Os últimos três posts sobre o argumentário pró-aborto, felizmente, geraram alguma discussão positiva. As referências noutros blogues levaram até a que a discussão se alargasse além do meu público habitual, o que é bom. O argumento que hoje quero desmontar é o argumento do alegado direito da mulher a fazer o que quiser com o corpo que é seu. Muito provavelmente serão poucos os argumentos a desmontar depois deste, pois penso que os principais já foram todos tratados e o debate que houve na altura do referendo passou apenas por um repetir constante das mesmas supostas evidências, como esta. Ora, então, uma das defesas da legalização do aborto assenta no direito à mulher de fazer o que quiser com o seu corpo: "o corpo é meu, logo, eu tenho o direito a decidir tudo sobre ele".
Isto é verdade. Nós somos soberanos sobre o nosso corpo, bem como sobre a nossa casa, o nosso carro, o nosso microondas. O problema é que, quando um feto está dentro do corpo da mulher, qualquer coisa que a mulher faça ao seu corpo não a afecta só a ela. É como convidarmos um amigo para vir dar uma volta de carro: o carro é nosso, mas ao termos lá outra pessoa, não temos o direito a espetarmo-nos contra uma árvore se nos apetecer. É aqui que falha o argumento, os que a ele recorrem "esquecem-se" do pormenor que dentro do corpo da mulher está outro ser humano.
Uma filósofa que li há algum tempo, num livro organizado pelo Pedro Galvão que reunia vários ensaios sobre o aborto ("Ética do Aborto", da Dinalivro), e cujo nome não me consigo lembrar colocava as coisas nestes termos: imagine-se que uma mulher está descansada a dormir e, a meio da noite, aparece um malfeitor que a "liga" a um violinista (sim, era a um violinista), o qual só sobrevive se aquela ligação se mantiver. A filósofa pergunta-nos: será que a mulher é obrigada a abdicar da sua vida para que aquela pessoa sobreviva? O problema aqui é que a analogia não funciona por uma série de razões: a mulher da história não é responsável pela dependência do violinista nem pela ligação que existe entre os dois. No caso da mãe em relação ao feto, o caso muda de figura. Por ter sido a mãe a gerar o feto, passa a ser responsável pela dependência e pela ligação do feto a ela.
É pelo facto de, em primeiro lugar, não termos total soberania sobre o que fazemos com o que nos pertence (incluíndo o nosso corpo) quando as nossas acções afectam directamente terceiros e pelo facto de a mãe, juntamente com o pai que ainda não somos estrelas-do-mar, ser responsável pela dependência e ligação que se estabelece entre o feto e ela que não se pode considerar este um bom argumento a justificar a legalização do aborto.