A máfia da blogosfera
02
Fev 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 17:29link do post | comentar

Sou contra o aborto. Isto até me é estranho ao ouvir. É como dizer que sou contra que se mate, roube ou explore. É-me estranho ouvir de tão óbvio que me parece ser. A campanha pela legalização/liberalização da Interrupção Voluntária da Gravidez - quando "aborto" passou a chamar-se "IVG" ficou, subitamente, mais popular - foi um excelente exemplo da pobreza do debate e da manipulação a que algumas forças partidárias submetem a população. É até estranho perguntar-se à população o que é certo e errado. Era como fazermos agora um referendo sobre a legalização do assassínio, absurdo. De qualquer modo, a campanha é água que já passou há muito tempo debaixo desta ponte e, como tal, no passado fica. O que me interessa agora é desmontar muita da argumentação falaciosa que se invocou e trazer novos dados ao debate. Se calhar não vou ter um debate tão estimulante como o da Monarquia, pois há menos gente a ler-me aqui, mas ainda assim, vou escrever e quem quiser que leia. Antes de avançar, vou explicar porque é que acho que é errada a prática do aborto.

É neste ponto que julgo falhar a argumentação pró-aborto: não é explicado porque é que fazer um aborto é certo, que é o oposto de "errado". Vejamos o que é, no fundo, a interrupção voluntária da gravidez. Foi concebida uma criança (desculpem não chamar embrião ou feto, mas não sou biólogo) e, a determinada altura da gestação, essa criança é retirada do útero, ficando sem qualquer possibilidade de sobreviver. Julgo que isto é pacífico. Há quem diga que isto é matar. Eu concordo. Não permitir que a criança se desenvolva, nasça e possa ter uma vida como qualquer outro é o mesmo que matar, pois o princípio é o mesmo. Não existem diferenças do ponto de vista ético. Muitos defensores do aborto aceitam isto e dizem de seguida: "sim, mas o ser que está dentro do útero ainda não é um ser humano, por isso matá-lo não é grave". Dois problemas flagrantes nesta tese: dizer que o ser ainda não é um ser humano e dizer que matar um ser não humano não é grave.

Como é que se determina que um ser é um ser humano? Pelas características físicas? Então alguém que tenha nascido com características diferentes das normais, sem pernas ou sem braços, seguramente não é humano. A hipótese parece-me descartada. Pelo desenvolvimento do intelecto? Há quem diga que sim, somos humanos se pensamos. Bom, de noite não pensamos, deixamos de ser humanos? Também me parece absurdo. Esta questão do "limiar da humanidade" , se lhe quiserem chamar assim, traz o bom velho problema do limite de prazo para fazer um aborto. Em Portugal são 10 semanas. Noutros países 12 semanas. E eu pergunto: qual é a diferença entre fazer um aborto às 10 semanas da gravidez ou aos 8 meses e meio? Dizem-me que até às 10 semanas a criança não tem dor. Então legitimamos que se mate quem não tem dor ao morrer? Se eu ficar em estado vegetativo, sem dor e sem raciocínio, é legítimo que um indivíduo me mate por sua livre vontade? Não há diferenças do ponto de vista ético entre o aborto às 10 semanas e o aos 8 meses e meio. E agora pergunto: qual é a diferença entre fazer um aborto aos 8 meses e meio e matar um recém-nascido? Também aqui o defensor do aborto fica sem poder responder, porque simplesmente não há diferença.

Pegando no segundo problema (o de dizer que como o ser não é humano, não faz mal matá-lo), voltamos aqui à velha questão que os miúdos de cinco anos são peritos em colocar e os adultos peritos a fugir: porquê? Porque é que não é errado matar um ser não humano? Nós matamos animais, é certo, mas matamo-los numa lógica de "ou ele ou eu". Matar por matar não é, seguramente legítimo. Pode dizer-se que não é "matar por matar", que o bebé pode ser um empecilho. Quando um cão se atravessa no meu caminho na estrada, não o mato.  Muitos dirão: uma coisa não tem nada a ver com a outra. Como já estou habituado a isso, coloco a coisa noutros termos: dizer "posso matar alfa, pois alfa é um obstáculo à minha vida" é um princípio que se aplica tanto a "posso matar o bebé que está no meu útero, pois é um obstáculo à minha vida" como "posso matar o cão, pois é um obstáculo à minha vida". Novamente, este argumento não é plausível, não justifica que se possa fazer um aborto. Outra forma de colocar o argumento é "posso fazer alfa, pois fazê-lo trar-me-á uma vida melhor" (posso fazer o aborto, pois fazê-lo, permite-me uma vida melhor). Então aqui ficamos com um mundo de possibilidades: posso roubar maçãs, pois isso permite-me uma vida melhor. Posso matar os meus concorrentes, pois isso trar-me-á uma vida melhor. E por aí fora. É do mais pobre que pode haver em argumentação.

