Afirmei no debate que decorreu e cujo início foi no Corta-fitas que iria demorar a responder ao Samuel de Paiva Pires pelo simples facto de a argumentação dele, ao contrário da de alguns outros, ser bastante boa e trabalhada. Dou-lhe desde já os parabéns por isso, é sempre bom ter cuidado no debate e não ser “apressado” com todas as consequências que a pressa traz à qualidade do texto. Posto isto, vou agora responder-lhe.
O Samuel começa por definir legitimidade. Para o fazer recorre a Max Weber, segundo o qual a legitimidade se pode dividir em três tipos: legal/racional, tradicional/história e carismática. Apesar de achar que cai no erro de assumir uma teoria como verdade, o que é manifestamente uma falácia, quando não justificamos a teoria em que nos apoiamos, vou seguir a sua linha de raciocínio. Para o Samuel, um Presidente da República tem menos legitimidade que um Rei, porque ao passo que a legitimidade do Presidente lhe é apenas conferida pela sua eleição – tendo só legitimidade legal/racional – a legitimidade do Rei é-lhe conferida pelo facto de estar, de certa forma ligado a um elemento transcendente, a mais das vezes religioso – legitimidade carismática – e porque repousa no Rei o peso da História da Nação que representa. Para além disso, em algumas situações, pode também o Rei ter legitimidade legal/racional.
Caindo eu no risco de considerar que sou um fundamentalista laico – belo oxímoro este – atrevo-me a dizer-lhe que não vejo legitimidade para a chefia do Estado num Rei pelo facto de ele estar ligado a um qualquer elemento transcendente. Defendo o Estado Laico e defendo uma sociedade plural, na qual a política não esteja afecta a uma religião em particular, deixando de parte todos as que a não professam. Aceito plenamente a existência de um líder religioso, um Dalai Lama versão portuguesa, mas que não tenha responsabilidades de Estado, pois a religião e a política não se devem misturar, do mesmo modo que a economia e a política também não o devem fazer. Quanto à legitimidade tradicional/histórica, tenho as mais sérias dúvidas quanto ao facto de o Rei ter sobre si o peso da História e da nação que representa. Porque é que o tem? E o que é isso do “peso da História e da nação que representa”? É isso importante na chefia de um Estado? Por fim, quanto à legitimidade racional/legal. Por princípio um Presidente tem mais que um Rei, mais não seja por estar em constante fiscalização por parte do povo que é verdadeiramente soberano caso o queira fora da chefia. Um Rei europeu até pode ter 80% de aceitação segundo as sondagens, mas a verdade é que o povo não pode decidir num determinado momento que o Rei deixa de o ser. Pode ser auscultado, mas a sua vontade não é soberana e a prova disso é que, do mesmo modo que por cá não se referenda o regime político, por lá também não se faz. Nem se referenda o regime nem os chefes de Estado, até porque isso iria contra os príncipios da Monarquia. Porque se, como o Samuel defende, a hereditariedade é legítima, uma sucessão que não fosse de um Rei para o seu herdeiro directo iria corromper o regime. Um argumento frequente é que o Presidente é eleito por uma pequena parte da população. No caso do nosso Presidente, li num comentário que apenas 28% da população votou nele. Isto até pode ser verdade. Mas diga-se que houve mais gente a escolher Cavaco Silva para chefe de Estado do que gente a escolher a Isabel II para chefe de Estado (e líder religiosa) em Inglaterra. Por tudo isto, continuo a considerar que um Presidente tem mais legitimidade para chefiar um Estado que um Rei.
Quanto à democracia. Eu nunca disse que uma República era necessariamente mais democrática que uma Monarquia. Mas, em teoria, é-o. Vamos simplesmente à etimologia. República vem de “res” “pública”, que significa “coisa pública”. Democracia vem do grego e significa delegação do poder de decisão no povo, o povo manda. Significa isto que os dois conceitos estão intimamente ligados. Como é que uma coisa pode ser pública sem que o povo decida sobre ela? E como é que o povo pode decidir sobre uma coisa que não lhe pertence, mas sim a um monarca? Em teoria, a coisa funciona um pouco nesta linha. Para além disso, a Monarquia desrespeita um dos critérios que enuncia para que um regime seja democrático: o da elegibilidade para cargos públicos. Haverá maior cargo público que o da chefia do Estado?
