A máfia da blogosfera
30
Jun 08
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 20:02link do post | comentar | ver comentários (1)
Ao que parece, não está provado um nexo causal entre a fruta e os jogos no Apito Dourado. É verdade, nexo causal não há, só há conjunções constantes!

publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 14:11link do post | comentar | ver comentários (1)
N' O Câmara Corporativa está um artigo brilhante que passo a transcrever:

«Há pouco tempo, a CGTP quis fazer crer aos mais crentes que pôs 200 mil pessoas a desfilar entre o Marquês de Pombal e os Restauradores (em Lisboa). Esqueceu-se de um pormenor: nos Restauradores não cabem mais de 80 mil pessoas e é necessário, mesmo assim, estar-se à beira do assédio…

Neste fim-de-semana, a CGTP organizou novas manifestações em todas as capitais de distrito. A coisa não correu lá muito bem, mas ainda assim os mesmos contabilistas garantem que, à manifestação de Lisboa, fizeram deslocar 30 mil manifestantes, que percorreram o trajecto entre o Largo do Camões e o Rossio.

Trata-se de uma nova impossibilidade física: no Largo do Camões, e mesmo juntando-lhe o Largo do Chiado, caberão 10 mil pessoas e o Rossio, com muito jeito, comporta no máximo 20 mil.

Será que quem mente tanto a fazer contas pode dizer a verdade aos trabalhadores? Valha-nos que, por coincidência, ia ali a passar Jerónimo de Sousa e aproveitou para dizer umas palavrinhas aos associados da CGTP.»

publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 11:05link do post | comentar

Ás vezes dou por mim a pensar nos economistas de Bruxelas como cozinheiros. Têm livrinhos de receitas para tudo. A inflação sobe? Trata-se de aumentar as taxas de juro! Isto não é sempre assim...

É verdade que neste momento a inflação na Zona Euro está a atingir valores recorde, no entanto, essa é uma inflação virtual porque as suas causas são apenas o aumento do petróleo e dos produtos alimentares, sendo que nenhum é causado pela Europa. Um aumento das taxas de juro é um mecanismo para a diminuição das taxas de inflação quando estas se aplicam a todos os produtos, não quando se aplicam a apenas alguns. Um aumento das taxas de juro incentiva as pessoas a poupar, aproveitando maiores ganhos. Assim, ao poupar, as famílias consomem menos, havendo, portanto, uma menor pressão sobre os preços - inflação. No entanto, as pessoas não abdicam de alguns consumos, nomeadamente, a alimentação e o transporte. Já o amigo Engel nos dizia (é certo que por outras palavras) que comidinha nem em casa de pobre falta... Um aumento das taxas de juro pode levar a diminuição do consumo de tudo e mais alguma coisa menos de produtos alimentares e de produtos petrolíferos, assim, a procura de produtos que não contribuíram para esta inflação vai baixar e a procura de produtos que contribuíram vai manter-se (aposto que a inflação virtual, por este caminho, ainda vai aumentar mais!).

Um aumento das taxas de juro, nesta conjuntura, vai levar a que os produtores de bens e serviços que não contribuíram para o aumento da inflação diminuam as vendas, ou seja, diminuam as receitas. Por outro lado, vai levar a que os investidores recorram menos ao crédito bancário, ou seja, o investimento começa a desacelerar. Se calhar seria conveniente pensar nos fenómenos económicos pondo de parte os livros de receitas...

29
Jun 08
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 16:24link do post | comentar
Vi ainda agora uma coisa brutal n' O Eixo do Mal. Parece que as mulheres que interrompem voluntariamente a gravidez têm direito a subsídio de maternidade. Este é um enigma da linguagem digno de Wittgenstein!

O que me mete alguma confusão (e isto parece discurso populista mas ainda não quero pelouros) é que se atribuam subsídios de maternidade às mães de nada e a imensas pessoas que realmente precisam não se dê. Quando é que o controlo do défice vai começar a passar por verdadeiros cortes na despesa, políticas estruturais que permitam não gastar dinheiro em situações em que não se justifica?

publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 10:43link do post | comentar
Depois de a União Europeia, esse anão político mas muito mais político que todos os outros gigantes, ter declarado ontem que não reconhecia os resultados eleitorais do Zimbabwe, foi a vez de a União Africana se pronunciar.

