A máfia da blogosfera
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Mai 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 19:13link do post | comentar

Alguns autores têm defendido uma flexibilização laboral agora, em tempos de crise, para que se diminua o desemprego. Já manifestei várias vezes (aqui e aqui) que defendo uma liberalização dos contratos laborais, por achar que, em primeiro lugar, não faz sentido o Estado criar leis que beneficiem uma parte da população e, em segundo lugar, que não faz sentido o Estado interferir em contratos seja do que for (raciocínio que me leva a ser, por exemplo, a favor do casamento entre homossexuais). No entanto, a minha veia utilitarista obriga-me a admitir que, neste quadro, seria muito mau que se procedesse a uma flexibilização total do emprego ou a uma diminuição das prestações sociais. Passo a explicar.

Considero que algumas das mais graves desigualdades sociais provêm precisamente da interferência do Estado no mercado de trabalho (aqui, aqui e aqui), nomeadamente, porque leva a que haja uma deslocação maciça da população para um tipo de trabalho que, tendo já muita oferta, acaba por ser remunerado de forma bastante acima do expectável (quanto ganharia um empregado da indústria têxtil se não houvesse ordenado mínimo?). No entanto, e apesar de ter a firme convicção que se trata de, em certo modo, apagar o fogo com gasolina, julgo que cabe ao Estado tentar corrigir alguns dos desequilíbrios que cria (motivo pelo qual não vejo possível acabar, a curto prazo, com a Educação e o Sistema de Saúde públicos e algumas - não todas - prestações sociais).

É por isto que acredito apenas ser possível proceder a uma liberalização da economia num período de expansão - como aquele que se seguirá à presente crise. Acabar agora com o salário mínimo, com as prestações sociais ou com os serviços públicos na sua generalidade levaria a que, como escreve o João Rodrigues, se acrescentásse crise à crise.

Não termino, no entanto, sem referir que é em épocas de crise que os Estados se devem reestruturar. Acabar com financiamentos e apoios despropositados - são tantos no nosso país - e fazer, quem sabe, cortes acentuados aos salários dos funcionários públicos nos últimos escalões, como aos professores, que ganham mais do que os finlandeses com a mesma profissão, apenas para dar um exemplo.

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Mais do que ter o ciclo económico como justificação ou não da flexibilização dos constractos de trabalho, julgo que enquanto não terminar o motivo que está inerente a essa "interferência" dificilmente a flexibilição trará algo positivo às pessoas.

Para mim é a a circunstancia de as duas pessoas nãos estarem em pé de igualdade que faz com que não se possa flexibilizar este mercado...
Stran a 3 de Maio de 2009 às 19:02

Partilho dessa preocupação Stran. Mas a verdade é que se perpetuarmos a presença do Estado na economia, os problemas serão muito maiores.

Se, numa fase anterior, os Estados repartiam os rendimentos arbitrariamente, sem ligar ao mérito e competênciam e isso deu maus resultados (veja-se as desigualdades enormes no pós revolução industrial), pedir aos Estados que se metam por outra via, a de não premiar o mérito e, para além disso, o penalizarem, ao tratarem os bons e os maus de forma igual, apenas levará a um atraso tremendo. Afinal, Stran, se tivermos assegurado um rendimento que nos permita viver confortavelmente e se não tivermos perspectivas de que poderemos ser melhores que os outros, o que nos fará esforçar?

"...se tivermos assegurado um rendimento que nos permita viver confortavelmente e se não tivermos perspectivas de que poderemos ser melhores que os outros, o que nos fará esforçar?"

Espero que não leves a mal, mas julgo que existe uma para das pessoas que te escapa completamente. Nesta parte refiro-me ao "assegurado um rendimento que nos permita viver confortavelmente".

Dou-te o caso do subsidio de desemprego (e já agora do outro também, o de sobrevivência). Todas as pessoas imaginam que quem está nesses casos são pessoas que estão contentes, afinal recebem e não trabalham não é?

