A máfia da blogosfera
30
Mai 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 12:54link do post | comentar

Comprei o i. Todos os sábados o faço porque não perco as crónicas do João Carlos Espada e a revista do Pedro Rolo Duarte. Folheando, dando uma primeira vista de olhos, interesso-me pela entrevista de Manuela Moura Guedes, pela secção Europeias do Radar e pelos artigos da Helena Roseta e do Rui Ramos, mais do do segundo que do da primeira, apesar de as diferenças de fundo não serem assim tantas. Depois deparo-me com uma das piores coisas que já tenho lido em jornais: um Quiz, qual revista Bravo, com o título "Serei de esquerda ou de direita?". O autor, creditado pelo facto de ser professor universitário de Teoria Política, é João Cardoso Rosas. O questionário é vergonhoso. Destaque para algumas questões:

 

"Salazar foi um grande homem e merece toda a nossa consideração"

Concordar inteiramente com a afirmação é considerado ser de direita. Discordar inteiramente é ser de esquerda.

 

"Tudo indica que Sócrates tem culpas no caso Freeport"

Concordar inteiramente com a afirmação é considerado ser de direita. Discordar inteiramente é ser de esquerda.

 

"Devemos rezar todos os dias à Nossa Senhora de Fátima para que proteja Cavaco Silva"

Concordar inteiramente com a afirmação é considerado ser de direita. Discordar inteiramente é ser de esquerda.

 

"O desejo de mudança é muito importante; é o que faz progredir o mundo"

Concordar inteiramente com isto é ser de esquerda. Discordar é ser de direita.

 

"Vamos construir o mundo de todas as cores, multicultural e miscigenado"

Concordar inteiramente é sr de esquerda. Discordar é ser de direita.

 

Numa coisa tão simples como um questionário tonto desdes é-nos dado mais um excelente exemplo da mentalidade pequenina que domina Portugal. Do lado da esquerda está a virtude, a moralidade, o respeito pela democracia. Do lado da direita está o racismo, a religiosidade beata, a reacção e o desrespeito pela liberdade. E o mais brilhante: considerar que um suspeito de um caso judicial pode ser culpado é ser de direita, sendo o oposto um exemplo de esquerdismo.

Repitam comigo, ad aeternum, como faziam as ovelhinhas no Animal Farm: esquerda bom, direita mau.


Ora toma! Afinal é tão simples destingir a direita da esquerda!

manuel gouveia a 30 de Maio de 2009 às 13:55

Acreditas mesmo que são estas as diferenças?

Bem talvez um pouco redutor... mas...

Por exemplo: quem fez esse inquérito deve-se julgar de esquerda, mas afinal é só mesmo parvo!

Embora admita que algumas das perguntas são de um refinado sentido de humor.

Tiago,

Não comprei o i, mas a avaliar pelas perguntas do questionário espero que exista alguma ironia nesse questionário... se toma isso por sério, coitado.
Jorge Assunção a 30 de Maio de 2009 às 14:46

Se há ironia, é muito, demasiado, subtil...

Abraço

Excelente Tiago!Bom se um professor universitário da área da Ciência Política acha que é isto que distingue entre direita e esquerda, então temos que deixar de condenar o povo português em geral pela sua iliteracia política...
Samuel de Paiva Pires a 30 de Maio de 2009 às 15:26

Precisamente! Daí eu ter mencionado a parte do prof universitário. Enfim, é o que há...

Não achas que tiraste uma conclusão, também ela, demasiada redutora ao apelidares de "mentalidade pequenina que domina Portugal". Honestamente esta coisa de constantemente acharmos que só os outros são burros ou incultos, não só transmite a imagem de escritor iluminado, como, pela sua constante repitição começa a ser demasiado chata. Se calhar depois de estarmos duzentos anos a dizer o mesmo era altura de inovar...
Stran a 30 de Maio de 2009 às 16:54

Por acaso nem me tenho assim em tão boa conta. Se o transmito é culpa desta impessoalidade do 2.0. Eu acho que neste aspecto os portugueses são pequeninos. Não estou propriamente a fazer a apologia da direita, estou apenas a dizer que em Portugal as pessoas sentem emoções pelos partidos em vez de os analisarem com base na razão. Ai o meu pê-pê-dê!, ai o meu pê-ésse!. É tonto. E estas emoções pelos partidos acaba por passar para a própria coisa da direita e da esquerda - que acho um aburdo (consideração que é dada como sendo de direita pelo quiz). As pessoas não dizem o que pensam em cada momento. Dizem que são de direita ou de esquerda. Nutrem afecto pelos termos. Como há mais pessoas de esquerda em Portugal e o discurso político está dominado pela esquerda, a esquerda é boa e a direita má.

