A máfia da blogosfera
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Jul 09
publicado por Tiago Moreira Ramalho, às 14:00link do post | comentar

Tenho uma secreta, agora menos, paixão por pessoas que são heterónimos de si próprias, como um indíviduo, a quem não louvo a inteligência porque não lhe ia dar grande novidade, uma vez me disse. Tenho uma ainda maior, e igualmente secreta, agora nada, paixão por pessoas que não sei se são heterónimos de si próprias, mas desconfio. Vasco Pulido Valente encaixa-se ou numa ou noutra, portanto a grande questão é se estou apaixonado pelo VPV ou muito apaixonado pelo VPV.

Li a entrevista, longuíssima, que deu ao Carlos Vaz Marques para a LER e fiquei com vontade de me esconder num buraco mil anos, para depois sair e ver se a coisa tinha melhorado. VPV conseguiu destilar veneno sobre tudo o que há, houve e está para a haver. Irritei-me, sinal da paixão, com a história da vozinha, omnipresente na entrevista, que não permitia escrever. Diabos, que odeio quando me destroem sonhos. Irritei-me de novo, novo sinal da paixão, com a forma como falou dos escritores portugueses. Outra face da pose: fica sempre bem falar mal de quem se fala bem. Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luis e Saramago foram reduzidos a pó. Não soubesse eu que aquilo era conversa e até tinha ficado preocupado.
Fiquei com vontade de lhe dar um beijinho, o derradeiro sinal da paixão, quando li a última frase: «O triunfo do trash é uma coisa que me deprime». Ainda por cima quando este trash é exemplificado com as fodas escritas nas paredes de Lisboa por comparação, em quantidade, com as fodas escritas nas paredes de Pompeia.
Enfim, foi uma excelente entrevista – como é habitual no CVM. A inteligência do homem, que ainda por cima sabe que é burro, como todos somos, em grau diferente é certo, é assombrosa. Gostava mesmo que escrevesse um romance. Ou, pelo menos, umas memórias. A palavra escrita, a sentida e não a da pose, e a um livro somos incapazes de mentir, é a que mais nos revela. E VPV vale a pena.

E será que os sábios de Pompeia falavam do triunfo do purgamentum ao compararem as fodas escritas nas suas paredes com a as de Atenas?
l.rodrigues a 14 de Julho de 2009 às 14:48

Luís, leu a entrevista?

Não. Foi só uma pergunta que me ocorreu e entendi por bem partilhar. Acredite que fiquei curioso sobre esta parte.

é que ele disse que gostava das histórias das fodas escritas nas paredes de pompeia. apenas o chateava termos levado isso ao extremo.

Nesse caso confirma-se que a minha pergunta faz sentido.
O mundo vive em permanente decadência e saudoso de idades de ouro que nunca mais voltarão. É um tema recorrente.
Um dia no futuro, quiçá, um VPV vestido como o Mr. Spock, lembrará os dias da pornografia da internet do principio do século 21 como um colorido pitoresco, e condenará o que quer que passe por excesso nesse tempo.
Ou coisa parecida.
l.rodrigues a 14 de Julho de 2009 às 16:43

VPV escreve maravilhosamente mas, como ele próprio admite, tem demasiada consciência de si mesmo e das suas limitações para arriscar uma obra de ficção. Felizmente que outros, frequentemente menos capazes, são mais "inconscientes" ou a literatura mundial teria poucas obras-primas. Não sei se concordo consigo quando escreve que a opinião dele sobre Saramago, Agustina ou Lobo Antunes é (apenas) pose. Penso que mesmo quem tenha posição diferente sobre a qualidade de qualquer dos três (como eu tenho, em especial no que toca a Agustina) percebe (e até certo ponto, aceita) a perspectiva de VPV: só como exemplo e arriscando a citação incorrecta - não tenho aqui a revista -, a produção de Lobo Antunes tornou-se de facto numa massa algo disforme e se calhar não é por acaso que ele já manifestou intenção de parar de escrever.

Entretanto, se não há ficção, pode-se sempre ir usufruindo do que VPV escreve sobre a nossa história. Se ainda não leu, aconselho o último livro dele, “Portugal, Ensaios de História e de Política”, que referi neste post (http://escafandro.blogs.sapo.pt/44807.html), num estilo, hélas, muito mais confuso que o de VPV. O livro (tal como algumas crónicas e mesmo a entrevista da Ler) deixou-me não tanto a imagem de uma pessoa que gosta de destilar veneno mas antes de alguém que sabe demais para ser optimista mas que já se encontra numa fase em que consegue encarar as coisas com uma mistura de resignação e bonomia (como um pai muito, mas muito cansado com a repetição das asneiras do filho).
José António Abreu a 14 de Julho de 2009 às 15:42

Nem de propósito; comecei a ler a entrevista. Devagarinho, ao ritmo do Metro, para saborear. Volto atrás. Leio as perguntas do estupendo Carlos Vaz Marques (as questões inteligentes fazem toda a diferença). Pondero. Concordo. Discordo. Rio. Descubro. Entristeço. Um mundo de sensações em girândola. Tolices.
A entrevista à GQ também é excelente.
Margarida a 15 de Julho de 2009 às 13:46

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