Quanto à ética que eu pretendo analisar. Novamente se cai no erro de achar que só porque determinada autoridade disse X, X é verdade. Mas novamente vou saltar por cima disso. Em primeiro lugar, forma de governo e tipo de regime parecem-me coisas diferentes. A forma de governo portuguesa não é muito diferente da forma de governo inglesa. Alternância entre dois partidos que pouco diferem um do outro – o mesmo acontece em imensos países como os EUA, a França ou Espanha; respeito pelo modelo social europeu, enfim, existem imensas coincidências entre as formas de governo das monarquias europeias e da portuguesa. O que difere é o tipo de regime. E pelo que já disse considero que a República é melhor que a Monarquia. Mas ainda se analisarmos as qualidades das formas de governo. Uma forma de governo totalitária é pior que uma forma de governo democrática, mais não seja pela segunda respeitar a liberdade do povo, esse valor absoluto, e a primeira não. Penso que está demonstrado que existem, efectivamente, formas de governo melhores ou piores.
Sobre a questão da Igualdade, posso dizer que concordo com o amigo Rousseau. É certo que apenas existe verdadeira igualdade num Estado de Natureza. Mas isso não invalida de num Estado como aqueles em que vivemos não devamos tender para o máximo de igualdade possível. E a verdade é que uma Monarquia, para além de tornar desigual o acesso ao poder por pressupor a vantagem de um indivíduo à partida – o herdeiro – implica ainda a existência de Aristocracia, que também o é por herança ou, em casos raros, por mérito.
Quanto ao que diz sobre a alternância no poder entre os dois “partidos de governo”, penso que já disse o essencial. Mas já agora, sobre a meritocracia, lembro que por exemplo o nosso actual Presidente vem de uma família algarvia bastante modesta, não havendo tradição dos Cavaco Silva na política.
O Samuel começa por definir legitimidade. Para o fazer recorre a Max Weber, segundo o qual a legitimidade se pode dividir em três tipos: legal/racional, tradicional/história e carismática. Apesar de achar que cai no erro de assumir uma teoria como verdade, o que é manifestamente uma falácia, quando não justificamos a teoria em que nos apoiamos, vou seguir a sua linha de raciocínio. Para o Samuel, um Presidente da República tem menos legitimidade que um Rei, porque ao passo que a legitimidade do Presidente lhe é apenas conferida pela sua eleição – tendo só legitimidade legal/racional – a legitimidade do Rei é-lhe conferida pelo facto de estar, de certa forma ligado a um elemento transcendente, a mais das vezes religioso – legitimidade carismática – e porque repousa no Rei o peso da História da Nação que representa. Para além disso, em algumas situações, pode também o Rei ter legitimidade legal/racional.
