Sou contra o aborto. Isto até me é estranho ao ouvir. É como dizer que sou contra que se mate, roube ou explore. É-me estranho ouvir de tão óbvio que me parece ser. A campanha pela legalização/liberalização da Interrupção Voluntária da Gravidez - quando "aborto" passou a chamar-se "IVG" ficou, subitamente, mais popular - foi um excelente exemplo da pobreza do debate e da manipulação a que algumas forças partidárias submetem a população. É até estranho perguntar-se à população o que é certo e errado. Era como fazermos agora um referendo sobre a legalização do assassínio, absurdo. De qualquer modo, a campanha é água que já passou há muito tempo debaixo desta ponte e, como tal, no passado fica. O que me interessa agora é desmontar muita da argumentação falaciosa que se invocou e trazer novos dados ao debate. Se calhar não vou ter um debate tão estimulante como o da Monarquia, pois há menos gente a ler-me aqui, mas ainda assim, vou escrever e quem quiser que leia. Antes de avançar, vou explicar porque é que acho que é errada a prática do aborto.
É neste ponto que julgo falhar a argumentação pró-aborto: não é explicado porque é que fazer um aborto é certo, que é o oposto de "errado". Vejamos o que é, no fundo, a interrupção voluntária da gravidez. Foi concebida uma criança (desculpem não chamar embrião ou feto, mas não sou biólogo) e, a determinada altura da gestação, essa criança é retirada do útero, ficando sem qualquer possibilidade de sobreviver. Julgo que isto é pacífico. Há quem diga que isto é matar. Eu concordo. Não permitir que a criança se desenvolva, nasça e possa ter uma vida como qualquer outro é o mesmo que matar, pois o princípio é o mesmo. Não existem diferenças do ponto de vista ético. Muitos defensores do aborto aceitam isto e dizem de seguida: "sim, mas o ser que está dentro do útero ainda não é um ser humano, por isso matá-lo não é grave". Dois problemas flagrantes nesta tese: dizer que o ser ainda não é um ser humano e dizer que matar um ser não humano não é grave.
Como é que se determina que um ser é um ser humano? Pelas características físicas? Então alguém que tenha nascido com características diferentes das normais, sem pernas ou sem braços, seguramente não é humano. A hipótese parece-me descartada. Pelo desenvolvimento do intelecto? Há quem diga que sim, somos humanos se pensamos. Bom, de noite não pensamos, deixamos de ser humanos? Também me parece absurdo. Esta questão do "limiar da humanidade" , se lhe quiserem chamar assim, traz o bom velho problema do limite de prazo para fazer um aborto. Em Portugal são 10 semanas. Noutros países 12 semanas. E eu pergunto: qual é a diferença entre fazer um aborto às 10 semanas da gravidez ou aos 8 meses e meio? Dizem-me que até às 10 semanas a criança não tem dor. Então legitimamos que se mate quem não tem dor ao morrer? Se eu ficar em estado vegetativo, sem dor e sem raciocínio, é legítimo que um indivíduo me mate por sua livre vontade? Não há diferenças do ponto de vista ético entre o aborto às 10 semanas e o aos 8 meses e meio. E agora pergunto: qual é a diferença entre fazer um aborto aos 8 meses e meio e matar um recém-nascido? Também aqui o defensor do aborto fica sem poder responder, porque simplesmente não há diferença.
Pegando no segundo problema (o de dizer que como o ser não é humano, não faz mal matá-lo), voltamos aqui à velha questão que os miúdos de cinco anos são peritos em colocar e os adultos peritos a fugir: porquê? Porque é que não é errado matar um ser não humano? Nós matamos animais, é certo, mas matamo-los numa lógica de "ou ele ou eu". Matar por matar não é, seguramente legítimo. Pode dizer-se que não é "matar por matar", que o bebé pode ser um empecilho. Quando um cão se atravessa no meu caminho na estrada, não o mato. Muitos dirão: uma coisa não tem nada a ver com a outra. Como já estou habituado a isso, coloco a coisa noutros termos: dizer "posso matar alfa, pois alfa é um obstáculo à minha vida" é um princípio que se aplica tanto a "posso matar o bebé que está no meu útero, pois é um obstáculo à minha vida" como "posso matar o cão, pois é um obstáculo à minha vida". Novamente, este argumento não é plausível, não justifica que se possa fazer um aborto. Outra forma de colocar o argumento é "posso fazer alfa, pois fazê-lo trar-me-á uma vida melhor" (posso fazer o aborto, pois fazê-lo, permite-me uma vida melhor). Então aqui ficamos com um mundo de possibilidades: posso roubar maçãs, pois isso permite-me uma vida melhor. Posso matar os meus concorrentes, pois isso trar-me-á uma vida melhor. E por aí fora. É do mais pobre que pode haver em argumentação.
Já explicitei a base da minha discordância em relação ao aborto, nos posts seguintes tratarei de desmontar argumentação falaciosa a que recorreram os pró-aborto durante a campanha.