Citação do capítulo 12
“Nos tempos que correm o optimismo parece ser uma palavra anacrónica e desadequada. Mais do que nunca, parece que os pessimistas profissionais têm (finalmente) razão. Mais do que nunca, afirmar que Portugal tem futuro parece não ser mais do que um exercício de retórica sem qualquer base real de sustentação. Parece, mas não é. Vejamos porquê.
Numa das citações mais famosas da Economia, John Maynard Keynes afirmou que a longo prazo estamos todos mortos. Mais do que dissertar sobre o existencialismo da vida, o que Keynes queria dizer é que é muito bonito afirmar que, a longo prazo, a economia irá recuperar e irá retomar a senda do progresso, mas isso não ajuda quem sofre a curto prazo, com o aumento do desemprego, com a diminuição da produção das empresas ou com a subida do custo de vida. Por isso, o Estado deve intervir decisivamente para tentar diminuir a amplitude da recessão e a volatilidade inerente às economias de mercado. No fundo, é isso que este livro tenta transmitir (de uma forma bem mais modesta) para o caso português. Perante o cenário recessivo actual, as políticas defendidas neste livro têm ainda mais relevância e premência. Porquê? Porque dar prioridade total ao fundamentalismo do défice é ainda mais contraproducente e mais errado do que era antes de a crise financeira se ter feito sentir. Porque, ao promover a construção de obras megalómanas e ao fomentar a execução de projectos com utilidade duvidosa, o que estamos a fazer é mais uma vez apoiar os interesses instalados e esquecer que a força da economia portuguesa está no sector privado e não no nosso Estado invulgarmente iluminado. Porque continuar a apostar numa política de paternalismo excessivo e de aumento das despesas públicas é uma política condenada ao fracasso, como a última década demonstrou. E assim surge a pergunta: mas não é verdade que em tempos recessivos se devem aumentar as despesas públicas para tentar estimular a economia? Não são as obras públicas importantes para o relançamento económico?
Depende. Deste modo, se se compreende a decisão da nova administração americana, liderada por Barack Obama, de combater a recessão através do investimento em grandes projectos de construção de infra-estruturas e de obras públicas, em Portugal, tal opção não parece ser minimamente justificada. Como vimos atrás, continuar a apostar na estratégia do betão, num país que já desfruta das mais avançadas e modernas estruturas rodoviárias da Europa, equivale a um desperdício de recursos públicos e privados. Igualmente, como vimos, despender milhares de milhões de euros num projecto (como o TGV) de rentabilidade muito suspeita numa altura de grandes dificuldades financeiras é não só irresponsável como é também um erro estratégico que nos poderá sair muito caro. Ora, se queremos realmente gastar mais, façamo-lo com ajudas à nossa indústria, aos nossos inovadores e aos sectores em mais dificuldades, e não com um aumento do peso do nosso Estado já tão ineficiente e anafado. E não tenhamos receio das recriminações de Bruxelas, pois nestes tempos recessivos haverá certamente mais estados-membros a fazer o mesmo. Se pretendemos mesmo ajudar os(as) portugueses(as) nesta altura de crise, por que não conceder benefícios fiscais às empresas e às famílias? Se queremos mesmo prevenir a descida dos níveis de vida dos habitantes das regiões mais deprimidas, por que é que não avançamos com as propostas do presidente da Câmara de Bragança? Sim, por que é que continuamos a pensar que só a política do betão é que nos pode ajudar? Por que é que insistimos em que o Estado tem de aumentar as despesas públicas para estimular a economia? Numa altura de contracção do crédito e da liquidez da economia, por que é que teimamos em que o Estado gaste recursos financeiros limitados? Por que é que continuamos a desconfiar dos nossos empreendedores, das nossas capacidades empreendedoras, e mesmo de nós próprios? Será que foi o Estado o responsável pelos enormes progressos dos últimos 50 anos? Não me parece. E se, mesmo assim, não estivermos convencidos, se permanecermos convictos de que a recessão tem de ser combatida através do crescimento do investimento público, por que é que, ainda assim, temos que levar a cabo projectos megalómanos que nos irão arruinar de vez a pouca saúde das contas públicas? Se desejamos mesmo que o Estado gaste mais, por que é que não construímos mais hospitais? Melhores escolas? Por que é que não aumentamos os subsídios e as benesses fiscais para empresas de alto valor acrescentado se localizarem no nosso país? Ou outros países europeus irão fazê-lo. Por que é que não o fazemos nós? Como é que podemos honestamente pensar que gastar 5% do nosso PIB na construção de uma linha de TGV entre Lisboa e o Porto nos tirará da recessão?
Acima de tudo, e apesar do clima económico se ter agravado significativamente, esta não é altura para baixar os braços e aceitar a recessão passivamente, tal como os fundamentalistas do défice nos querem fazer crer. Pelo contrário. Esta é a altura de actuar com convicção, não só levando a cabo as reformas de curto prazo de que necessitamos (de âmbito organizativo e fiscal), mas também apostando mais peremptoriamente na qualidade da Justiça e da Educação, de modo a que a economia nacional se torne mais saudável a longo prazo. Afinal, as crises podem ser ameaças à prosperidade, mas são também oportunidades únicas para efectuar reformas.”