A máfia da blogosfera
17
Abr 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 16:13link do post | comentar

Numa sociedade livre, num Estado democrático, há certos valores que não podem ser, nunca por nunca, despiciendos. Um deles é o direito há privacidade. Ao aceitar revogar o sigilo bancário, o Parlamento português, que deveria ser a casa da democracia, deu uma machadada na nossa liberdade. Bem sei que não é algo que todos sintamos do mesmo modo, bem sei que não é algo que levará a manifestações populares (a menos que seja de contentamento), no entanto, não é só quando o povo protesta que algo está mal.

A falar sobre isto hoje, fiz a seguinte analogia. Imagine-se que nos obrigam por lei a ter paredes de vidro em casa, de modo a que o colectivo, a sociedade, o Estado, possam ver o que temos lá dentro. Provavelmente alguma esquerda diria algo como “não é segredo nenhum” ou “quem não deve não teme”. Pois não. Mas quem não deve também não tem de prestar contas a ninguém.
Caminhamos perigosamente para uma sociedade em que a segurança suplantará, ilegitimamente, a liberdade. Caminhamos perigosamente para uma sociedade em que a presunção é de culpa e não de inocência, uma sociedade inquisidora na qual cabe ao acusado provar a sua inocência e não ao acusador provar a culpa. Tivessem, tal como escreve o Carlos Loureiro, os deputados lido Orwell e perceberiam o problema de tudo isto.

Certo, Tiago, mas tem sido precisamente ao abrigo da presunção de inocência que a impunidade se vai ministrando aos mais notórios culpados, depois de simulacros ritualizados de Justiça em tribunais de fazer rir.

Por outras palavras, o lastro que ancora Portugal a um abismo de estagnação e imoralidade tem sido o pretexto de essa liberdade sem qualquer forma de 'accountability' social pelos estranhos rendimentos extraordinários de muitos.
PALAVROSSAVRVS REX a 17 de Abril de 2009 às 16:58

Joaquim, parece-me que isso é, então, um problema com a eficiência da justiça. Melhore-se o sistema judicial sem fazer atropelos inaceitáveis como este. O problema é que vai-se sempre pelo caminho mais fácil...

Das duas uma:
- Ou o sr. é político, empresário em nome individual, gestor ou profissional liberal, porque se fosse trabalhador dependente e tivesse que pagar impostos para governar essa corja toda, concordaria com o levantamento do sigilo bancário.
- ou então não percebeu que se trata de levantamento do sigilo bancário EM CASO DE ENRIQUECIMENTO ILICITO OU DUVIDOSO!!!
CarlospInto a 17 de Abril de 2009 às 17:18

Não sou nada das primeiras coisas.

Trata-se de levantamento do sigilo bancário em caso de acusação de enriquecimento ilícito. Acusação é muito diferente de culpa

E o direito à privacidade de um idoso que se candidata ao Complemento Social do Idoso?
manuel gouveia a 17 de Abril de 2009 às 21:36

É um pouco diferente, Manuel. Aliás, estou até a repetir o argumento não me recordo de quem.

Uma coisa é eu candidatar-me a um subsídio e ser, para tal, obrigado a dar contas do que tenho. Só o faço se quiser porque só peço o subsídio se quiser. Outra coisa é eu ser acusado de enriquecimento ilícito e ser obrigado a revelar o dinheiro que tenho.

Um é pobre e o outro rico, essa é a grande diferença! Uns são os outros e estes podemos ser nós!

Não, Manuel, não é essa a diferença. Não se podem misturar alhos com bogalhos...

Um porque está na posição de dependente perde direitos? Porque é isso que acontece.

Peca por tardia a alei e agora é um movimento unicamente eleitoralista.
Daniel João Santos a 17 de Abril de 2009 às 22:51

Porque é que achas que peca por tardia?

Quem não deve nã teme.

Então, amigo Daniel, permitir-me-ás colocar uma câmara de vigilância na tua casa para que eu possa ver o que tu fazes dentro dela. Mais, colocar-te-ei um chip para saber onde estás a cada momento e um microfone para ouvir o que dizes a cada instante.

Julgo razoável. Afinal, quem não deve não teme...

Tiago,

Julgo que a tua opinião sobr este assunto deriva da má informação sobre este tema.

Ao contrário do que é dito:

a) não existe nenhum assalto à privacidade da pessoa.

Esta lei apenas permite a confirmação de uma informação que já é publica, que é a de remuneração, o sigilo bancário continua válido para a componente das despesas, que é realmente a nossa privacidade.

b) não existe a inversão do onus da prova.

o fisco continua a ter que levar a tribunal o contribuinte que ele considera que cometeu uma ilegalidade. Ou seja não existe uma presunção de culpabilidade.