A segunda volta das eleições presidenciais no Zimbabwe não foram “nem livres nem justas”, consideraram hoje os observadores do Parlamento Pan-africano, que pediram a realização de um novo escrutínio.

O arcebispo sul-africano Desmond Tutu, Prémio Nobel da Paz em 1984, já disse, também hoje, que apoiava uma intervenção internacional, se necessário pela força, para estabilizar o Zimbabwe e pediu à União Africana que se unisse na rejeição do novo Governo do Presidente Robert Mugabe. (...)

Finalmente a comunidade internacional parece estar a considerar uma intervenção como cenário possível. Neste momento o monopólio do poder está nas mãos do "Salvador da Rodésia" e "Carrasco do Zimbabwe", nem os seus ferozes opositores têm coragem suficiente para avançar mais. O fim só se augura se associado a uma monte de capacetes azuis a invadir o território. Por enquanto, Mugabe ganhou e continua o genocídio...

publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 10:00link do post | comentar | ver comentários (1)

(via O Jumento)

28
Jun 08
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 11:25link do post | comentar
Li n' A Câmara de Comuns um artigo do Paulo Ferreira sobre especulação ligada ao petróleo. Ao que parece, Manuel Ferreira de Oliveira (o CEO da Galp) atribui à especulação a escalada dos preços. Isto é estupidamente redundante. É óbvio que o que dita os preços não é mais nada que não a especulação, ou seja, o encontro entre a oferta e a procura.

O que acontece actualmente com o petróleo é que este é o único recurso energético realmente utilizado e os seus produtores formaram um cartel, ou seja, nem sequer há concorrência entre os produtores mundiais. Como em todos os casos de monopólio, a única hipótese é a opção por um bem substituível. Isso iria criar no mercado uma concorrência entre os dois produtos, o que levaria a uma quebra nos preços (lembremo-nos do antigo monopólio da PT e dos preços de telefone elevados, agora ninguém paga chamadas locais...). Felizmente, Ferreira de Oliveira parece saber isso:

"O fisco português, só do consumo dos produtos petrolíferos, vai receber seis mil milhões de euros este ano. Se parte deste dinheiro fosse usado para um novo paradigma energético, encontraríamos uma solução sucedânea", afirmou

Era efectivamente bastante bom que com o ISP que se anda a receber (que é quase um crime) se apostasse numa alternativa de uma forma séria e não apenas para inglês (e europeu em geral) ver. Uma outra forma de financiar essa investigação nas alternativas seria a aclamada Taxa Robin dos Bosques, que ao que parece vai mesmo para a frente, apesar de ser uma estupidez. Vamos ver se qualquer dia este monopólio acaba e começamos a usar carros movidos a chá.


publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 10:28link do post | comentar

Sempre aplaudi a ONU. Uma instituição sem nação (?) que trabalhava para o bem da humanidade. No entanto, de alguns anos para cá, tenho vislumbrado algumas demonstrações de indiferença que me preocupam. Há uns anos foi a questão do Iraque. Uma guerra entre os EUA e um país problemático, com armas de destruição massiva que afinal não eram, e com muita "democracia" por aproveitar. Agora em relação ao Zimbabwe parece não chegar a um consenso. Ao que parece, há dúvidas sobre a iligitimidade das eleições. Bem, aqueles 15 conselheiros devem ser os únicos com dúvidas, duvido que mais alguém no mundo ache que está tudo bem...
Por ora, as coisas vão assim.

27
Jun 08
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 20:54link do post | comentar
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publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 10:40link do post | comentar
Quando hoje visitei O Jumento, na parte de imprensa, li um excerto de uma notícia do Jornal de Notícias que passo a citar:

«PCP propõe acabar com coimas para consumo de droga

Preocupado com a falta de eficácia das Comissões de Dissuasão da Toxicodepência (CDT), o grupo parlamentar do PCP propõe alterações à lei da discriminalização do consumo de drogas, entre as quais o fim das coimas aplicadas a consumidores. (...)»

