
Foi com grande surpresa que li um artigo da BBC que dá conta de que se estão a fazer planos para estabelecer um preço mínimo para as bebidas alcoólicas no Reino Unido.
A proposta de Sir Liam Donaldson (um dos primeiros proponentes da abolição do fumo em lugares públicos) consiste, simplesmente, na fixação de um preço mínimo por unidade de álcool, abaixo do qual nenhuma bebida alcoólica pode ser vendida. O objectivo parece ser a diminuição do consumo, que começa a ser bastante elevado por terras de Sua Majestade.
Tal como na proibição do comércio de drogas, o objectivo é excelente. O ideal seria que todos nós fôssemos bons cidadãos, bons cristãos e que não nos déssemos a práticas menos nobres, como o consumo de drogas. No entanto, e tal como no caso das drogas pesadas, o Estado não tem o direito de se intrometer nas opções pessoais dos cidadãos. Não é crime ser alcoólico. Poderá ser crime o que faço em estado alcoólico, mas nessa situação a lei prevê punições e, para além disso, é o risco a assumir quando se bebe demais.
Mesmo que, por momentos, fingíssemos ser aceitável que o Estado se intrometa desta forma na vida das pessoas, a forma como se está a intrometer não leva a nenhuma mudança substancial. A base argumentativa é que as bebidas baratas estão associadas aos alcoólicos, segundo um porta-voz do Departamento da Saúde. Isto é óbvio: se os alcoólicos, por definição, bebem muito, tenderão a procurar as bebidas mais baratas, bebendo mais com menos. Julgar que por se encarecer as bebidas os alcoólicos beberão menos é de uma falta racionalidade sem nome. Nada, mas absolutamente nada, nos pode levar a crer que caso o álcool aumentasse o preço, iria haver menos alcoólicos. A única diferença, provavelmente, seria uma relação bastante mais acentuada entre alcoolismo e pobreza.
Para além da manifesta imoralidade deste tipo de intromissão do Estado na vida dos cidadãos (mais ainda no berço do liberalismo), economicamente esta medida é também bastante condenável. Obviamente, toda ou quase toda a indústria do sector regozijou com a medida. Bebidas de um custo baixíssimo (cerveja) vão dar aos produtores um lucro desmesurado, colocando-os numa situação preferencial em relação aos seus concorrentes cujas bebidas têm um custo mais elevado (whiskey) - mais valia que lhes dessem subsídios.
O que é francamente preocupante é que, tal como importámos a proibição do fumo em lugares públicos, mais cedo ou mais tarde haverá meia dúzia de iluminados que trarão esta proposta a debate em Portugal e nós, moralistas de natureza, acharemos tudo isto muito bem, muito certo, muito cristão e aplicaremos.
[na imagem: Tavern Scene, de David Teniers II]