Já explicitei a base da minha discordância em relação ao aborto, nos posts seguintes tratarei de desmontar argumentação falaciosa a que recorreram os pró-aborto durante a campanha.


primeiro:

Por aqui tens menos leitores, mas diga-se que tens leitores de categoria, tirando um rústico chamado Daniel.

Segundo:
Também eu sou contra o aborto puro e duro, sem ser por questões médicas e apenas por vontade da mulher.

Terceiro:
para mim, digam o que disserem os especialistas, basta existir vida para passar imediatamente a ser importante.

Quarto: O estado tinha por obrigação não o incentivo ao aborto, com esta liberalização, mas sim o incentivo há vida.



Daniel Santos a 2 de Fevereiro de 2009 às 20:37

O Tiago que me perdoe por não estar a comentar o seu post (porque ainda não o li...), mas sim o comentário do Daniel.

Diz o Daniel que "para mim, digam o que disserem os especialistas, basta existir vida para passar imediatamente a ser importante."

Não digo que não - ao facto de só de existir vida ser importante -, mas:

1) há que saber por que é importante
2) se é o *mais* importante
3) e como podemos decidir estas coisas (como outras) sem a ajuda dos especialistas?

Não será, certamente, o caso do Daniel, mas há muito boa gente a quem os especialistas e os factos só interessam quando vão ao encontro daquilo que já previamente pensavam. Ora, assim, batatas!

Quanto à posição do Tiago, prometo ler com atenção!

E quanto a rusticidades, não me parece nada...
Teresa Antunes a 2 de Fevereiro de 2009 às 21:40

Daniel,

Toma cuidado com a Teresa. Basta uma falácia e desgraças-te

Teresa,

Fico contente por me ter visitado nesta altura. É que a Teresa é exactamente uma das pessoas com quem tinha vontade de ter (ou aprofundar?) este debate.

De inicio os meus cumprimentos pela intervenção.

Passemos ás opiniões.

"há que saber por que é importante."
Porque para mim qualquer forma de vida é
importante.

"se é o *mais* importante."
Se não for por questões de perigo para a mãe e para o futuro do feto, é sem duvida o mais importante.


Em relação aos especialistas, não os uso nem para uma coisa nem para a outra. Gosto de aprender e se demonstrarem que eu estou errado naquilo que acredito, então sei perfeitamente assimilar as coisas que me digam.

No entanto o meu consciente e a lição que tive da vida, veio me mostrar que tudo é importante e que a vida, por mais microscópica que seja é algo de magnifico.



Daniel Santos a 2 de Fevereiro de 2009 às 22:18

Sou tb contra o aborto, pq para mim é evidente que há vida desde o início da gestação. Trata-se no fundo de uma questão entre 2 primados: 1º -o primado da vida, e do seu direito, acima de qualquer outro interesse. 2.º - o primado do direito da mulher à decisão sobre tudo o que o seu corpo possa gerar. Claro, que este 2.º não se sobrepõe ao primeiro. Admito apenas nos casos já antes previstos e até ao prazo antes previsto. Estamos num país que, por muito que lhes preste a maior homenagem, está a ficar demasiado "idoso". E para colmatar a falta de mão de obra (física e intelectual), mandam-se vir imigrantes, ao invés de se fumentar a maternidade. Qualquer dia não há raça. Percebem onde quero chegar...
Diogo a 3 de Fevereiro de 2009 às 16:24

Boa, Diogo. Afirmar com toda essa certeza a evidência da existência de vida a partir do primeiro momento da gestação para depois admitir "apenas nos casos já antes previstos e até ao prazo antes previsto" é de uma coerência um bocadinho ao lado, não lhe parece?...