Realmente faz bastante sentido, quando uma política para dissuadir toxicodependentes de consumir droga não resulta, a melhor coisa a fazer não é melhorar a política mas sim permitir o consumo à vontade... Faz-se boa política ali para os lados ds Soeiro Pereira Gomes...

publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 09:33link do post | comentar
N' A Câmara de Comuns li um artigo sobre a educação no mundo e sobre a posição dos escandinávos nos rankings mundiais. Pelos vistos os escandinávos são os jovens mais brilhantes do mundo.

Eu não penso assim. Os escandinávos não são nenhuma raça superior em inteligência. O que acontece é que nos países escandinávos (bem como noutros, como os do Leste europeu e no Japão, por exemplo), os alunos sabem que na escola é para trabalhar e, na altura de trabalhar, sabem fazê-lo. Isto não é só por causa de políticas educativas fantásticas e por causa de governos excepcionais. Isto é principalmente causado pela própria cultura do país. Enquanto que em Portugal os miúdos vão para a escola porque tem de ser e ficam lá a "secar" até tocar, nesses países os alunos vão para a escola "aprender", "trabalhar". Talvez, admito, haja um maior interesse por parte dos alunos nessa aprendizagem por causa de determinados factores: o leveza na relação aluno-professor (tratam-se pelo nome), talvez tenham matérias mais interessantes e, portanto, uma relação com a escola bem mais saudável. Mas isso não pode ser o único factor porque, por exemplo, no Japão tudo é extremamente rígido e eles são brilhantes à mesma.

Para mim, a solução passa, exactamente, pela mudança de mentalidades. Passa por mostrar aos jovens que a escola é importante, é o trabalho deles e que o que eles ali estão a fazer vai determinar o seu futuro. Esta mudança de mentalidades não se faz no secundário! Começa-se pelo sempre negligenciado ensino pré-escolar. Começa-se com pequenas coisas! Mania esta dos portugueses começarem as casas pelo tecto...

26
Jun 08
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 10:58link do post | comentar | ver comentários (3)
Li hoje numa notícia do Diário de Notícias que as verbas atribuidas pelo Estado ao ensino superior vão sofrer um corte. Mas o corte é tudo menos pequeno (são cerca de 200 milhões de euros). Neste momento, quase não há na OCDE países cujo contributo do PIB para o ensino superior seja menor. Associado a este corte está o facto de as propinas pagas em Portugal são das menores da União Europeia.

Isto é um erro tremendo daquilo a que se pode chamar gestão do dinheiro. Até 2013 temos fundos da União Europeia para tentarmos, de vez, crescer de uma forma sustentada. Então, ao receber esses fundos, o que fazemos? Cortamos no ensino superior. O ensino superior realmente é um simples apêndice daquilo que é o desenvolvimento. Isso e o I&D, a cultura e tantas outras áreas "esquecidas". É preciso arranjar forma de, por um lado, alguns sectores se auto-financiarem, por outro, de conseguir atribuir fundos suficientes a estas áreas tão importantes no longo prazo. Por exemplo, porque não haver um sistema de pagamento de propinas com base nos rendimentos? Já que vivemos num Estado com o principio da solidariedade social... Não faz muito sentido que no ensino público uma pessoa pobre pague o mesmo que uma pessoa rica. Pode pensar-se que isto afastaria os ricos do ensino público e atirá-los-ia para o privado, mas isso é um erro. Em Portugal, ao contrário de muitos outros países, o ensino superior público é bastante melhor que o privado, a não ser em casos especiais (com o a Universidade Católica). Esta seria uma óptima forma de gerir o dinheiro das universidades, funcionando estas de um modo mais justo e mais sustentável. Provavelmente a qualidade do Ensino Superior até poderia aumentar e, deste modo, a qualidade dos nossos licenciados também.

publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 10:35link do post | comentar | ver comentários (1)
«Colete salva-vidas do Titanic leiloado por 68.500 dólares

Um colete salva-vidas do Titanic, o transatlântico que naufragou em 1912 provocando a morte a 1.500 pessoas, foi arrematado na quarta-feira por 68.500 dólares, num leilão da Casa Christie´s de Nova Iorque. (...)»

Sem comentários...

