o Vlaams Belang na Flandres), ocorreu-me que esta seria uma boa oportunidade para recordar um texto sobre o caso inglês que escrevi em 2006 para o número 19 da revista Atlântico. Creio que será a primeira vez que o texto aparece integralmente na blogosfera (já que nunca o publiquei n' O Insurgente) e, modéstia à parte, apesar de ter quase três anos, parece-me que resistiu bastante bem à passagem do tempo e que muito do que lá escrevi se mantém pertinente. Aqui fica pois o texto:
Na última Atlântico, Rui Ramos, em artigo centrado na realidade portuguesa, referiu-se aos segmentos que gostam de invocar para si o título de “direita dura” como constituindo, na realidade, uma direita esquerdizada. Salientou também que são segmentos cuja actuação interessa à esquerda, precisamente por corresponder de forma quase perfeita à representação caricatural que esta gosta de fazer da direita. É, sem dúvida, uma tese interessante, mas valerá a pena salientar também que, na conjuntura actual da Europa, cabe à direita liberal mostrar ser capaz de enfrentar os problemas estruturais (e, não menos importante, os desafios civilizacionais) com que o continente se confronta. Se isso não acontecer, não será de espantar que a proclamada “direita dura” volte a emergir como uma força relevante na arena política europeia.
Um exemplo desta dinâmica provém do Reino Unido onde, nos últimos anos, o Partido Nacional Britânico (BNP) cresceu de forma significativa. A ponto de os resultados nas recentes eleições locais (em que o BNP conseguiu fazer eleger mais de 30 vereadores) e nas eleições europeias de 2004 (em que o BNP obteve uns expressivos 4,9% dos votos) terem feito soar os alarmes. A verdade é que, em termos de eleições legislativas, o número de votos no BNP tem vindo continuamente a crescer desde os valores mínimos de 1987 (curiosamente coincidentes com o governo de Margaret Thatcher). Mais: não fosse o sistema “First Past the Post” em vigor no Reino Unido (segundo o qual, recorde-se, em cada círculo uninominal é eleito logo à primeira volta o candidato mais votado, mesmo que não tenha uma maioria absoluta) e o BNP já teria provavelmente representação em Westminster.
Um segundo bom exemplo, embora de natureza bastante diferente, é o caso do United Kingdom Independence Party (UKIP). Fundado em 1993, na London School of Economics, por Alan Sked e um conjunto de personalidades (na sua maioria conservadores desiludidos com a deriva europeísta dos Tories e a incapacidade do partido para se opor ao aumento do poder de Bruxelas) o UKIP advoga de forma inequívoca a saída do Reino Unido da União Europeia. Em 2004, nas eleições europeias, teve um resultado ainda mais expressivo do que os 4,9% do BNP: conquistou 12 lugares no Parlamento Europeu, obtendo cerca de 16% dos votos.
Acresce que, tanto o UKIP como o BNP, conseguiram esses relativos sucessos eleitorais apesar de serem partidos com graves problemas internos, inconsistências programáticas e limitações a vários níveis. No caso do BNP – a mais recente encarnação de uma linha de organizações de direita nacionalista que nunca foram particularmente bem sucedidas no Reino Unido – é notória a falta de quadros, para além de o partido enfrentar sérios problemas financeiros e com a justiça britânica, além de um forte bloqueio mediático.
Já o bom desempenho, no início dos anos 1930, do New Party – liderado pelo carismático (e ex-trabalhista convertido ao fascismo) Oswald Mosley – acabou por ser de curta duração; o mesmo aconteceu com as várias organizações e movimentos nacionalistas que nasceram ao longo das décadas seguintes, que também nunca atingiram uma expressão significativa de forma sustentada.
Por outro lado, o UKIP, para além de ser percepcionado como um partido de objectivo único, tem também uma longa série de conflitos internos na sua breve história. Aliás, logo em 1997, o fundador Alan Sked abandonou o partido, tendo desde então vindo a acusar o UKIP de albergar elementos extremistas. Sem esquecer que os euro-deputados do UKIP são frequentemente alvo de acusações de incompetência grosseira pela sua actuação em Estrasburgo.
Assim sendo, como explicar os progressos recentes de partidos como o BNP e o UKIP?
Uma boa parte da resposta deverá passar pelo facto de no Reino Unido (como em outros países da Europa ocidental) a auto-proclamada “direita dura”, apesar de todas as suas limitações, estar a conseguir capitalizar de forma crescente a insatisfação de importantes segmentos da população com a ausência de reais alternativas às políticas da esquerda em várias áreas cruciais. Um vazio de alternativas que é notório em matérias como o alinhamento pleno das principais forças europeias de centro-direita com a transferência de cada vez mais poder para Bruxelas, a inexistência de uma agenda económica verdadeiramente liberalizante e reformista, o laxismo face à criminalidade e desordem pública, a subserviência às desastrosas utopias do multiculturalismo e a incapacidade de combater seriamente os fluxos de imigração ilegal.
A evolução recente no Reino Unido ilustra bem que não basta apontar as limitações e incoerências da direita anti-liberal para lhe retirar o campo de manobra e estancar as suas perspectivas de crescimento. Cabe à direita liberal apresentar propostas mobilizadoras, consistentes e verdadeiramente alternativas à agenda da esquerda demonstrando assim que as acusações de “moleza” são desprovidas de fundamento.