Aliás, é interessante que quem critica esta lei o faça de uma fora abstracta e não concretize onde é que existe a invasão de privacidade.

Prefiro este regime, ao anterior, em que por tudo e por nada punham as pessoas em tribunal. Bem sei que para quem cometeu uma ilegalidade isso era benefico, mas para quem não cometeu era uma verdadeira tortura. Assim com esta lei, não só se diminui os custos em tribunais, torna-se o processo mais eficiente e não existe perda de privacidade.

Não deixa de ser interessante também que apresentes o direito à privacidade como um valor absoluto numa sociedade de direito, democrática e livre, e depois, nos teus comentários já o apresentes como um valor relativo nessa mesma sociedade. O que me leva a questionar:

- para ti, o valor à privacidade é um valor absoluto e inviolável ou um valor relativo que pode ser violádo em algumas situações?
Stran a 19 de Abril de 2009 às 14:18

Stran,

Quanto dinheiro eu tenho é matéria da minha privacidade, sim. Existe invasão, sim. Quanto à componente das despesas, não sei, que não li a lei em pormenor, mas apenas o comunicado do governo.

Existe inversão do ónus da prova no sentido em que, caso não proves inocência, és considerado culpado e o teu património é taxado a 60%. Se não houvesse inversão, tu não tinhas de provar nada, quem tinha de provar era quem te acusa.

Eu não sei em que comentários é que apresentei o valor da privacidadade como um valor relativo ou absoluto. É óbvio que numa sociedade existe sempre alguma privacidade/liberdade que é posta em causa a bem da segurança. O importante é traçar o limite.

Já li o projecto de lei do BE. É por isso que lhe disse que o sigilo bancário quanto às despesas continua de pé.

"Quanto dinheiro eu tenho é matéria da minha privacidade, sim."

Lamento mas não. Na sua declaração de rendimento já obrigado a declarar o seu rendimento. Por isso, caso não tenha cometido nenhum erro ambas serão coincidentes, não existindo mais informação do que aquela que já é publica.

"Existe inversão do ónus da prova no sentido em que, caso não proves inocência, és considerado culpado e o teu património é taxado a 60%."

Só és considerado culpado por um tribunal e não pelo fisco. No entanto concordo contigo quanto à questão da taxa. No minimo é ridicula e desprovida de qualquer fundamentação racional, e muito honestamente julgo que é mais uma lei que não será aplicada.


"Eu não sei em que comentários é que apresentei o valor da privacidadade como um valor relativo ou absoluto."

Foi aqui mesmo. passo a citar:

Valor absoluto:
"Numa sociedade livre, num Estado democrático, há certos valores que não podem ser, nunca por nunca, despiciendos. Um deles é o direito há privacidade. Ao aceitar revogar o sigilo bancário, o Parlamento português, que deveria ser a casa da democracia, deu uma machadada na nossa liberdade."

Valor relativo:
"Uma coisa é eu candidatar-me a um subsídio e ser, para tal, obrigado a dar contas do que tenho. Só o faço se quiser porque só peço o subsídio se quiser."

Em ambos os casos existe uma obrigação da parte do Estado que comprove que o que o cidadão diz é verdadeiro.

Já agora posso argumentar que o cidadão que escolhe recorrer a este subsidio fá-lo com tanta liberdade com que você faz em entregar a declaração de rendimentos.

Já agora e para esclarecer a minha posição (não quero ficar na posição confortável de quem só critica), eu concordo com os dois casos.

Como disse anteriormente não oncordaria caso afectasse a parte das despesas, pois é aí que está a informação do que eu faço ou sou (aliás informações que os bancos podem utilizar a seu bel-prazer, mas isso já seria outro debate). Tendo em linha de conta que apenas a parte dos rendimentos e que:

a) a priori essa informação já é conhecida;

b) existe uma simples confirmação;

c) à mesma a culpabilidade ou não do cidadão só é determinada em sede de tribunal.

Não vejo qualquer direito a ser afectado.

Aliás já que falou na temática "sempre alguma privacidade/liberdade que é posta em causa a bem da segurança" julgo que neste ponto têm existido mais sérios atropelos à nossa liberdade do que neste caso.

E já agora quanto à tematica de privacidade também tem existido bastantes atropelos por parte dos privados mas que também não vejo/vi ninguém a refilar (e aqui também contra mim eu falo).
Stran a 19 de Abril de 2009 às 22:25

Eu não sei como descobriste O Afilhado, mas ainda bem que o descobriste que, ao menos, fazes-me (andamos no limbo do "tu" e "você", como julgo que não tem mal, proponho que nos tratemos por "tu") pensar.