24
Jun 08
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 21:48link do post | comentar
A crónica de Desidério Murcho, hoje no Público, foi deveras boa. Este forte contestatário em relação ao Acordo Ortográfico já nos brindou diversas vezes no De Rerum Natura com textos brilhantes sobre o tema. Deixo aqui alguns excertos da crónica

«Fatos e leis

(...) Tenho escrito sobre o Acordo Ortográfico porque há dois aspectos cruciais que não têm sido discutidos. Tanto os críticos como os defensores do Acordo Ortográfico parecem concordar nestes dois pontos: que uma reforma ortográfica bem feita e imposta legislativamente é legítima; e que a desejável aproximação entre o Brasil e Portugal se consegue dando um primeiro passo legislando sobre a ortografia.

Ora, parece-me que estas duas ideias são não apenas falsas, mas constituem o tipo de falsidades que denota um certo tipo de mentalidade que urge combater.

(...) Legislar sobre a ortografia com a esperança de que isso fará dialogar os linguístas, lexicógrafos, físicos, médicos e poetas dos países de língua portuguesa é como fazer uma lei que oferece chocolates para estimular as pessoas a fazer exercício físico em vez de passarem a vida a ver televisão comendo chocolates.»


Completamente de acordo em relação ao seu desacordo em relação ao Acordo. Como já disse anteriormente, vou fazer o máximo para comprar o máximo de livros antes de estes serem revistos. Depois disso... só alfarrabistas!

publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 09:42link do post | comentar | ver comentários (3)

Nos últimos meses tem se falado muito (pouco) sobre a situação zimbabweana. Todos sabemos o que se passa. Todos fingimos nem saber. Isto é particularmente grave nos media que estão a assumir uma posição de completos cegos, surdos e mudos em relação a este autêntico genocídio.

Robert Mugabe, que apareceu nos anos 80 como o salvador da Rodésia, cedo se apoderou do poder absoluto daquele que em tempos foi um dos territórios mais desenvolvidos de África. Em 1987, o Hitler africado instaurou um regime presidencialista, o qual passou a chefiar.
Este ano houve "eleições gerais". Houve por uns tempos a ingénua esperança de que a democracia iria pairar por aquele país completamente destruído em todos os sentidos. Todo o processo foi feito com base na intimidação. Numa corrida na qual a oposição ia à frente, muitas rasteiras foram pregadas, e com recurso à força, Mugabe acabou por passar a frente dos seus adversários. Na segunda volta das eleições, o seu opositor Morgan Tsvangirai viu-se obrigado a desistir. Neste momento o país enfrente uma inflação anual prevista de 5 000 000% e milhões de emigrantes e exilados que fogem àquilo que é o puro terror na África Austral. União Africana? ONU? Nem pio. Aquelas pessoas estão a ser deixadas ao abandono pela comunidade internacional e não se prevê uma intervenção nos próximos tempos. Por enquanto, a chacina continua.

23
Jun 08
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 21:49link do post | comentar
Simplesmente hilariante este Achmed do Jeff Dunham. Por cá contentamo-nos com o Donaltim do Zé Freixo... Só uma pequena observação: este vídeo já teve mais de 52 Milhões de visitas no Youtube. É obra!

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publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 10:39link do post | comentar


 

O Símbolo no Jovem Nietzsche[1]
 
 
 

«[...] Habita a Razão na identidade bem composta
ou na desleixada contradição? [...] »
In, A Sombra dos Momentos Felizes.[2]
 
 

