Tenho uma secreta, agora menos, paixão por pessoas que são heterónimos de si próprias, como um indíviduo, a quem não louvo a inteligência porque não lhe ia dar grande novidade, uma vez me disse. Tenho uma ainda maior, e igualmente secreta, agora nada, paixão por pessoas que não sei se são heterónimos de si próprias, mas desconfio. Vasco Pulido Valente encaixa-se ou numa ou noutra, portanto a grande questão é se estou apaixonado pelo VPV ou muito apaixonado pelo VPV.
Li a entrevista, longuíssima, que deu ao Carlos Vaz Marques para a LER e fiquei com vontade de me esconder num buraco mil anos, para depois sair e ver se a coisa tinha melhorado. VPV conseguiu destilar veneno sobre tudo o que há, houve e está para a haver. Irritei-me, sinal da paixão, com a história da vozinha, omnipresente na entrevista, que não permitia escrever. Diabos, que odeio quando me destroem sonhos. Irritei-me de novo, novo sinal da paixão, com a forma como falou dos escritores portugueses. Outra face da pose: fica sempre bem falar mal de quem se fala bem. Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luis e Saramago foram reduzidos a pó. Não soubesse eu que aquilo era conversa e até tinha ficado preocupado.
Fiquei com vontade de lhe dar um beijinho, o derradeiro sinal da paixão, quando li a última frase: «O triunfo do trash é uma coisa que me deprime». Ainda por cima quando este trash é exemplificado com as fodas escritas nas paredes de Lisboa por comparação, em quantidade, com as fodas escritas nas paredes de Pompeia.
Enfim, foi uma excelente entrevista – como é habitual no CVM. A inteligência do homem, que ainda por cima sabe que é burro, como todos somos, em grau diferente é certo, é assombrosa. Gostava mesmo que escrevesse um romance. Ou, pelo menos, umas memórias. A palavra escrita, a sentida e não a da pose, e a um livro somos incapazes de mentir, é a que mais nos revela. E VPV vale a pena.