As cataratas de Ana Jorge
Perante a hipótese recente de cidadãos nacionais que estejam em lista de espera para procedimentos médicos serem tratados no estrangeiro, no âmbito de uma proposta da Comissão Europeia nesse sentido, a senhora Ministra da Saúde entendeu agora apresentar um entrave bastante original, no mínimo. Diz Ana Jorge que só estará de acordo com esta solução alternativa «se essas propostas garantirem que todos os cidadãos possam beneficiar delas». Perceberam? A Ministra explica melhor, enfim, tenta: "Todos podem ter acesso do ponto de vista teórico, mas no fundo, na prática, quem tem acesso é quem tem maior capacidade de acesso à informação e maior capacidade financeira para poder vir e depois ser reembolsado", disse Ana Jorge no final de uma reunião dos ministros da Saúde da UE no Luxemburgo. E por isso o assunto ficou assim mais uma vez adiado ‘por alguns meses’ sem que ninguém tenha a mais pequena ideia de quantos anos serão. Eu cá fiquei a pensar no assunto e lembrei-me de uma reportagem recente de Carlos Enes, na TVI, que acompanhou um grupo de centena e meia de portugueses a Cuba para tratamentos oftalmológicos pelos quais esperaram anos e anos a fio em Portugal sem que houvesse sequer uma hipótese de aqui os realizar (alegadamente por falta de médicos da especialidade no hospital distrital da sua zona de residência, na prática por falta de vontade política do governo para resolver o problema). Muitos destes portugueses estavam cegos há vários anos, quando em muitos casos uma simples observação teria detectado o seu mal e um simples procedimento técnico impedido a sua cegueira, dando-lhes uma qualidade de vida que nunca conseguiram merecer no país onde nasceram e pagam impostos. Depois foram a Cuba, por iniciativa de um autarca empreendedor e de lá vieram curados, renascidos para a vida. Muitos deles já não conheciam o rosto dos seus familiares mais directos, que tinham deixado de ver há anos. E neste momento são já mais de trezentos os cidadãos de Vila Real de Santo António que foram tratar-se a Cuba sem gastar um tostão. Lá trataram os olhos e, por iniciativa dos médicos locais, lá aproveitaram para tratar o resto que os afligia, doenças de ossos, de pele e outras, e de lá vieram como novos, menos velhos sobretudo. E continuam a ir, às dezenas de cada vez, com uma lista de inscrições que parece nunca mais acabar. E a voltarem curados, tratados com dignidade. Pois quando agora eu ouço a senhora Ministra da Saúde falar em adiar por alguns meses esta hipótese de solução europeia para os doentes nacionais (sendo que estamos a poucas semanas de eleições legislativas, por um lado, e que algumas das pessoas que poderiam beneficiar deste protocolo provavelmente não sobreviverão à espera, por outro) eu cá fico na dúvida atroz, juro. Não sei se é maldade, estupidez ou mera incompetência o que faz Ana Jorge falar assim. Mas sei que alguém devia mandar esta senhora a Cuba para tratar a asneira que lhe sai em cataratas, isso sim.