1. A filosofia aborda a função simbólica da arte integrada na sua tarefa interpretativa (hermenêutica), num dos períodos do pensamento mais marcados pelo simbolismo e misticismo, referimo-nos ao romantismo alemão, como movimento civilizacional que formou as condições para o aparecimento da teoria nietzschiana.
Centramo-nos no conceito de símbolo tal como o jovem Nietzsche o tratou entre os anos de 1870 a 1873. Onde a transposição é apresentada como a categoria fundamental: “O símbolo é a transposição duma coisa para uma esfera completamente diferente[3] indicando o transporte e a mudança de uma imagem e de um significado para outro âmbito. Sendo apresentado como um elemento essencial da comunicação que relaciona as diferentes grandezas em jogo na arte.
Se bem que, já desde Aristóteles a metáfora seja considerada como a transposição, que permite traduzir os elementos de realidades diferentes. A metáfora identifica ainda a mudança que os latinos classificam como ‘translatio’, o trânsito semântico, isto é, a alteração de significado. Em Nietzsche, o símbolo e a metáfora equivalem-se parcialmente enquanto processos artísticos, que estabelecem relações inventivas na criação da obra de arte.
Estando o símbolo próximo dos fluxos da vida, ele converte a música na categoria mais apropriada para retratar a multiplicidade da existência enquanto mudança e metamorfose. Por isso, o símbolo não é redurtivel à metáfora, pois a música tem um papel essencial na metafísica estética sem se subordinar à dinâmica das imagens.
Nietzsche trata a imaginação como a faculdade que estabelece a unidade entre as diferentes imagens através da invenção de suposições audaciosas. Diz a este respeito em A Visão Dionisiaca do Mundo: “[a fantasia] dá-lhe asas, um poder estranho e ilógico”. Assim estabelece comparações que transpõem os significados para domínios desconhecidos, como acontece com o uso da máscara, a qual em simultâneo revela e esconde a força da vontade, transfigurando e trocando uma identidade por outra.
Portanto, o símbolo a partir da acção transpositiva e transfigurativa une numa expressão os elementos sensíveis e metafísicos. Entende a mutação da vontade que se esconde e se manifesta na dinâmica natural da força e potência da arte, permitindo entender as suas próprias metamorfoses. Enfim, através da relação dialéctica entre a força e o significado (inerentes ao símbolo) podemos compreender as forças da natureza e o modo como estas transitam para a arte.

2. Ao investigar a origem do símbolo na força matricial que o sustenta, Nietzsche detecta que existe um fundo inconsciente. No plano da construção simbólica, o inconsciente está presente como um fundo orgânico ‘sapiencial’, que é necessário tornar consciente. Apesar disso, não existe para ele uma ponte segura para a transposição deste elemento para aquele. Pois o nível inconsciente não se deixa submeter aos princípios formais da lógica, que se apresetam como a panaceia onde se esconde a fragilidade do racionalismo abstracto.
Em contrapartida, Nietzsche considera que os impulsos cegos do organismo são transpostos de modo simbólico, primeiramente para as vivências sentimentais e depois para as actividades culturais; ou seja, o inconsciente é a fonte energética do processo simbólico. Identifica ele nessa potência subterrânea uma torrente que atravessa os sentimentos, que se constituem como referenciais semânticos com a capacidade de produzirem novos símbolos. Isto deve-se ao facto do sentimento traduzir o sentido interno, que percebe e orienta a intenção do instinto. Na perspectiva do nosso filósofo, todo este processo é indirectamente controlado pela vontade.
E, como se sabe, a categoria da vontade no jovem Nietzsche é claramente influenciada pela filosofia de Schopenhauer. Com efeito, ambos os filósofos concebem o ser e o mundo como entidades dinâmicas, pensando que o mundo é uma representação e manifestação da vontade.
Implicitamente, a noção de génio aparece aqui como a entidade “subjectiva” que sente a força da vontade a pensar com ele acerca da produção das novas formas; o que significa que o génio é o culminar dessa orgânica da vontade, procurando indirectamente dominar a ‘Força da Vida’, para a partir desse fundo inconsciente poder criar as formas simbólicas, as formas míticas, as formas poéticas.