Compreendo que as pessoas sintam emoções em política. Aliás, há provavelmente bases afectivas para defendermos determinadas causas. Mas sei o que quer dizer e concordo: "a esquerda é boa e a direita má". Conheço gente, no meu curso de direito (sublinhe-se o curso, onde supostamente as pessoas são mais politicamente esclarecidas), que chega à conclusão de que é do PS porque a esquerda "se preocupa com as pessoas".
E não há argumentos meus que se consigam sobrepor a tamanha verdade inquestionável. Ser de direita é ser execrável e desumano. Os de direita são aqueles tipos que não querem saber dos outros, que não têm ética.
E ponto final: o resto é tudo treta. São só palavras desenquadradas; porque a verdade está lá dentro, entranhada, e essa verdade é que "a esquerda é boa e a direita é má". Suponho que não haja nada a fazer quanto a isto.

PS: também me recordo das reacções a um famoso sketch dos Gato Fedorento, em que um Marx ressuscitado perguntava a José Sócrates se era mesmo de esquerda. Toda a gente achou muita piada, ninguém questionou a questão ou o "questionador". A esquerda é, mais do que a mainstream portuguesa, uma enorme qualidade.
Maverick47 a 31 de Maio de 2009 às 00:20

Dois pontos:

1) Não desvalorizes tantos as emoções, afinal estão na base da nossa racionalidade e permitem-nos tomar decisões de um forma rapida e com elevado grau de sucesso;

2) Desculpa a minha provocação, mas eu tenho-te em grande consideração. E não só nos artigos de opinião (embora a maior parte das vezes não concorde), como na maneira como abordas os problemas (que não é com as ovelhas de orwell), e também nos dois artigos livres que já li teus (que achei excelente).

Já agora quanto aquela frase, só acho que a nossa pequenez não é assim tão grande, pelo contrário, talvez nos falte colocar as pessoas certas nos lugares certos (por exemplo e recuperando uma discussão perferia 1000000 ver-te como cronista do que o Coutinho, claramente a tua qualidade supera a dele)
Stran a 31 de Maio de 2009 às 01:24

Eu diria mesmo:
em pequenez, somos os maiores do Mundo!
:)
essagora a 31 de Maio de 2009 às 11:03

E noutras coisas também...
Stran a 31 de Maio de 2009 às 11:21

Por acaso também fiquei incomodado com o quiz. Até pensei escrever sobre isso mas vejo que não é preciso, porque não fui o único a notar, e o Tiago identifica muito bem alguns problemas, a que acrescento alguns.

Encontrei perguntas francamente despropositadas, mas não só. Há hipóteses dúbias, que podem ser interpretadas de diversas formas. E a construção faz com que haja respostas desadequadas às hipóteses. Para além, é claro, de questões que podem servir para se fazer um enquadramento da posição do indivíduo face ao poder, mas não dar uma resposta ideológica.

Mas o maior problema é a desactualização. Um especialista nesta matéria deveria saber que já não se fazem testes lineares direita-esquerda. Ao invés disso, parte do velho pressuposto de que o quadrante político se faz de ideologias compactas, que as pessoas compram em "pacote".

Há vários testes na net (moral-politics, compass) que não têm os problemas deste.

Mas o que esperar de quem aparece nos tempos de antena do PCTP-MRPP?
Maverick47 a 31 de Maio de 2009 às 00:05

de facto é das coisas mais idiotas que já li... então a questão sobre o sr. silva e n.s. de fátima... desde quando é que o sr. silva é de direita? faz lembrar aquando da sua eleição, apenas um comentador, VGM, é que teve tomates para se congratular pela vitória da esquerda nas presidenciais... e aliás, a (im)postura do sr. silva como presidente só o tem confirmado... se o quiz era suposto ser humorístico... coitadinho...
caodeguarda a 1 de Junho de 2009 às 10:47

Claro que é ironia.
M a 18 de Janeiro de 2012 às 15:04

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