Nada mais falso! já conheci muitas pessoas que estiveram nessa situação e honestamente todas odiaram esse periodo. Psicologicamente é terrivel e não é o espectro de ficarem sem rendimento que os deprime, é a sensação de inutilidade. (e honestamente é por isso que me oponho a esses discursos de que os desempregados são preguiços pois é um insulto autentico a milhares de pessoas).

E esta necessidade de utilidade é independente do rendimento e é uma fonte de motivação para uma pessoa se esforçar.

No meu blogue escrevi um artigo (que um dia espero que possas ler) sobre o drive que tem sido utilizado desde o inicio da humanidade e que, para mim, tem de ser abandonado se quisermos dar um passo em frente. Esse drive é o medo. Até agora todos os modelos são assentes nesse pressuposto e pensa-se que é o mais eficiente de todos e o que produz os melhores resultados. A minha experiência enquanto gestor é que não, se encontrarmos outro drive de motivação somos muito mais eficientes e produtivos.

Na segunda parte do teu comentário: "e se não tivermos perspectivas de que poderemos ser melhores que os outros" tenho que te dizer que sendo liberal (no sentido ideologico da palavra) e por conseguinte individualista eu não me esforço para me ser melhor que os outros, mas para me aperfeiçoar. Aliás um problema é que em Portugal as pessoas confundem qualidade com seres melhor que os outros o que é falso.

Outro ponto é que eu não defendo o egualitarismo puro (todos recebem o mesmo independentemente do esforço), no entanto sou contra a disparidade que existe, principalmente em Portugal, país onde essa disparidade não assenta principalmente no mérito.

A finalizar gostava de te lançar um desafio: o que é para ti o mérito?

P.S. gostava que respondesses pois um futuro artigo que vou escrever é sobre o fundamento da riqueza e este é um tema que vou abordar e para o qual gostava de ter mais opiniões do que a minha.

Ora aqui está um grande comentário, para acordar.

Stran, sejamos objectivos: há pessoas que querem trabalhar e para quem os subsídios são uma fase má e outras para quem esses subsídios são maná caído do céu. Não tem nada que ver com racismo, é apenas um exemplo: vê alguns feirantes que não declaram rendimentos e recebem casas, subsídio de inserção e mais uma série de benefícios sociais que, no fim, os fazem viver melhor que uma família a receber o ordenado mínimo (tira à família a prestação da casa e a conta é simples). Ou seja, há um número enorme (sim, porque 1 único já seria demasiado) de pessoas que vêem estes subsídios não como a única forma de sobreviver, mas como uma forma de ter umas continhas familiares melhores. É assim que funciona e qualquer pessoa que não tenha constrangimentos consegue perceber isto.

Mais uma coisa sobre o que é ser humano, Stran: a história de nos aperfeiçoarmos é uma treta. Isto é a conversa que as pessoas têm para suavizar aquilo que realmente somos: invejosos. Repara, ser melhor que os outros é dos maiores, se não mesmo o maio, estímulo à produção. Queres ter a melhor mulher, que os teus filhos tenham a melhor vida, é assim. É claro que há uma vertente de realização pessoal, mas o facto de haver outros mais realizados faz-nos querer correr para ai.

Olha que a forma de acabar com esta disparidade, baseando-nos no mérito (que é aquilo que defendo), não passa por tirar a uns para dar aos outros, mas sim permitindo aos pobres estabilizar-se sem que tenham de depender do resto da sociedade. É como aquele ditado chinês: não lhes dês peixe, ensina-os a pescar.

Mérito? Pergunta difícil. Simplificando, acho que se traduz por seres o melhor possível naquilo para que te propões.

"Ou seja, há um número enorme (sim, porque 1 único já seria demasiado) de pessoas que vêem estes subsídios não como a única forma de sobreviver, mas como uma forma de ter umas continhas familiares melhores. É assim que funciona e qualquer pessoa que não tenha constrangimentos consegue perceber isto."

Eu compreendo isso, o que nos diferencia é a actitude perante os factos. Ambos concordamos que existem quem mereça este subsidio e quem não mereça, no entanto tu preferes penalizar que merece para evitares que exista alguem que receba sem merecer, eu prefiro premiar quem merece mesmo que corra o risco de pagar a quem não merece.