3. No desenvolvimento de tal aspecto, o mito e a arte desempenham uma função simbólica acrescida, na medida em que Nietzsche os utiliza, altera e recria como narrativas e ilustrações do seu próprio modo de pensar. Logo, ao entender o que é essencial no pensamento deste filósofo, convertemo-nos em intérpretes dos seus mitos e dos respectivos símbolos artísticos.
No entanto, se já vimos como nascem os símbolos, agora convém observar como é que eles desaparecem. No prosseguimento dos românticos, o jovem Nietzsche critica a ausência das crenças míticas no que se refere à modernidade, revelando a decadência que é provocada pela luminosidade racional, a qual tudo quer explicar e desvendar, banindo o espaço da incerteza, da dúvida e do espanto. O mesmo é dizer que, o ‘Iluminismo’ [‘Aufklärung’] ao projectar uma compreensão das crenças, dos sentimentos e dos símbolos acaba por os destruir.
Na perspectiva de Nietzsche, o desaparecimento dos símbolos míticos leva à uniformização mental e à falência da civilização moderna que “perdeu a pátria mítica”,[4] por se ter desenraizado culturalmente das forças criadoras da vida.
Ao diagnosticar este ambiente de decadência, Nietzsche considera, no entanto, a possibilidade duma regeneração por meio do retorno nostálgico ao mítico, a partir de um diálogo vivo entre a música e a filosofia. Tudo isto porque a música é a área cultural em que os símbolos ainda vivem, constituindo-se assim como o centro regenerador da criação e do pensamento.
Aqui recorre-se à inspiração de Wagner, na medida em que este ousou pensar por meio de acontecimentos visíveis e sensíveis, através de um acentuado envolvimento mítico. Nietzsche considera que em Tristão e Isolda e na trilogia do Anel dos Nibelungos encontramos um género de narrativa dramática que desenvolve as ideias metafísicas sob a forma simbólica. A música constitui desta forma a nova inteligibilidade do pensamento sem negar a sensibilidade, permitindo reflectir sobre a arte a partir dela mesma. Pensa Nietzsche que a música de Wagner é um mote para a reflexão, possibilitando uma compreensão metafísica mais elevada do que qualquer filosofia já conseguiu.
Como corolário disto, Nietzsche considera que a música é o espírito que origina a obra de arte trágica, participando na génese do coro (que é o elemento da união mítica entre a música e a palavra). Deste modo, o mito é o elemento comum que permite estabelecer a mediação entre a tragédia grega e o drama musical wagneriano.
Posto isto, pretende Nietzsche uma fundamentação mais recuada, procurando na Grécia Arcaica as condições ideais da formação dos mitos da tragédia; é neste sentido que, propomos esclarecer sumariamente um dos mitos a que Nietzsche mais recorre. Trata-se com efeito da história de Édipo, que é o símbolo dionisíaco do homem trágico, encontrando-se em luta e sofrimento face à interpretação do seu destino. Essa figura mítica é concebida por Nietzsche de modo ambivalente, considerando que Édipo é uma máscara do sofrimento dionisíaco, mas também é o “símbolo da ciência” por interpretar os mistérios mais profundos da natureza humana.
Notámos que, Édipo escuta vatícinios horríveis acerca de si próprio; no entanto, à medida que se vai descobrindo, também o seu destino irracional é realizado. Este herói interpretou o enigma da Esfinge, e, ao revelar-lhe o segredo desmistificou-a, matando-a com as armas da razão. No fundo, Édipo representa a união do pensamento mítico com a emergência de uma reflexão simbólica e filosófica, por se apresentar como o intérprete e decifrador dos enigmas. Todavia, apenas aquele que está na posse da ‘ciência’ da interpretação dos símbolos pode decifrar o enigma com verdade. Neste caso, a ‘adivinha’ é apresentada pela Esfinge, que é a figura por excelência da razão enigmática.

4. Em analogia com esta concepção, Nietzsche apresenta Apolo como o símbolo da ilusão, do sonho e também da adivinhação. Torna-se deste modo evidente que Apolo se identifica com Édipo, por este herói e aquele deus partilharem uma faculdade oculta. Já na mitologia grega se relatava que Apolo era o deus do oráculo, que detinha os poderes de adivinhar o futuro. Com efeito, ele representava uma modalidade da razão que tinha por finalidade decifrar os mistérios. Ao investigar este aspecto, Giorgio Colli destacou que: “o enigma indica a origem da razão”,[5] a qual é mais misteriosa do que a racionalidade filosófica desejaria, uma vez que vem marcada por um conflito interno quase comparável ao da loucura.
Em contraposição a Apolo, Nietzsche aborda a figura de Dionisos como o símbolo dilecto do seu próprio modo de pensar filosófico e estético. Através de Dionisos o filósofo trágico representa o êxtase da embriaguez, o excesso, a criatividade, o movimento do eterno retorno, a paixão sexual e as forças naturais da vontade. Pretende Nietzsche compreender as forças que estão na origem dos símbolos e das obras de arte, presentando o dionisíaco e o apolíneo como paradigmas da relação dialéctica de luta e de união dos opostos. Procura dar respostas às confrontações entre as entidades polarizadas, tanto no plano natural, como no plano simbólico e metafísico. Deste modo, o conflito retrata a dissonância e o sofrimento tal como é abordado na obra trágica.
Teve Nietzsche a intuição de que na arte existe a comunicabilidade entre os diferentes níveis da realidade, descrevendo-os através da transposição da linguagem não figurativa (dionisíaca) para a linguagem figurativa (apolínea). Esses elementos diversos ora se unem, ora entram em litígio estimulando a produção das novas obras. De facto, o acto criador espelha e perpetua o conflito – Dionisos avança com a força desmedida, que Apolo equilibra através do saber configurador. A tragédia ática é precisamente o resultado dessa conciliação entre essas forças antagónicas. Diz Nietzsche em O Nascimento da Tragédia:

“Assim, a difícil relação entre o apolíneo e o dionisíaco na tragédia poderia realmente ser simbolizada através de uma aliança fraterna entre as duas divindades: Dionisos fala a linguagem de Apolo, mas Apolo, no fim, fala a linguagem de Dionisos: com o que fica alcançada a meta suprema da tragédia e da arte em geral”.[6]

Verifica Nietzsche que existe na tragédia uma forma de criatividade que leva à harmonização das duas figuras simbólicas, de tal modo que, as relações complexas dos princípios apolíneo e dionisíaco podem ser traduzidas numa aliança de recíprocas conversões linguísticas, que identificam a comunicação ontológica e estética. Enfim, este processo ‘dialéctico’ representa a transposição criativa: onde a vontade informe e dionisíaca se manifesta na linguagem da forma teórica apolínea, tornando assim fecundo o casamento entre estes princípios opostos. Nietzsche sublinha que a conciliação instintiva dos contrários se gera nos abismos da razão inconsciente, revelando assim uma cisão ontológica, que no plano biológico é traduzido pela luta e atracção entre os sexos.
Em suma, Nietzsche critica a racionalidade abstracta, mas em contrapartida, defende uma racionalidade que comporta as forças da vontade na sua transformação e contradição. De facto, trata-se de uma razão viva que é percorrida e animada pelos símbolos criadores da natureza, do mito e da arte. O que significa que, o problema do símbolo traduz as diferentes formas da razão orgânica se apresentar e comunicar, pois através do processo transpositivo ela estabelece a unidade no seio da metafísica estética.
Enfim, Nietzsche pretendeu desenvolver um pensamento ao serviço da renovação civilizacional. Considerando que o símbolo morre se não desenvolve a capacidade da constante criação dos seus significados. Daí o filósofo da tragédia ter sido o arauto da renovação que ainda está em curso, criticando na modernidade a desvitalização e a morte dos genuínos significados simbólicos.


[1] Este artigo sintetisa a minha dissertação de mestrado: A Natureza e Função do símbolo na Metafísica Estética do Jovem Nietzsche., apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2000.
[2] Carlos Alfredo do Couto Amaral, A Sombra dos Momentos Felizes, Lisboa, Edições Colibri, 2000, p. 62 [obra poética].
[3] NIETZSCHE, Fragmento Postumo, Vol. 7, frag. 3[20].
[4] NIETZSCHE, Nascimento da Tragédia, Lisboa, Relógio D’Água, 1997, Cap. 23, p. 161.
[5] Giorgio COLLI, Après Nietzsche, Montpellier, Éditions de L’Échat, 1987, p. 36.
[6]NIETZSCHE, Nascimento da Tragédia, Lisboa, Relógio D’Água, 1997, cap. 21, pp. 139-140.

publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 09:08link do post | comentar
O Atiçador de Wittgenstein, de David Edmonds e John Eidinow (Temas de Debates)

É um fabuloso livro! Vou mais ou menos a meio e não consigo largá-lo. Uma história gira, uma óptima panorâmica do que era a vida nos meios intelectuais do século XX, óptimas biografias tanto de Wittgenstein como de Popper. Um livro excelente para este tempo de Verão. Recomendo.
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22
Jun 08
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 15:57link do post | comentar
Li esta notícia no portal de notícias do Sapo. Ao que parece o e-escola vai ser alargado...

«Sócrates anuncia alargamento de entrega de computadores ao 7º ano de escolaridade

(...)O anúncio foi feito por José Sócrates na cerimónia de entrega do computador 200 mil no âmbito do programa e-escola, na Escola Profissional Gustave Eiffel.

De acordo com o Ministério da Educação, ao estender-se aos 7º e 9º ano de escolaridade, o programa e-escola vai abranger no próximo ano lectivo mais 380 mil alunos dos ensinos público e privado.(...)»