Caindo eu no risco de considerar que sou um fundamentalista laico – belo oxímoro este – atrevo-me a dizer-lhe que não vejo legitimidade para a chefia do Estado num Rei pelo facto de ele estar ligado a um qualquer elemento transcendente. Defendo o Estado Laico e defendo uma sociedade plural, na qual a política não esteja afecta a uma religião em particular, deixando de parte todos as que a não professam. Aceito plenamente a existência de um líder religioso, um Dalai Lama versão portuguesa, mas que não tenha responsabilidades de Estado, pois a religião e a política não se devem misturar, do mesmo modo que a economia e a política também não o devem fazer. Quanto à legitimidade tradicional/histórica, tenho as mais sérias dúvidas quanto ao facto de o Rei ter sobre si o peso da História e da nação que representa. Porque é que o tem? E o que é isso do “peso da História e da nação que representa”? É isso importante na chefia de um Estado? Por fim, quanto à legitimidade racional/legal. Por princípio um Presidente tem mais que um Rei, mais não seja por estar em constante fiscalização por parte do povo que é verdadeiramente soberano caso o queira fora da chefia. Um Rei europeu até pode ter 80% de aceitação segundo as sondagens, mas a verdade é que o povo não pode decidir num determinado momento que o Rei deixa de o ser. Pode ser auscultado, mas a sua vontade não é soberana e a prova disso é que, do mesmo modo que por cá não se referenda o regime político, por lá também não se faz. Nem se referenda o regime nem os chefes de Estado, até porque isso iria contra os príncipios da Monarquia. Porque se, como o Samuel defende, a hereditariedade é legítima, uma sucessão que não fosse de um Rei para o seu herdeiro directo iria corromper o regime. Um argumento frequente é que o Presidente é eleito por uma pequena parte da população. No caso do nosso Presidente, li num comentário que apenas 28% da população votou nele. Isto até pode ser verdade. Mas diga-se que houve mais gente a escolher Cavaco Silva para chefe de Estado do que gente a escolher a Isabel II para chefe de Estado (e líder religiosa) em Inglaterra. Por tudo isto, continuo a considerar que um Presidente tem mais legitimidade para chefiar um Estado que um Rei.
Quanto à democracia. Eu nunca disse que uma República era necessariamente mais democrática que uma Monarquia. Mas, em teoria, é-o. Vamos simplesmente à etimologia. República vem de “res” “pública”, que significa “coisa pública”. Democracia vem do grego e significa delegação do poder de decisão no povo, o povo manda. Significa isto que os dois conceitos estão intimamente ligados. Como é que uma coisa pode ser pública sem que o povo decida sobre ela? E como é que o povo pode decidir sobre uma coisa que não lhe pertence, mas sim a um monarca? Em teoria, a coisa funciona um pouco nesta linha. Para além disso, a Monarquia desrespeita um dos critérios que enuncia para que um regime seja democrático: o da elegibilidade para cargos públicos. Haverá maior cargo público que o da chefia do Estado?
Quanto à ética que eu pretendo analisar. Novamente se cai no erro de achar que só porque determinada autoridade disse X, X é verdade. Mas novamente vou saltar por cima disso. Em primeiro lugar, forma de governo e tipo de regime parecem-me coisas diferentes. A forma de governo portuguesa não é muito diferente da forma de governo inglesa. Alternância entre dois partidos que pouco diferem um do outro – o mesmo acontece em imensos países como os EUA, a França ou Espanha; respeito pelo modelo social europeu, enfim, existem imensas coincidências entre as formas de governo das monarquias europeias e da portuguesa. O que difere é o tipo de regime. E pelo que já disse considero que a República é melhor que a Monarquia. Mas ainda se analisarmos as qualidades das formas de governo. Uma forma de governo totalitária é pior que uma forma de governo democrática, mais não seja pela segunda respeitar a liberdade do povo, esse valor absoluto, e a primeira não. Penso que está demonstrado que existem, efectivamente, formas de governo melhores ou piores.
Sobre a questão da Igualdade, posso dizer que concordo com o amigo Rousseau. É certo que apenas existe verdadeira igualdade num Estado de Natureza. Mas isso não invalida de num Estado como aqueles em que vivemos não devamos tender para o máximo de igualdade possível. E a verdade é que uma Monarquia, para além de tornar desigual o acesso ao poder por pressupor a vantagem de um indivíduo à partida – o herdeiro – implica ainda a existência de Aristocracia, que também o é por herança ou, em casos raros, por mérito.
Quanto ao que diz sobre a alternância no poder entre os dois “partidos de governo”, penso que já disse o essencial. Mas já agora, sobre a meritocracia, lembro que por exemplo o nosso actual Presidente vem de uma família algarvia bastante modesta, não havendo tradição dos Cavaco Silva na política.