Num mundo perfeito só pagarias a quem merece e não pagarias a quem não merece, só que esse mundo perfeito não existe, por isso na realidade tens de optar entre uma opção e outra.

O que é para ti mais injusto?

"Stran: a história de nos aperfeiçoarmos é uma treta. Isto é a conversa que as pessoas têm para suavizar aquilo que realmente somos: invejosos."

Talvez tenhas razão, talvez seja por isso que não me adapte.

No entanto existe uma coisa que estás enganado: o ser-se melhor pode significar duas coisas (e não apenas uma):

- és melhor que os outros;
- os outros são piores que tu;

Parece o mesmo, mas não é, e honestamente, julgo que a sociedade portuguesa é mais parecida com a segunda opção e a sociedade anglosaxónica com a primeira e isso faz toda a diferença.

"Queres ter a melhor mulher, que os teus filhos tenham a melhor vida, é assim."

Bem aqui temos mesmo uma filosofia de vida diferente, e este exemplo é do mais longe do que se assemelha à minha filosofia de vida.

"É claro que há uma vertente de realização pessoal, mas o facto de haver outros mais realizados faz-nos querer correr para ai."

Sim, mas para mim o foco principal está em , mim, na minha realização pessoal, e não nos outros....

"Olha que a forma de acabar com esta disparidade, baseando-nos no mérito (que é aquilo que defendo), não passa por tirar a uns para dar aos outros, mas sim permitindo aos pobres estabilizar-se sem que tenham de depender do resto da sociedade. É como aquele ditado chinês: não lhes dês peixe, ensina-os a pescar."

Defendo exactamente o mesmo quanto ao mérito, mas a questão de "tirar a uns para dar aos outros" não concordo com essa visão e julgo que é uma questão acessória à questão do mérito.

Honestamente gostava de viver numa sociedade em que a pobreza e a disparidade de rendimentos não existisse como existe hoje, no entanto, e por enquanto o "mercado" ainda não contribui para que isso aconteça.

P.S. Então não foi Cristo que disse isso?

Em relação aos subsídios tu colocas a questão de um modo em que ou é assim ou é assado. No entanto há outra opção: deixar aos privados a decisão de ajudar ou não. Instituições de Solidariedade Social e ajudas particulares: haveria menos no geral, mas se calhar haveria mais para quem mais precisa.

A questão da 'inveja' e de querermos superar os outros é uma teoria muito minha e com a qual pouca gente concorda porque ninguém gosta de se assumir menos bom. Mas parte muito daquilo que observo: 'quero ser rico'. Porquê? Porque há outros que são ricos e a vida deles é melhor que a minha. Funciona desta forma.

A questão de tirar a uns para dar a outros tem tudo a ver com o mérito. Se tu adquirires tudo com o suor do teu trabalho e depois vier alguém tirar-te isso para dar a outro que não trabalha, muitas vezes porque não quer, sentes-te desmotivado para ser bom. É preferível fazer como o outro que depende de ti.

Se foi Cristo, não sei. Julgava que o ditado era chinês. Seja de quem for, é do mais verdadeiro que há.

"Em relação aos subsídios tu colocas a questão de um modo em que ou é assim ou é assado."

Peço desculpa por ter sido isso que transmiti. No entanto não é assim que eu penso. Para ser honesto mais do que ser o Estado ou privados a fazerem-no, interessa-me que tal seja efectivamente feito. Normalmente é assim que começo a debater (muitas vezes internamente). Depois, bem depois tento ver o que é que aconteceria num caso, ou noutro caso e acabo por tentar descurtinar o lado positivo e negativo de cada opção. Ou seja a minha posição não aparece por ver só uma opção mas de considerar que a opção que defendo tem mais lados positivos do que as outras opções (algo que é sempre passivel de mudança).

"A questão da 'inveja' e de querermos superar os outros é uma teoria muito minha e com a qual pouca gente concorda porque ninguém gosta de se assumir menos bom."

