O DIA DELE
Passa um ano de Tiago Moreira Ramalho, a solo, na blogosfera. Quando me sopraram quem era o Tiago, fiquei surpreendido. Deve ser atípico da sua geração o que, como ele terá tempo para verificar, só lhe trará dissabores. Dito isto, e sem qualquer pretensão «amiguista» que não cultivo em lado algum, apraz-me registar a coincidência de datas. É que hoje comemora-se o «dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas». Desta vez é em Santarém. Oficia António Barreto que substituiu o recém desaparecido Bénard da Costa nas funções de «mestre de cerimónias». O regime do Doutor Salazar aproveitava o dia para, na Praça do Império, condecorar os órfãos e as viúvas dos "heróis" ultramarinos e meia dúzia de sobreviventes estropiados. A democracia continuou neste registo - se bem que de uma outra forma, já sem órfãos, viúvas mas com uma nova “categoria” socio-política, os deficientes das forças armadas -, isto é, com o mesmo patético propósito de celebrar essa mítica entidade denominada Portugal. Aquilo que, em Salazar, consistia no reforço do regime no seu "núcleo duro" ideológico - a defesa do "Ultramar" -, transformou-se, com o regime instaurado pelo 25 de Abril, na mais confrangedora banalização da "distinção" através de veneras e de condecorações atribuídas a torto e a direito. Praticamente já não sobra ninguém para condecorar. A elite oficial satisfaz-se onanisticamente nestas comemorações anuais que nada dizem ao país "real" e em que, geralmente, as "comunidades" e Camões ficam discretamente de fora. O que é que existe, na sociedade e no regime portugueses, digno de ser comemorado ou celebrado? Fora o sol, o mar, alguns petiscos, umas vagas linhas de alguns "escritores" e "ensaístas", a beleza de alguns corpos e rostos, resta pouca coisa. A paisagem física foi praticamente devastada pela estupidez e pela concupiscência. E o "retrato" humano e social é de uma endémica e irrevogável pobreza franciscana onde pontificou, desde sempre, a barbárie da ignorância. Em suma, o "dia de Portugal" serve apenas para celebrar o enorme embuste que é a nossa verdadeira realidade. Uma realidade que se traduz na mesma "austera, apagada e vil tristeza" cantada no século XVI por Camões, afinal o maior esquecido no dia que é dele.