Uma medida cara como a do e-escola não pode ser tomada de ânimo leve. Para este programa, são utilizados fundos comunitários que podiam ser utilizados para mil e um fins diferentes. Apostou-se nisto por ser considerado melhor. Mas como podem saber que é melhor? Não deram nem um ano ao programa para ver se a coisa traz benefícios! Oferecer 200 mil até hoje já é imenso, já era bastante razoável para se avaliar o programa e os seus efeitos, mas alargar para o dobro é pura loucura! Vamos analisar alguns números. Apenas no serviço de banda larga, os estudantes do e-escola em condições normais têm um desconto de 5€ (os de baixos rendimentos pagam muito menos, mas vamos colocar todos como se tivessem rendimentos médios). 5€ por cada um dos 380 000 alunos dará ao Estado um encargo mensal de 1.9 milhões de euros. Ao fim do ano, isto fica pela módica quantia de 22.8 milhões. Não estou a contabilizar aqui os subsidiados e os apoios na compra dos computadores (sim, porque nenhum computador custa realmente 150€). Penso que é precipitado lançar o Estado para um encargo anual de 22.8 milhões de euros quando há um universo quase infinito de destinos para esse dinheiro todo.

Porque é que sinto que tudo isto é para fazer estatística para as eleições?

21
Jun 08
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 20:47link do post | comentar | ver comentários (1)
Sublime a ideia do PCP que irá ser aplicada dentro em breve, tudo indica. O PCP propôs há algum tempo atrás um imposto extraordinário a aplicar sobre as empresas petrolíferas que iria ser aplicado sobre os lucros "a mais" que estas empresas tiveram devido à subida do preço dos combustíveis. É carinhosamente chamada "Taxa Robin dos Bosques". Estalinismo no seu melhor. Quando começam os planos quiquenais? Seria muito bom o governo comprar o Tarrafal de novo...

Isto é gravissimo, está a abrir-se um precendente bastante mau. Uma economia de mercado (como se pretende que a nossa seja) é regulada pela procura e pela oferta. Se algo estiver a ser feito contra a lei, aí o Estado actua. Mas lucrar ainda não vai contra a lei! O Estado não pode pegar por aí! A coisa funciona de modo muito simples: o preço de um bem consiste na quantidade de dinheiro pela qual os compradores estão dispostos a comprar e os vendedores a vender. Como, ao que parece, com estes preços, ainda ninguém deixou de comprar gasolina e as empresas ainda não perderam dinheiro (só ganharam), o preço está perfeito onde está, segundo as leis do mercado. Se pegarmos por aqui, então também temos de aplicar um imposto extraordinário à banca, porque é imoral emprestar dinheiro a quem o pede... (vá se lá saber porquê) e também aplicaríamos um tremendo imposto aos agricultores devido à subida dos preços dos cereais! Não se governa assim! O Estado deve funcionar como Estado-Providência, não como Estado Totalitário, costuma dar mau resultado pelo que se tem visto...

Compreendo, no entanto, que a situação dos combustíveis é complicada... E as pressões dos partidos populistas são muito fortes... Suposto pois que tal imposto se aplica, para que reverterá esse dinheiro? Esta é a parte mais absurda: para apoio social e tal e coiso. Ora vejamos. Um imposto é aplicado porque as empresas petrolíferas estão a lucrar muito com a especulação. Essa especulação não é coisa nossa, é coisa do mundo todo, e não se espera que diminua nos próximos anos... Por que não aplicar o dinheiro desse imposto na investigação de energias alternativas e no investimento nestas, de modo a criar uma alternativa à causa do imposto? Não sei... eles lá deverão ter uma ideia...

Na minha opinião é realmente verdade que os preços estão demasiado altos, e isso é feito por causa de um aproveitamento de oligopólio para controlar o mercado. Mas não é a aplicar impostos estúpidos que a coisa vai lá. É preciso é que seja provada a cartelização e haja processos sérios em tribunal para que o Estado (e com Estado, refiro-me, obviamente, a todos nós) seja indemnizado por ter enchido os bolsos da Galp e da BP.

Adenda: Leiam o artigo de Álvaro Santos Pereira, está brilhante, no Desmitos

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