Bem tenho de admitir que a posição que defendi também é muito minha, e talvez fundamente-se na minha personalidade (sou um optimista pragmatico). Por exemplo a questão de uma pessoa se assumir menos bom, para mim não é um problema. Um exemplo, um dia quero ser escritor, e obviamente sou menos bom que o Saramago. Tenho inveja dele? Não, pelo contrário, porque por ele existir e estabelecer novas "fronteiras" permite-me ter uma meta muito mais elevada. E isso é verdade para o Saramago, como para qualquer pessoa que escreva melhor do que eu.

Eu vejo em quem é melhor do que eu um parceiro que me ajuda a ficar melhor pessoalmente.

"'quero ser rico'. Porquê?"
Para ser livre, tão simples como isso. Para realmente poder optar e não ver as minhas opções limitadas por factores que estão fora do meu controlo.

"A questão de tirar a uns para dar a outros tem tudo a ver com o mérito."
Interessante como temos visões tão diferentes mas neste ponto quase que concordamos a 100% (no meu caso só retiraria o "tudo").

Eu diria que a redistribuição da riqueza tem a ver com o mérito. Pois só existe realmente mérito quando as pessoas partem de um inicio comum e têm igual nível de liberdade e de oportunidades.

E caso não existisse essa redistribuição em Portugal, ainda existia um maior desincentivo a uma pessoa ser boa. Pois se uns estariam à partida muito limitadas nas suas opções, sabendo a priori que não poderiam por isso atingir um patamar elevado, outros não tendo competição só tinham incentivo a manterem as condições como estão (Portugal é um bom exemplo de como a fraca mobilidade social tem implicações directas no fraco incentivo a uma pessoa ser boa).

Já agora sabias que existe uma maior mobilidade social nos países nórdicos do que nos USA?

Já agora, um motivo pelo qual defendo que deve existir redistribuição é porque as pessoas falham per si em fazer uma distribuição assente minimamente no mérito e no esforço.

"Seja de quem for, é do mais verdadeiro que há."
Concordo totalmente. A questão de Cristo era uma mera curiosidade minha.

Por acaso pegaste num ponto sobre o qual tenho pensado bastante: a questão das oportunidades. Vou ter de pensar muito nisto: prós e contras de uma via imediatista que permita a todos as mesmas oportunidades assentando isso num princípio ético duvidoso ou ir por uma via mais ética (não olho para o utilitarismo como uma fonte de respostas) e defender uma mudança mais sólida.

Tal como escrevi naqueles textos das desigualdades sociais, a verdade é que as Monarquias até aos finais do século XIX e século XX criaram imensas desigualdades e partir de um patamar de igualdade de oportunidades talvez não seja uma má via, uma forma de corrigir o erro. Enfim, coisas para estudar no futuro.

Fico então a aguardar então o artigo sobre este tema (que honestamente me interessa muito).

Espero que não me leves a mal mas julgo que no teu comentário cometeste um erro de pensamento (e por favor corrige-me se estiver errado):

"uma via mais ética (...) e defender uma mudança mais sólida"

Julgo que a solidez da mudança não está relacionada com a etica dessa mudança, mas sim com a sua sustentabilidade. O que se aplica neste caso às duas opções.


Stran a 10 de Maio de 2009 às 17:43

No caso, não. A via mais ética é, ao mesmo tempo, a via mais sólida. Se os 'pobres' tiverem de recuperar em relação aos 'ricos' (esquecendo por ora o meio), essa recuperação vai ser muito mais sólida.

Eu acho pouco ético o Estado tirar aos ricos para dar aos pobres quando o dinheiro é ganho honestamente...

"Eu acho pouco ético o Estado tirar aos ricos para dar aos pobres quando o dinheiro é ganho honestamente..."

Não é só uma questão de redistribuição, isto é o modelo actual de financiamento do Estado pode ser visto como um modelo em que exige o mesmo esforço aos contribuintes no financiamento das actividades do Estado.

Neste caso não acho pouco etico exigir-se o mesmo esforço a todos os contribuintes.


Stran a 11 de Maio de 2009 às 12:19

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