Na minha declaração de rendimentos para o IRS vem o dinheiro que recebi durante o ano e não a quantidade de dinheiro que tenho guardado.

Uma coisa é eu dizer que um valor não pode ser desprezado, outra é eu dizer que não pode ser "atropelado". A privacidade, em diversas situações, é posta em causa. Geralmente é por ordem judicial, agora é por ordem de um boy.

Percebi o que queres dizer quanto à liberdade com que se pede um subsídio. O efeito é bonito, mas a verdade é que eu posso não o pedir. Se o peço, tenho eu de provar que preciso.

Resumindo a minha posição, que esta caixa de comentários já está a rebentar pelas costuras: não me chocaria nada que se pudesse vasculhar uma conta bancária, caso um tribunal assim o decidisse, do mesmo modo que não me choca um mandado de busca. Choca-me que uma conta bancária possa ser vasculhada a mando de um tipo sem qualquer autoridade judicial e cujo cargo é, muitas vezes, senão sempre, de nomeação política.

Antes demais obrigado pelas tuas palavras (concordo totalmente com a proposta do "tu"). Descobri através do Insurgente.

"Na minha declaração de rendimentos para o IRS vem o dinheiro que recebi durante o ano e não a quantidade de dinheiro que tenho guardado."

Sim, mas falando da proposta que o BE levou e foi aprovada. O que é confirmado é os depositos e não o saldo que está no banco (que seria totalmente inutil). Ou seja a confirmação é exactamente aquela que colocas normalmente na declaração de IRS. Eles não têm acesso ao teu extracto bancário, nem a informação que sai é mais do que o valor dos teus recebimentos. Para ir alem disso (por exemplo se te recusares a dizer o diferencial) eles teram de agir como normamente agem que é recorrendo a tribunal.

É por isso que eu tenho me empenhado um pouco nesta temática, pois nunca vi uma campanha tão grande para distorcer o que foi aprovado.

Ainda não encontrei ninguém que me desse um exemplo de uma situação em que a informação que é agora obtida não é a que consta obrigatoriemente na declaração de IRS.

É por isso que eu afirmo que não existe nenhuma invasão de privacidade.

O pior é que toda esta poeira que foi lançada não permite aprofundar o debate e falar de temas conexos importantes:

- deveria ter sido também aprovado (aliás há muito tempo) algo (uma instituiçao, etc...) que permitisse que o contribuinte se defendesse de actos de "bullying" (esta palavra está na moda) por parte do fisco;

- saber se vai sr aprovado na especialidade (caso não seja volta tudo à estaca 0) e o quê (o projecto do BE ou outro).

No entanto, e no meio desta discussão toda ninguém ainda abordou este tema nesta prespectiva que julgo bem mais importante e preocupante.

"Se o peço, tenho eu de provar que preciso."
Isso não é uma inversão do onus da prova? Teoricamente se declaras que é verdade o que dizes o Estado deveria presumir a tua "inocencia". (como disse concordo com essa medida).

"Choca-me que uma conta bancária possa ser vasculhada a mando de um tipo sem qualquer autoridade judicial e cujo cargo é, muitas vezes, senão sempre, de nomeação política."

Também me choca mas felizmente isso não é o que acontece com o projecto de lei do BE.

P.S. para construir um dialogo proficuo é necessário duas pessoas, pelo que julgo que os elogios também são para ti (honestamente julgo que encontrei alguém com quem não partilho bastantes ideias mas com quem posso debatê-las de uma forma que aumente o meu conhecimento)

Stran a 20 de Abril de 2009 às 02:21

Tens razão. Fui procurar a proposta de lei e realmente o que dizes está certo.

Asseguro-te que julgava que, com o levantamento do sigilo bancário, se poderia ver tudo. Afinal a proposta é mais "soft" do que isso.

A haver invasão de privacidade, já existe com a própria declaração de IRS, portanto...

Tiro-te o meu chapéu, que por acaso não uso, mas para o caso não interessa.

LOL.

Julgo que muita gente partilha a tua anterior opinião pelo mesmo motivo.

Bem parece que vou ter de te comprar um chapéu...
Stran a 20 de Abril de 2009 às 23:20

Ok! Proponha-se também que não haja registos de propriedade para que não seja possível a devassa de se saber o que cada um possui em géneros.
Fulano a 20 de Abril de 2009 às 06:12

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