E depois, essa do "qualquer dia não há raça" também não fica bem. É que é muito reveladora. Ah, e percebemos bem onde quer chegar. Mesmo muito bem...
al kantara a 5 de Fevereiro de 2009 às 22:32

Caríssimo Alcântara,

Pois é, de alguma forma tem razão e há correntes que não admitem o aborto em qualquer situação. Eu, o que digo, é que essa vida, em contraponto com o risco de vida da mãe, a gravidez por violação e a existência de graves malformações do fecto, justificarão a sua ponderação no sentido do eventual aborto, assim a mãe o queira. Acha incoerente?
Depois, vejo que ficou chocado com a questão da raça. Realmente, falar em raça nos dias de hoje é muito incorrecto do ponto de vista do politicamente correcto. Sabe porquê? Porque temos todos muita falta de raça, eis o porquê. O que quero dizer, que me parece inquestionável, é que se continuarmos a não substituir as gerações de portugueses que vão morrendo pela ordem natural das coisas, por novos portugueses, brancos ou negros, mas portugueses, qualquer dia deixa de haver a raça portuguesa e passamos a ter mais imigrantes. Claro que talvez esteja a exagerar no que ao curto prazo diz respeito mas a longo prazo se a tendência se mantiver é o que pode acontecer. O que é que o deixa tão chocado? Noções como raça, pátria, honra, carácter, é isso que o choca?
Um abraço,
Diogo a 6 de Fevereiro de 2009 às 12:00

Caríssimo Diogo, pois eu acho que quem pensa que a vida existe e é sagrada a partir da concepção não pode admitir (para si, entenda-se...) o aborto seja em que situação for. Simplesmente, esta certeza não é tão científica e geralmente aceite que se possa impor pela força a toda a gente, pelo que se transforma numa questão de consciência individual, cuja liberdade não poderá ser cerceada pelas "certezas" de uns quantos.
Quanto à raça, creia-me muito céptico na existência dessa coisa que alguns chamam raça portuguesa, pois a miscigenação milenar a que a península foi felizmente sujeita torna o conceito uma fantasia de uns quantos. (Só para lhe dar um exemplo, aqui na minha rua, tenho vizinhos lourinhos e de olhos azuis e eu sou moreno de olhos castanhos, sendo todos nós portugueses atá à vigésima geração...)
Honra e carácter é coisa que tem pouco a ver com genéticas, raças e pátrias. No entanto, não faça confusões : Tenho da minha terra o amor que não discuto mas também não exibo ao peito como serôdia condecoração...
al kantara a 6 de Fevereiro de 2009 às 14:25

Cá estamos nós, mas realmente é do debate que nasce o esclarecimento. Quanto ao aborto, trata-se de facto de uma questão de sensibilidade, mas também e sobretudo de valores. Não que os que defendem o aborto não os tenham. Têm é valores diferentes. Quanto à raça, sem dúvida, que ser português é ser louro, é ser moreno, é ser mulato, é ser negro e é ser amarelo. E é ter em comum a língua, o português. E é olhar para o globo terrestre e ver outros países a falar esse mesmo português nos 5 continentes. E é ter 900 anos de história como país (não uso agora os termos pátria nem nação que esses só são permitidos ao poeta Manuel A.)!. Isso é ser português, essa é a raça portuguesa. Conhece outra igual? Se calhar não com todas essas características. Mas se perguntar a um espanhol, a um francês, a um italiano, a um inglês, a um chinês, a um angolano ou a um cabo-verdeano, se algum deles tem orgulho da sua raça, da sua cultura, ninguém lhe vai dizer que não. Todos têm o maior orgulho em ser o que são. E nenhum vai perder 5 minutos sequer a perguntar-lhe o que é isso de raça. Todos sabem bem o que significa. E nós portugueses, temos ainda hoje esse trauma, um trauma que nos foi colocado na cabeça no 25 de Abril. Não temos que pedir desculpa a ninguêm por ser portugueses. essa é a nossa Raça.
Diogo a 6 de Fevereiro de 2009 às 19:18

Caríssimo Diogo, está o Tiago empenhado em discutir a ética da despenalização do aborto e nós aqui entretidos com raças e patriotismos...
Deixe lá o trauma que o 25 de Abril nos trouxe a esse respeito. É decerto menor que os traumas provocados pelo nazismo sempre tão simpático para com esses conceitos de Raça e Pátria. Por isso acho que se devem manejar palavras assim com mil cuidados. É que já serviram, tragicamente, para justificar o injustificável...
al kantara a 7 de Fevereiro de 2009 às 18:37

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