O Samuel de Paiva Pires, claro como sempre, discorre longamente aqui e aqui sobre a questão da tortura. Parece-lhe a ele que a tortura é legítima em «determinadas situações».
Pois eu compreendo a lógica. Deriva de um certo princípio da utilidade de John Stuart Mill: a acção moralmente certa é aquela que maximiza a felicidade para o maior número(1). Claro que ao olharmos para o problema, a primeira coisa que nos vem à cabeça é que se acaso torturarmos um suspeito a fim de obter algum tipo de ajuda para resolver o problema, então isso maximiza a felicidade para o maior número, logo, é eticamente aceitável – seja in extremis ou não.
O problema aqui é que considero esta abordagem demasiado simplista. É verdade que ao torturarmos um possível terrorista teremos confissões, umas fiéis à verdade, outras nem tanto, apenas súplicas para que se acabe o sacrifício, mas aquilo que nos temos de perguntar perante um cenário destes, isto se tivermos em conta uma perspectiva utilitarista sobre a qual tenho sérias dúvidas, é se isto traz mesmo mais felicidade para um maior número. Sejamos objectivos: o problema do terrorismo não acaba mesmo que todos os terroristas de um determinado momento sejam, por obra e graça dos serviços secretos, mortos. O problema do terrorismo não advém de vontades pessoais, de delírios singulares, mas sim de desígnios que alguns tomam como inatacáveis – o tipo de desígnio que nos fez pensar que podíamos invadir a Terra Santa há uns mil anos atrás. Como tal, temos de acrescentar um pouco de complexidade à questão.
A tortura serve para combater o terrorismo como a gasolina serve para apagar um fogo. Dado que tudo advém de um processo espiritual, e claro que estou a falar do actual terrorismo da Al-Qaeda e similares, que o terrorismo não é todo igual, a tortura ou assassinato dos líderes ou simples militantes de base leva apenas a uma ideia de martirização. Ao responder a violência com violência igual, o Ocidente acaba por criar uma bola de neve de muito difícil controle. Há lugar para uma escalada de violência, legitimada precisamente pela resposta pouco diplomática.
Claro que toda a questão é muito complexa. De um lado estão aqueles que, como eu, pensam que a tortura não leva a nada, apenas piora a situação, e do outro estão aqueles que preferem o método imperfeito a método nenhum. No entanto, e dados os resultados actuais e até olhando para a História, essa óptima conselheira para tudo, penso que é perigosíssimo que se ceda ao método imperfeito, pois as consequências são imprevisíveis e possivelmente devastadoras.
Proponho algo diverso portanto: cortar o mal pela raiz. O que alimenta a Jihad e os ódios em relação ao Ocidente tem, quanto a mim, como origem a péssima qualidade de diálogo que pautou a postura do Ocidente nas últimas décadas. Se consideramos, e eu considero, que somos o «lado livre», a metade certa, não podemos afirmá-lo arrogantemente como temos afirmado. O terrorismo e o fundamentalismo islâmico são apenas reacções a um determinado fenómeno. Para os travar, temos também de travar esse fenómeno. E fazê-lo está nas nossas mãos.
(1) Enunciação feita com base no ensaio A ética de John Stuart Mill de Faustino Vaz, disponível online.